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As estatais no Brasil não servem nem para serem privatizadas

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A despeito de dispositivo constitucional que afirma que a participação do Estado na atividade econômica é exceção, a União possui, atualmente, 149 estatais. Nos últimos 2 anos, elas deram prejuízo de 40 bilhões de reais, vale dizer. Em meio à disputa eleitoral, ao contrário de 2014, vários presidenciáveis deram declarações favoráveis a privatizações, como Geraldo Alckmin, João Amoedo e Henrique Meirelles. Jair Bolsonaro e Marina Silva manifestaram-se contrários à privatização específica de algumas estatais que consideram estratégicas, mas não se opuseram à venda das empresas públicas per si. Jair é mais enfático que ela e defende privatizar muito, vale diferenciar. Até o economista de Ciro Gomes, Nelson Marconi, reconheceu que privatizações trazem ganhos de produtividade.

Isso significa uma evolução no debate público, porém, em alguma medida, a realidade irá se sobrepor aos planos de privatização de todas as estatais do país ou mesmo a desestatização de alguns setores. Isso se dará em virtude da atuação de grupos de interesses ou mesmo devido à própria legislação em vigor.

A Lei Anticorrupção, sancionada em 2013, foi um enorme avanço institucional. Ela estabeleceu responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas envolvidas com ilicitudes perante o poder público. E mais: essa responsabilidade é objetiva, isto é, independe da aferição de culpa ou envolvimento do agente causador do dano – no caso, o ato da corrupção. Esse tipo de legislação já é adotada há muito nos EUA e é recomendada por organizações como a ONU e OCDE. Mais recentemente, Reino Unido, Argentina e México também se adequaram a essa nova realidade no combate à corrupção.

Antes dessa legislação, a responsabilidade por crimes de corrupção praticadas por empresas era apenas individual: alguns diretores acabavam por responder pelas infrações, mas a empresa restava ilesa. Na prática, a pessoa jurídica acabava por se beneficiar com a ilicitude. A partir da Lei Anticorrupção, a pessoa jurídica passa a ser condenada, independentemente de ter sido vendida para outros donos ou não. Essa legislação vem justamente para dar responsabilidade à empresa naquele ilícito.

Cabe ressaltar que, por causa dessa responsabilização objetiva, cria-se um forte sistema de incentivos para que a empresa queira prevenir que ilicitudes ocorram em suas atividades. Nesse sentido, extrapolamos a punição tão somente de desvios de funcionários de uma corporação, pois sanciona-se também a empresa que não fez nada para impedir o ilícito.

Não obstante a legislação seja benéfica, ela também pode atrapalhar os processos de privatização. Isso porque, diante de aquisições de empresas, há sempre todo um método de calcular a matriz de riscos. Analisa-se, por exemplo, todos os riscos tributários e passivos trabalhistas a fim de verificar o preço da corporação a ser comprada. A depender dos riscos verificados, a aquisição se dá por uma oferta menor do que em tese ela poderia valer.

A Lei Anticorrupção adiciona a todo processo de análise de riscos e valoração de uma empresa o denominado due diligence de M&A. Basicamente, se não há programa de integridade de uma empresa, nunca houve auditoria, tampouco controle algum, presume-se que o risco que a sociedade empresária pode transmitir para o próximo comprador é maior.

A recente legislação provoca que, em eventuais leilões para a venda de estatais, os investidores passem a levar em consideração mais este fator de risco. Isso porque a pessoa jurídica que está sendo adquirida será responsabilizada em caso de descobertas posteriores de esquemas de corrupção, independentemente se esses esquemas tenham acontecido antes da venda da estatal.

Um exemplo de como isso pode afastar investidores de estatais brasileiras é se colocar como um investidor perante eventual privatização do Correios. A empresa colecionou incontáveis escândalos de corrupção nas últimas duas décadas e é considerada a estatal brasileira com maior influência política em sua administração. Você, como investidor, compraria o Correios sem colocar na equação o risco de nem todos os esquemas fraudulentos da estatal terem sido descobertos ainda?

Diante desses desarranjos, alguns leitores podem considerar que a Lei Anticorrupção é problemática, mas ela é excelente, justamente por impedir que uma pessoa jurídica escape da justiça alegando que mudou de donos. Em outras palavras, sempre será responsabilizada.

A implicação prática da legislação para estatais é que, ao serem privatizadas, o valor de venda será bastante aquém do que seria possível – ou mesmo não aparecerá nenhum interessado diante dos riscos decorrentes da ausência completa de um mínimo sistema de compliance por décadas.

A insegurança jurídica sempre é levada em consideração. Como demonstrou Rodrigo Constantino, o valor de venda da Companhia Vale do Rio Doce em 1997, por exemplo, foi um pouco abaixo do possível graças a diversas medidas jurídicas acionadas pela oposição petista da época a fim de barrar a venda da mineradora. A própria OAB entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o STF. Tudo isso causou um clima de incerteza nos potenciais compradores, especialmente estrangeiros, o que significou, necessariamente, “a exigência de um preço de aquisição mais baixo”.

Embora o debate público não veja mais “privatizações” como um palavrão, e que alguns presidenciáveis defendam tais medidas, não deveríamos ver o cenário atual como favorável, tampouco como provável.  

Somada a essa questão dos riscos da Lei Anticorrupção, vale ressaltar a controversa – e equivocada – decisão recente do STF que submeteu à aprovação do Legislativo qualquer venda de ativo. Ademais, a atual legislatura dificultou a privatização da Eletrobrás, defendida pelo Governo Temer. Ter ciência disso é se vacinar contra promessas de arrecadações vultosas da venda de estatais. Embora desejável, não vai acontecer.

Entretanto, isso pode mudar em médio e longo prazo. O Estatuto das Empresas Estatais, aprovado em 2016, criou regras específicas acerca das estatais, delimitando requisitos de transparência, publicidade das atividades, comitê de auditoria, novas regras de  gestão para o conselho de administração e fiscal, além de exigir a implementação de Programas de Integridade. A legislação vetou ainda a nomeação de filiados a partidos políticos para cargos nas estatais, restringindo um pouco da pressão política na administração dessas companhias.

Se for adotada à risca – algo que vem avançando a passos lentos -, a situação de algumas estatais pode melhorar a ponto de não ser mais tão rentável politicamente sua privatização. Há ainda a possibilidade de melhorar a condição das estatais até ser economicamente mais vantajoso passar seu controle para o setor privado – nesse caso, superando as dificuldades relatadas por esse texto.

Fato é que, no panorama atual, o Brasil tem muitas estatais e elas não servem nem sequer para serem vendidas.

Nota: Texto escrito em parceria com Carlos Henrique Barbosa, advogado e consultor em Compliance. Possui Mestrado em Corrupção e Governança pela University of Sussex. Foi Coordenador de Recuperação de Ativos do Ministério da Justiça (DRCI).

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Luan Sperandio

Luan Sperandio

Analista político, colunista de Folha Business. Foi eleito Top Global Leader do Students for Liberty em 2017 e é associado do Instituto Líderes do Amanhã. É ainda Diretor de Operações da Rede Liberdade, Conselheiro da Ranking dos Políticos e Conselheiro Consultivo do Instituto Liberal.

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