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Como o livro “O Caminho da Servidão” de Hayek pode nos ajudar a entender o momento atual

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De autoria de F. A. Hayek, a obra O Caminho da Servidão foi primeiramente lançada no ano de 1944 na Inglaterra e, com o passar do tempo, tornou-se referência para a defesa do liberalismo clássico, em particular pela difusão dos conceitos de liberdade e responsabilidade individuais, de livre mercado e de Estado de Direito.

A identificação do “quando” e do “onde” a obra foi disponibilizada é tão relevante quanto a do “quem escreveu” para se compreender a proposta do autor. Isso porque O Caminho da Servidão é claramente fruto da conjuntura da sua época e, por essa razão, deve ser lido à luz do contexto em que foi elaborado.

Nesse sentido, convém atentar que, em 1944, a guerra na Europa caminhava para o seu fim, com os prenúncios das derrotas da Alemanha e da Itália e da irrefreável expansão da União Soviética no leste europeu. Em que pese a proximidade da queda do Eixo, F. A. Hayek identifica que não apenas alguns dos fundamentos econômicos, filosóficos, morais e políticos que possibilitaram o surgimento do nazismo e do fascismo também estavam em voga entre pensadores ingleses, como que tais fundamentos se assemelhavam a ideais socialistas, que, àquele estágio, se encontravam em acelerada disseminação.

Diante disso, F. A. Hayek diagnosticou que as forças que levaram à destruição da liberdade na Alemanha e na Itália já atuavam em alguma medida na Inglaterra e que “a ascensão do nazismo e do fascismo não foi uma reação contra as tendências socialistas do período precedente, mas o resultado necessário dessas mesmas tendências”.

A delimitação desse contexto é de fundamental importância para a compreensão da tese central em O Caminho da Servidão, qual seja: a execução das medidas necessárias para a implementação de uma efetiva economia planificada que visa a algum ideal distributivo (que F. A. Hayek chama de “coletivismo”) requer necessariamente a concentração de um enorme poder nas mãos de alguns poucos indivíduos para subjugar as eventuais resistências ao planejamento central.

Para o autor, esse fenômeno invariavelmente conduz à supressão da liberdade individual, do livre mercado e do Estado de Direito, já que, se a direção estatal alcança praticamente todos os aspectos da economia e da vida privada, o plano deve ser executado (inclusive coercitivamente) a despeito de quaisquer interesses particulares dos cidadãos, que se tornam irrelevantes perante o planejamento.

Por conta disso, F. A. Hayek não visualiza nenhuma diferença fundamental entre o fascismo, o nazismo e o socialismo, tendo em vista que todas essas ideologias convergem para o “coletivismo” e, consequentemente, para a instauração de tiranias, sem as quais entende ser impossível a implementação da economia planificada.

Nesse aspecto, o autor não esconde o propósito da sua obra, para que sirva de alerta para todos aqueles seduzidos pelas promessas de maior liberdade e redução de desigualdades veiculadas pelas propagandas socialistas da época. Afinal, se o coletivismo, que constitui o cerne do socialismo, apenas pode se concretizar mediante uma tirania, então a concessão à ideologia socialista coloca os seus seguidores obrigatoriamente no “caminho da servidão” ao Estado e às vontades e idiossincrasias de um ditador, ainda que essas pessoas não consigam enxergar tal resultado.

Para F. A. Hayek, apenas em uma sociedade na qual os indivíduos desfrutam da possibilidade de se engajar livremente nas suas relações pessoais e econômicas e na qual o papel do Estado fica restrito a criar as condições para que essa liberdade possa ser exercida sem abusos é que melhorias reais nas condições gerais de vida podem ser satisfatoriamente alcançadas.

Não obstante a contundente advertência contida na obra e o poder persuasivo dos argumentos apresentados, os receios de F. A. Hayek não se concretizaram. A Inglaterra não se tornou um país socialista e as tiranias remanescentes na Europa continental paulatinamente se esfacelaram, assim como ocorreu com a União Soviética. Além disso, mesmo países que se tornaram notáveis por uma forte ingerência estatal na promoção e na organização da sociedade e da economia (welfare states, com destaque para os países escandinavos) não culminaram em ditaduras.

Apesar disso, a obra permanece relevante, na medida em que continua a fornecer sólidos fundamentos conceituais para a análise de questões extremamente atuais. Tome-se, por exemplo, as considerações que F. A. Hayek faz sobre o Estado de Direito, que podem ser importadas para o debate sobre as atuais medidas restritivas adotadas pelo Estado do Espírito Santo no combate à pandemia de Covid-19.

Para o autor, existe Estado de Direito quando “todas as ações do governo são regidas por normas previamente estabelecidas e divulgadas – as quais tornam possível prever com razoável grau de certeza de que modo a autoridade usará seus poderes coercitivos em dadas circunstâncias, permitindo a cada um planejar suas atividades individuais com base nesse conhecimento”.

Portanto, a configuração do Estado de Direito não se contenta com a mera previsão legal dos limites dentro dos quais os governantes podem agir, senão é essencial a previsibilidade da atuação estatal, uma vez que até mesmo arbitrariedades podem ganhar a forma de lei. Para haver um verdadeiro Estado de Direito, exige-se então que as regras legais sejam criadas para serem aplicadas indistintamente a todos, sem que os detentores do poder tenham discricionariedade sobre a concessão de privilégios a determinados indivíduos.

Ocorre que, com o objetivo de reduzir o ritmo de propagação da Covid-19, recentemente o Poder Executivo do Estado do Espírito Santo definiu por meio de decreto quais atividade econômicas (i) não são essenciais e devem ficar suspensas por determinado período e (ii) são essenciais e podem continuar sendo exercidas, observadas as demais regras sanitárias.

Os empresários capixabas foram completamente surpreendidos pela decisão do Poder Executivo, que chamou para si a responsabilidade de categorizar o que é e não é essencial e, abruptamente, suspendeu o exercício de determinadas atividades econômicas. A grande maioria das pessoas certamente não contesta a eficácia de medidas sanitárias no combate à doença. Todavia, se o ritmo de contágio é conhecido pelo Poder Executivo e pode ser acompanhado diariamente, compreende-se a insatisfação de empresários e profissionais liberais que, praticamente de um dia para o outro, receberam a notícia de que o exercício das suas atividades estaria proibido ou severamente limitado.

Afinal, uma vez identificada a tendência de superlotação de hospitais, a sociedade não poderia ter sido chamada para dialogar com o Poder Executivo sobre as medidas restritivas que poderiam ser adotadas se o agravamento da situação se confirmasse (como se confirmou) e a partir de quando e por quanto tempo a implementação de tais medidas se tornaria necessária? Embora pareça o caminho que possa oferecer maior previsibilidade na relação entre a população e o Estado, não é o que se verificou na prática.

Na verdade, os empresários e a população em geral começaram a tomar ciência por meio de redes sociais e aplicativos de mensagens de que algumas medidas restritivas poderiam ser adotadas imediatamente, o que apenas contribuiu para gerar incertezas e deteriorar a adesão às medidas que vieram a ser implementadas. Além disso, abrem-se margens para questionamento sobre a legitimidade moral e política do Poder Executivo para definir o que pode ser considerado uma atividade essencial, pois as circunstâncias tornadas públicas não permitem discernir se as medidas restritivas implementas refletem uma decisão arbitrária do governador e do seu círculo mais próximo de assessores com base em pautas pessoais de valores orientadas por critérios não transparentes para população, ou se são o resultado de orientações científica e impessoais.

Pela ótica do estudo sobre o Estado de Direito na obra de F. A. Hayek, poder-se-ia concluir que tais medidas sinalizam para uma fragilização do Estado de Direito, porque, ainda que possam estar amparadas por alguma previsão legal, a deficiente comunicação do governo estadual criou um absoluto estado de imprevisibilidade (isto é, o desconhecimento sobre as “regras do jogo”) nas suas ações e gerou fundadas dúvidas sobre a legitimidade do Poder Executivo para privilegiar determinadas atividades econômicas em detrimento de outras.

Por tudo isso, percebe-se que, conquanto O Caminho da Servidão remonte a uma conjuntura econômica, moral e política muito específica verificada no final da 2ª Guerra Mundial, deve-se reconhecer o mérito de F. A. Hayek ao desenvolver argumentos que transcendem aquele contexto histórico e auxiliam no enfrentamento de questões do presente.

*Artigo publicado originalmente no site do Instituto Líderes do Amanhã por Hugo Schneider Côgo.

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