Notes de la communauté
Não é novidade que a inflação no Brasil está à beira do descontrole. Em 2024, por exemplo, o principal índice que mede a inflação oficial – o IPCA – fechou o ano em 4,83%, acima da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, que era de 3% e ainda previa uma margem adicional de 1,5% de tolerância, estabelecendo um teto de 4,5%. Tal fato até mesmo levou o presidente do Banco Central a divulgar publicamente uma carta ao ministro da Fazenda para detalhar as causas do descumprimento, as providências e o prazo para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos, em observação ao disposto no Decreto nº 3.088/1999.
Não obstante o esforço do Banco Central em assegurar uma política monetária contracionista, através de aumentos sucessivos na taxa básica de juros, a projeção do mercado é que o IPCA permaneça acima da meta da inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional pelo menos até 2029. Espera-se, inclusive, que, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária – Copom, que ocorrerá em março, a taxa básica de juros seja acrescida de 1 ponto percentual, totalizando a marca de 14,25%, o que não ocorre desde 2016.
O que ninguém sabia era que o controle da alta de preços poderia ser resolvido de forma muito simples: se o preço está alto, basta não comprar. Sim, na primeira quinta-feira (6) do mês de fevereiro de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu que os brasileiros deixassem de comprar os alimentos que estão caros, pois, dessa forma, os vendedores seriam obrigados a baixar os preços sob pena de perder os produtos.
Dado o contexto, em tempos de combate à desinformação e notas da comunidade (ou notes de la communauté), vale a presente: não é fidedigna a afirmação de que deixar de comprar alimentos caros vai efetivamente ocasionar a baixa dos seus preços e resolver a inflação no Brasil. Em verdade, se trata de cortina de fumaça para isentar o governo da sua (ir)responsabilidade fiscal pela alta de preços.
Em primeiro lugar, é sempre importante estabelecer (ou restabelecer) o conceito de que a inflação se refere ao aumento na oferta monetária, incluindo dinheiro e crédito, e não apenas ao aumento dos preços – que, por sua vez, é um sintoma da expansão monetária (mesmo com a condução restritiva do Banco Central), talvez a principal e mais visível. Nesse sentido, Milton Friedman, em Inflação, Suas Causas e Consequências (1963), já indicava que a inflação, antes de tudo, é um fenômeno monetário.
Dito isso, um dos principais motivos para a presente inflação e consequente aumento nos preços é a existência de um orçamento deficitário por parte do próprio governo, que decorre de gastos crescentes e ineficientes não cobertos pela arrecadação própria – responsabilidade fiscal. Não é coincidência que as metas fiscais compõem o tripé econômico (junto às metas da inflação e ao câmbio flutuante) e foram fundamentais ao combate da hiperinflação na recente história brasileira.
Com a aprovação da Lei Complementar nº 200/2023 (Lei do Arcabouço Fiscal), regime que substituiu o teto de gastos, possibilitando maior “flexibilidade” ao alocamento das despesas pelo governo “a fim de garantir a responsabilidade social prevista na Constituição”, o governo passou uma mensagem clara ao mercado de que não está comprometido com as limitações da economia real e restrições orçamentárias, sobreaquecendo a economia via excesso de gastos governamentais.
Dessa forma, enquanto a austeridade fiscal e o cumprimento das metas de superávit não representarem compromisso e prática de qualquer governo, estaremos fadados aos eventos de aumento de preços e inflação.
Em segundo lugar, fundamental esclarecer que os preços surgem como um fenômeno acidental e fortuito na atividade econômica, à medida que são o resultado não-intencional de uma troca econômica que tem como base avaliações subjetivas, como demonstrou Carl Menger em Princípios de Economia Política (1871). Em breve e apertada síntese: os preços não determinam a troca, mas as avaliações subjetivas que os indivíduos fazem das trocas determinam os limites dentro dos quais o preço negociado (considerando os bens envolvidos na transação) será acordado.
Os preços dos alimentos são dinâmicos e refletem a escassez, preferências dos consumidores e condições de mercado, de modo que, se os consumidores parassem de comprar produtos caros artificialmente, isso não resolveria as causas reais da inflação (causada geralmente em razão de desajustes fiscais). Em vez de recomendar à população que não compre determinados produtos com a finalidade, ainda que velada, de “controlar preços”, o governo deveria adotar uma política séria de austeridade fiscal e permitir que o livre mercado ajuste os preços de forma mais eficiente.
Henry Hazlitt, em Economia Em Uma Única Lição (1946), argumenta que o controle artificial de preços não combate a inflação, mas a agrava ao criar distorções no mercado. Quando o governo impõe mecanismos de controle de preços, ele desestimula a produção e causa escassez, forçando consumidores a recorrerem ao mercado paralelo, onde os preços são ainda mais altos.
Ainda que não seja provável que o governo adote uma política de controle de preços formal, o discurso oficial sugere que as medidas corretas e austeras estão longe de serem adotadas e que esta é apenas mais uma tentativa de políticos de jogar a responsabilidade pela inflação sobre produtores e vendedores e não em suas próprias políticas fiscais. Aliás, esta não é a primeira vez em que isso acontece: o próprio Banco Central já foi alvo de discursos como esses, que apenas descredibilizam o governo brasileiro, impactando no preço do dólar, por exemplo.
O que parecia ser uma inovação econômica à brasileira, digna de prêmio sueco, no final das contas, não passa de um repeteco à la française: s’ils n’ont pas de pain, qu’ils mangent donc de la brioche[1]. Em novilíngua: se os alimentos estão caros, não comprem!
[1] “Se não têm pão, que comam brioche”, a frase é atribuída a Maria Antonieta, rainha da França durante a Revolução Francesa.
*Victor Chang Almeida Carvalho é advogado formado pela Universidade do Estado da Bahia. Atua nos mercados financeiros e de capitais e é associado ao IFL-SP e um dos fundadores da Lexum.