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Livre concorrência e setor portuário no Brasil

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Antes de iniciar a leitura, ressalto que é compreensível que os setores e classes apontados aqui tenham opiniões contrárias e reforço que esta não é uma verdade absoluta, apenas uma opinião de quem tem mais de uma década atuando, entendendo as dificuldades de destravar e obter o máximo do setor portuário brasileiro.

Antes de chegar ao ponto central do artigo, é coerente questionar: como e por que isso é importante para a nossa economia?

O setor portuário é fundamental para o desenvolvimento econômico de qualquer país e, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o comércio marítimo representa cerca de 80% do comércio global, o que mostra a importância vital do setor portuário para a economia global.

Os portos são responsáveis pela geração de milhares de empregos e por fornecer serviços, insumos e infraestrutura para outros setores, incluindo a indústria e o comércio, sendo fonte de investimentos de grande monta. Além da produção de bens, vale ainda salientar que os portos demandam uma cadeia logística e, obviamente, isso alavanca ainda mais os benefícios, diretos ou indiretos, gerados para a sociedade, região ou país, por exemplo.

Nesse sentido, o Brasil tem uma vocação portuária impressionante: o comércio exterior do país movimenta, por exemplo, produtos agrícolas, minerais e manufaturados. Desde 2015, tivemos mais de 1 bilhão de toneladas movimentadas, entre exportação, mercado interno e importação, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). Possuímos alguns dos maiores portos da América Latina, como o Terminal Marítimo de Ponta da Madeira – MA e o Porto de Santos – SP, representando juntos aproximadamente 25% da movimentação brasileira, também segundo a ANTAQ. No primeiro semestre de 2022, somente o setor privado portuário somou mais de 10 bilhões de reais investidos, segundo o “Relatório Estatístico do 1º Semestre de 2022” da Associação de Terminais Portuários Privados (ATP).

Com base nesses dados, aparentemente seremos injustos ao defender que existem barreiras para a livre iniciativa e em questionar a produtividade do setor no Brasil. Será que ainda há espaço para ser mais eficiente?

Assim, vamos debater neste artigo essas barreiras e as soluções para alavancar o desenvolvimento do setor.

A OCDE publicou o “Relatório de Avaliação Concorrencial do Setor Portuário no Brasil” em 2022, em que aponta mais de 170 (cento e setenta) obstáculos à concorrência em leis, resoluções, decretos e normas, bem como em regulamentos específicos de cada um dos portos, no Brasil. O relatório foi realizado em cooperação com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica do Brasil (CADE).

Neste documento, além de fornecer análises do aspecto regulatório, leis, resoluções, decretos e normas, bem como regulamentos específicos de cada um dos portos, a OCDE analisa temas que têm potencial de inviabilizar o mercado e/ou torná-lo, por consequência, mais custoso e improdutivo para o país.

Desde a Lei nº 12.815/2013, o Brasil evoluiu nos modelos de gestão dos terminais e basicamente existem dois: arrendamento de área em porto público e porto privado.

Em um porto arrendado, o poder público é o dono da área e “aluga”, por meio de um contrato de arrendamento, a um ente privado, e este é responsável pelo funcionamento e investimentos no terminal. Já em um porto privado, a gestão é totalmente de responsabilidade da empresa privada, que é proprietária da área e tem liberdade para fazer investimentos e tomar decisões estratégicas sem interferência do poder público.

Algumas das implicações deste relatório convergem mais com os arrendamentos públicos e essa também é uma crítica à própria lei atual. Dentre os principais apontamentos, destaco e analiso as seguintes recomendações da OCDE relacionando com a Lei nº 12.815/2013:

a) Avançar na flexibilização das relações de trabalho em portos arrendados pela iniciativa privada
Como funciona?

O verbo “avançar” significa muito neste caso, dado que toda a mão de obra portuária em portos arrendados é regulada pelo Órgão Gestor de Mão de obra (OGMO).

O OGMO é considerado uma autarquia que tem como função principal ser o mediador das relações entre uma empresa que atua em porto com a mão de obra adequada para as atividades desenvolvidas. Os trabalhadores podem ser avulsos quanto com vínculo empregatício. A criação do OGMO é uma obrigação legal das empresas arrendatárias dos portos públicos. Desse modo, no Brasil, temos 30 entidades, uma para cada porto público, as quais detêm o monopólio da relação do arrendatário com os trabalhadores portuários.

Vale destacar que esse processo só é obrigatório em áreas arrendadas pela iniciativa privada em portos públicos; para os portos privados, o modelo de gestão da mão-de-obra é livre, mesmo que alguns ainda optem por utilizar o serviço prestado pelo órgão.

A entidade é responsável pelo controle de frequência, treinamento e pagamento da remuneração dos trabalhadores portuários avulsos, além de regular a relação de trabalho entre eles e as empresas portuárias, com a diretriz de assegurar que os profissionais sejam capacitados e devidamente remunerados.

O que fazer?
Deve-se permitir que as empresas que tenham contratos de arrendamento de áreas públicas também possam fazer toda a gestão dos seus funcionários a seu próprio risco, que seja contratar livremente seus trabalhadores, bem como possam realizar os treinamentos específicos para realizar sua a formação para melhorar suas habilidades e aumentar sua produtividade. Apesar de ser direto, e até óbvio, não é simples.

De acordo com Mises, em seu livro As seis lições, é o cliente que, em última instância, vai determinar o que é produzido ou que serviço deve ser prestado, ou seja, na prática, a que preço (e custo) será feito. Assim, as empresas tomam esse princípio para realizar o cálculo econômico quanto a se um negócio vale a pena ou não. A liberdade de contratar seria, então, uma das mais importantes para a obtenção de lucro/redução de custos de uma empresa, seja por questões técnicas, capacidade de entregar resultado ou alinhamento de valores, por exemplo.

Além disso, não há flexibilidade de determinar nem o modelo de trabalho nem a quantidade de trabalhadores que são necessários para realizar uma atividade, por exemplo. Tudo é passível de negociação, é verdade, mas existem os chamados “ternos”, que significa equipe de trabalho, que é solicitada para realizar uma atividade por determinado período, dentro do contexto portuário.

Apesar de existir uma evidente distorção do mercado, pois esse “aluguel” não é tão simples e implica diversas interferências governamentais que geram distorções na concorrência, na prática, a remoção do monopólio seria um avanço tremendo.

Entretanto, é fato que a questão da monopolização do mercado pelo OGMO é realmente uma questão complexa que envolve muitos atores diferentes, incluindo:

(i) As prioridades ou regras do Estado (em suas mais diversas formas como agências reguladoras, autoridades portuárias – que administram os portos públicos, poder executivo e legislativo, em todas as instâncias, entre outros);

(ii) O que fazer com os trabalhadores (avulsos ou com vínculo, sindicatos e associações de classe) que estão inseridos neste contexto há décadas e cuja tendência é ser alvo de forte protesto;

(iii) As dinâmicas do mercado, bem como o aspecto histórico e jurídico (existem inúmeros passivos financeiros e jurídicos com as instituições devido a mudanças na legislação trabalhista, por exemplo).

É preciso sanear os passivos históricos, jurídicos, trabalhistas e financeiros e com a classe de trabalhadores para que haja uma mudança estrutural que realmente torne o processo otimizado.

Mesmo sabendo que é uma medida impopular do ponto de vista dos trabalhadores portuários, é necessário otimizar e garantir que o Brasil seja ainda mais competitivo, com regras de mercado. Como em todos os demais setores, os melhores vão continuar e os demais necessitarão de capacitação, podendo ser aproveitados – inclusive pode ser uma das saídas para o provável confronto com a classe trabalhadora atual.

Há uma conclusão clara neste aspecto atual de dano à concorrência e distorção de mercado com o monopólio. Essa autarquia leva inequivocamente à redução de eficiência, competitividade e investimentos, por conseguinte, menos emprego e geração de renda, ainda que tenha um objetivo de prestar um serviço bem-intencionado.

O relatório da OCDE é mais enfático em sugerir a abolição do OGMO; entretanto, com base na experiência que tenho no setor, o ideal é realizar uma transição ao longo do tempo para evitar rompimento da relação com os trabalhadores e da cadeia operacional, que pode elevar os custos com a perda da produtividade, ainda que pontuais.

Alternativamente, ainda haveria a opção de deixar o OGMO coexistir com entes privados, o que já aconteceu no Brasil num contexto similar, no caso do uso de trabalhadores avulsos por terminais 100% privados (não nos arrendados, que são objetos desta análise), mas recentemente houve uma decisão no Supremo Tribunal do Brasil que reverteu a sua própria decisão de anos atrás em 2021, causando mais desconforto no setor, com nova intervenção e insegurança jurídica.

b) Abertura de concorrência do serviço de praticagem
Como funciona?

A praticagem é um serviço obrigatório de manobras e de navios em portos brasileiros, realizado por trabalhadores chamados de “práticos”, os quais são autorizados, fiscalizados e regulamentados pelo Estado. O serviço é considerado um monopólio, uma vez que apenas um grupo de práticos atua em cada região / porto, não atuando inclusive entre portos.

A principal justificativa do Estado para preservar o monopólio é que a atividade envolve uma operação de risco elevado, quando se trata de atracações e desatracações de um navio de um porto para o seu destino.

O que fazer?
Novamente, constata-se que o monopólio de um serviço tem muitas implicações mais negativas.

Tecnologias como o Sistema de Gerenciamento e Informação do Tráfego de Embarcações (VTMIS, sigla em inglês), que é composto por uma rede de radares de última geração, sensores meteoceanográficos, câmeras de longo alcance e softwares avançados que permitem à Autoridade Portuária dispor de informações online e em tempo real da posição e situação de cada embarcação dentro da área de cobertura do sistema, proporcionando pleno auxílio à navegação, maior agilidade, confiabilidade, disponibilidade de infraestrutura portuária e de serviços correlatos, além de segurança à navegação e à vida humana no mar. Um desses sistemas já opera no Brasil desde 2017 na CODESA (antiga Companhia Docas do Espírito Santo ou Porto de Vitória – ES ou apenas CODESA após a privatização).

Esse tipo de tecnologia poderia auxiliar e fomentar a abertura de mercado, capacitação e melhoria da prestação do serviço ao redor de todo o país.

Atualmente, é realizada uma escala de rodízio com um grupo de práticos de modo a dividir a quantidade de serviços necessários em um período de trabalho por todos os habilitados naquela região.

Se fosse livre a prestação de serviço, considerando o volume movimentado informado acima, é muito provável que isso motivasse a formação de associações privadas de práticos ou criação de empresas, ainda que houvesse uma chancela estatal em quem poderia ou não ser capaz de realizar a atividade.

No caso de uma empresa prestadora do serviço de acostagem de navios, haveria uma tendência a ter uma quantidade maior de pessoas capacitadas e de redução de custos, afinal, o melhor serviço poderia abarcar boa parte dos 1 bilhão de toneladas que o Brasil movimenta no ano. Logo, haveria incentivo claro para inovação e redução de preços.

Esta medida também é impopular do ponto de vista dos práticos, na minha avaliação. Entretanto, vejo que o mercado se acomodaria de maneira mais coerente, dado que o nível técnico dos profissionais é alto devido às exigências do Estado. Não é porque é um tema complexo que não seja válido aprofundar nas análises e propor um melhor arranjo para obter mais produtividade no Brasil. Para evitar desgastes e rompimento na prestação de serviços, é válido pensar em um modelo de transição para essa classe de trabalhadores.

c) Mudança no modelo de gestão do processo de arrendamento

Como funciona?
Dentro dos portos públicos, a autoridade portuária, que está presente em cada um dos terminais públicos, é a responsável por administrar, em última instância, o porto público, por ser delegada pelo poder Executivo para aquela região de atuação. Ela é responsável também pela fiscalização das instalações portuárias e infraestruturas públicas nos portos.

Nos portos públicos, pode haver duas formas de gerenciamento por meio da autoridade portuária: (i) concessão para iniciativa privada e (i) pelo público por meio de companhias docas.

Apesar de a Lei nº 12.815/2013 ter permitido o item (i), apenas em 2022 houve a primeira concessão no Brasil, a da CODESA. O que significa que para a realidade brasileira, é um fato novo e alvo de muita atenção de autoridades públicas, apesar da indicação clara de mais produtividade.

Além da autoridade portuária, participam, direta ou indiretamente da gestão, fiscalização e formulação de diretrizes, a Comissão Nacional das Autoridades Portuárias (CONAPORTOS), Ministério de Portos e Aeroportos (antigo Ministério da Infraestrutura), Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários (SNPTA), ANTAQ, Marinha do Brasil, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Polícia Federal, Receita Federal, entre outros.

O que deve ser feito?
De maneira direta, transferir a administração dos portos organizados para o setor privado. Privatizar, preferencialmente, cada companhia de docas, com as concessões dos portos que são afetados.

Alternativamente, licitar a concessão da administração do porto – quando não for possível a privatização – com o correspondente arrendamento da infraestrutura, acompanhada do processo de extinção em modo de transição da companhia docas responsável.

Por último, e somente por falta de participantes em um eventual processo de licitação, conceder mais autonomia às autoridades portuárias estatais na escolha dos arrendatários, seja por meio de licitações ou processos simplificados para contratos, incluindo os complexos. Isso porque, de todo modo, com ou sem autoridade portuária presente, o arrendatário está sujeito à legislação federal sobre contratações públicas e contratos de arrendamento portuário.

A quantidade de processos envolvidos no modelo de gestão portuária é imensa, sobretudo na relação com órgãos estatais, mesmo nos portos privados.

Deve-se, aqui já sigo numa linha mais intransigente, reduzir de imediato o número de órgãos envolvidos no processo de autorização para construir e operar instalações portuárias, bem como prever uma otimização como limite de prazo de autorizações e análises por órgãos anuentes.

Prever ainda artifícios para que, de maneira provisória, haja autorização de um empreendimento, no caso de não ser uma área crítica de impacto socioambiental, como, por exemplo, alfandegamento em operações testes (uma área só pode ser considerada alfandegada se a Receita Federal realizar a autorização para que ela atue como recintos alfandegados e exerçam atividades específicas inerentes ao armazenamento de cargas que devem ser controladas pelas autoridades aduaneiras).

A que conclusão chegamos?
A presença de setores monopolizados por serviços altamente regulados ou geridos, direta ou indiretamente, pelo Estado aumentam os custos pela falta de incentivo em inovar e distorcem cada vez mais os mercados. Neste artigo, optei por discutir apenas três dos inúmeros temas que podem alavancar este tão importante setor da economia, afinal, como o próprio relatório da OCDE aponta, ainda há um caminho a ser percorrido, e ele passa por discutir temas polêmicos.

A dificuldade em identificar a legislação aplicável em vigor, principalmente devido à existência de dispositivos obsoletos ou ultrapassados, é uma barreira à entrada de investimento, estrangeiro ou nacional. É quase impossível iniciar qualquer processo de construção de um porto do zero ou mesmo arrendar uma área sem a prestação de um serviço jurídico robusto especialista em atividade regulatória, tamanha incerteza e clareza nos processos.

Há quem defenda que este modelo gera prejuízo ao país por ser considerado um setor estratégico e por si só um porto é um monopólio.

A resposta também está na obra As seis lições de Mises, em que ele relata que, em torno de 1920, na política dos Estados Unidos havia discussões sobre o poder das ferrovias, consideradas até então monopolistas. Entretanto, esse “poder” era “a sua capacidade de oferecer à população um meio de transporte melhor que qualquer outro”, nas palavras do autor. Evidentemente, isso era tido como absurdo; ainda que pesem as diferenças de realidade e sem aprofundamento na questão, na prática, hoje os Estados Unidos têm a maior malha ferroviária do mundo e não é difícil de encontrar que os melhores serviços são prestados por ferrovias paralelas em virtude da competição.

Voltando ao caso brasileiro, devido às barreiras à livre iniciativa, ao peso jurídico e à quantidade de processos, é praticamente impossível também que haja um entrante novo no processo. Apenas empresas com expertise acabam ficando com esta parcela de mercado, outra vez causando dano direto à livre concorrência.

Como é possível analisar, não existe uma receita fácil. A presença forte de grupos de pressão será um dificultador em qualquer abordagem no sentido de otimizar o setor, entretanto, um processo de transição é algo que pode ser estudado e atingiria o objetivo no longo prazo. É, no mínimo, passível de discussão.

Nunca uma frase fez tanto sentido em relação aos portos no Brasil, mesmo sendo proferida por Ronald Reagan, ex-presidente dos Estados Unidos: “A visão do governo sobre a economia pode ser resumida em algumas frases curtas: se ela se move, taxe-a. Se ela continua em movimento, regule-a. Se parar de mover-se, subsidie-a.”

Para finalizar, ainda que haja uma certeza na dificuldade e no tempo de execução de qualquer reforma neste sentido, apontada no relatório da OCDE, vejo que as autoridades têm uma tendência a abertura de mercado, como, por exemplo, no caso citado da CODESA, que será decerto um divisor de águas e pode fundamentar ainda mais a formulação de melhores políticas públicas ou a abertura econômica desse setor no Brasil no futuro.

Felipe Fernandes – Associado Alumni do Instituto Líderes do Amanhã.

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