Escala 6×1: como passar o carro na frente dos bois
Nos últimos dias, a alteração da escala de trabalho 6×1 — seis dias trabalhados para um dia de descanso — tem dominado o ambiente político no Brasil. Atualmente, a legislação brasileira permite uma jornada semanal de até 44 horas, mas uma parlamentar do PSOL propôs emenda constitucional (PEC)visando a reduzir a jornada para 36 horas semanais sem redução salarial, apresentando argumentos que variam desde a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores até o estímulo à criação de novos empregos.
O tema, no entanto, vai além das jornadas e escalas de trabalho e aborda questões fundamentais sobre o modelo econômico e social que se deseja para o país. É possível melhorar as condições de trabalho sem comprometer a competitividade das empresas? Em outras palavras, como encontrar o equilíbrio entre a busca por melhores condições de trabalho e a necessidade de aumentar a produtividade e competitividade no Brasil?
A defesa da proposta
Defensores da alteração na escala de trabalho argumentam que o modelo atual é ultrapassado, impactando negativamente a qualidade de vida, a saúde mental e o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal dos trabalhadores. Segundo a autora da PEC, deputada Erika Hilton (PSOL-SP), a iniciativa é uma forma de modernizar as relações trabalhistas e alinhar o Brasil às tendências globais de trabalho flexível, com condições laborais mais humanas e dignas. Será mesmo?
Países com níveis de produtividade similares ao Brasil, como Colômbia, Costa Rica, México e África do Sul, trabalham em média 17,5% mais horas semanais do que os brasileiros. Apenas o Equador, com produtividade equivalente, tem carga horária pouco inferior. Por outro lado, modelos de trabalho de quatro dias por semana são raros e limitados principalmente a países ricos, como a Islândia, cuja escala 4×3 é viabilizada por altos níveis de renda per capita. Assim, essa jornada reduzida ainda não foi amplamente implementada, permanecendo restrita a experimentos localizados e empresas de nicho.
É fato que uma semana de trabalho de quatro dias é muito mais interessante para a qualidade de vida do trabalhador, que ganharia mais tempo para o ócio, lazer ou estudo. Porém, a que custo?
A questão da produtividade
Um dos melhores argumentos para analisar os custos da redução da escala está na produtividade. Segundo Bastiat, o que não se vê é tão importante quanto o que se vê. De forma simples, a produtividade é a medida da eficiência com que determinada economia utiliza seus recursos (trabalho, tempo, tecnologia, recursos naturais) para produzir bens e serviços. No trabalho, é a relação entre a quantidade de produtos ou serviços produzidos e as horas de trabalho necessárias para produzi-los.
Comparativamente aos demais países do G20 que possuem renda média, grupo em que se insere o Brasil, todos têmhoras trabalhadas maiores: Índia (46,7 horas semanais), China (46,1), Turquia (43,9), México (43,7), África do Sul (42,6), Indonésia (40) e Rússia (39,2). Quando comparado com países de renda alta, como Coreia do Sul (38,6), Estados Unidos (38), Japão (36,6), Reino Unido (35,9) e França (35,9), percebe-se que a diferença nas horas trabalhadas não é tão expressiva.
No entanto, no Brasil, a produtividade por hora trabalhada permanece baixa, limitada por desafios como a falta de qualidade da educação, infraestrutura deficitária, burocracia excessiva e falta de inovação tecnológica. Implementar a PEC como está seria equivalente a prover um aumento salarial automático de 18,2%, sem contrapartidas de produtividade, o que poderia gerar consequências como:
- Desemprego: pequenas e médias empresas, que representam 96,6% do total e empregam 36,2% da força de trabalho, enfrentariam dificuldades para absorver os custos.
- Inflação: empresas que não demitirem repassariam os custos aos consumidores.
- Concentração de mercado: grandes empresas, mais preparadas para lidar com custos elevados, reforçariam suas posições, prejudicando a competitividade e o surgimento de novos negócios.
O que se quer para o país
Como se observa, reduzir a jornada sem aumento correspondente de eficiência limita o crescimento econômico e perpetua o Brasil na armadilha da renda média. Países ricos não alcançaram prosperidade por trabalharem menos, mas investindo em educação, infraestrutura e eficiência.
Importante ressaltar que, ao impor uma solução única, a PEC desconsidera as diferentes necessidades de trabalhadores e empregadores. Além disso, ignora a capacidade dos trabalhadores de escolherem os modelos que melhor se adequam às suas prioridades individuais. Um jovem, por exemplo, pode querer se dedicar mais ao trabalho, enquanto uma pessoa mais experiente pode preferir mais tempo para os cuidados da família.
No fundo, a redução da escala de trabalho reflete a visão de sociedade que se deseja construir: um país próspero, com oportunidades e maior renda per capita e competitividade global, ou uma nação de renda média, com níveis de desenvolvimento modestos, mas onde os trabalhadores gozam de três dias de descanso?
Entretanto, a resposta não precisa ser uma ou outra. Ao invés de impor um modelo homogêneo a tantos interesses distintos, por que não adotar a flexibilização como solução? Por que não permitir que trabalhadores e empregadores negociem escalas mais adequadas às suas realidades? Nesse modelo:
- Trabalhadores que desejam trabalhar menos podem fazê-lo, recebendo remuneração proporcional por hora trabalhada.
- Aqueles que preferem trabalhar mais têm a oportunidade de aumentar sua renda.
- Empresas ganham flexibilidade para gerenciar custos e demandas.
Essa abordagem promove liberdade, respeita a diversidade, harmoniza interesses e evita os impactos negativos de uma imposição generalizada. Por outro lado, o argumento de que a jornada 6×1 é injusta e exploratória subestima a capacidade dos trabalhadores de tomarem decisões por conta própria sobre seus modelos e destinos.
Relevante destacar que a autora da PEC tenta oferecer uma solução para um problema real, mas escolhe o caminho errado para tal. O foco deve estar no aumento da produtividade e na flexibilização. Isso significa reduzir o Custo Brasil, investir em educação, destravar investimentos em infraestrutura e modernizar verdadeiramente o mercado de trabalho.
Portanto, a PEC, em sua forma atual, tenta criar um atalho para alcançar resultados sem investir os esforços necessários para tal. Ao invés de tentar antecipar esses impactos desejados sem resolver os problemas existentes, é preciso construir as bases para que jornadas de trabalho menores sejam sustentáveis. Em outras palavras, a PEC é mais uma proposta de norma que tenta passar o carro na frente dos bois.
*Gustavo Garcia Vieira de Almeida é Associado II do IFL – BH, Diretor de Gestão e Novos Negócios na Invest Minas, agência de promoção de investimentos de Minas Gerais. É mestre e bacharel em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro e em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em assuntos governamentais, políticas públicas e regulamentação, com uma trajetória de 16 anos dedicados a orientar governos e corporações na execução de estratégias, fomento de novos negócios e promoção de investimentos. É fundador e Conselheiro de Administração na empresa Meubiz, especializada em fusões e aquisições. Conselheiro Consultivo na International Economic Development Council (IEDC) e membro da Câmara de Mercado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG). Foi Conselheiro da Fundação Caio Martins e Conselheiro de Administração da Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. É fellow pela Eisenhower Fellowships e pela American Council for Young Political Leaders, nos Estados Unidos, alum em Facilitação de Negócios pelo Ministério de Relações Exteriores da China e em Desenvolvimento Econômico pelo Governo de Singapura. Participou e liderou missões internacionais por diversos países, dentre eles Estados Unidos, Singapura, China, Suécia, Finlândia, Estônia, Espanha e Portugal.