A loucura das tarifas de Trump é baseada em bodes expiatórios e crenças de soma zero

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Qual é a verdadeira razão por trás das tarifas punitivas de Trump? Duas crenças que frequentemente causaram grandes estragos no passado.

Ao longo da história, muitas teorias econômicas absurdas causaram estragos significativos. Desde o marxismo até outras formas de anticapitalismo, essas ideologias contribuíram para que diversos países enfrentassem situações de pobreza extrema. Mas raramente as crenças econômicas de soma zero e o uso de bodes expiatórios causaram tamanha devastação econômica em tão pouco tempo quanto nos dias que se seguiram ao “Dia da Libertação” de Trump.

O pensamento de soma zero e a prática de culpar outros são a base da política tarifária de Trump. O pensamento de soma zero refere-se à falácia de que, na economia, o ganho de uma pessoa é sempre a perda de outra. É uma crença profundamente enraizada entre os anticapitalistas, e Trump também compartilha essa visão. Ele não consegue conceber que o comércio livre beneficia ambas as partes; para ele, o ganho de uma parte é a perda de outra.

O pensamento de soma zero frequentemente está associado à prática de culpar outros, em que políticos de um país atribuem seus problemas internos a outros países. Essa narrativa é comum em nações como Rússia, Venezuela, Cuba, Coreia do Norte e Irã, onde os governantes responsabilizam as sanções impostas pelo Ocidente pelos problemas enfrentados por seus países. Da mesma forma, muitos países africanos culpam o colonialismo histórico pelo fato de ainda enfrentarem pobreza nos dias de hoje.

Donald Trump apresentou uma trajetória de crenças políticas bastante volátil ao longo de sua vida. Nos anos 1990, por exemplo, ele defendeu a reversão dos cortes de impostos promovidos por Ronald Reagan e a elevação da alíquota máxima para algo entre 50% e 60%.  Durante sua candidatura pelo “Reform Party,” ele apoiou políticas geralmente associadas à esquerda, como um imposto único sobre os mais ricos e um sistema de saúde universal financiado pelos empregadores.

No entanto, apesar de todas as mudanças nas convicções políticas de Trump, uma das poucas constantes em suas crenças é a de que outros países são os culpados pelos problemas enfrentados pelos Estados Unidos. Nos anos 1980, ele criticou o Japão pelo déficit comercial dos EUA, acusando-o de práticas comerciais desleais e de inundar o país com automóveis. Mais tarde, alinhou-se às ideias do economista Peter Navarro, que, em seu livro Death by China (em português, Morte pela China), responsabilizava os chineses pelos problemas nos Estados Unidos. Navarro tornou-se conselheiro comercial de Trump, mas, após o desastre causado pelas tarifas que ele recomendou, foi forçado a assumir um papel secundário.

O fato de um país buscar a causa raiz de seus problemas econômicos em si mesmo ou nos outros pode ter um impacto decisivo em seu sucesso econômico. Uma comparação pode ser feita entre duas nações asiáticas que estudei amplamente: Vietnã e Nepal. Na década de 1980, o Vietnã era o país mais pobre do mundo, superando todas as nações africanas em termos de pobreza. Se os vietnamitas tivessem sucumbido ao uso de bodes expiatórios, poderiam ter culpado por sua pobreza os americanos ou até os franceses, japoneses ou chineses, todos os quais haviam travado guerras contra seu país. Mas eles não fizeram isso. Eles entenderam que o sistema econômico de planejamento centralizado era o culpado. Assim, no final da década de 1980, introduziram os direitos de propriedade privada e abriram seu país. Hoje, o Vietnã ostenta uma das economias mais abertas do mundo e a taxa de pobreza caiu de 80% para apenas 3%. Em contraste, o Nepal tem uma renda anual média de 330 dólares americanos e é o segundo país mais pobre da Ásia depois do Afeganistão e uma das dez nações mais pobres do mundo. Trump deveria adorar o Nepal, porque é difícil encontrar tantas tarifas tão altas em qualquer outro lugar do planeta, algumas das quais excedem 300%. Um BMW X5, por exemplo, custa o equivalente a cerca de 450.000 dólares americanos no Nepal devido às altas tarifas de importação e impostos. Existem longas listas de bens que ninguém tem permissão para importar a fim de proteger a economia do Nepal. Os líderes do país defendem ideologias maoístas e aderem a crenças de soma zero e uso de bodes expiatórios. Supostamente, outros países são os culpados pelos problemas do Nepal.

O economista americano Mark Skousen descartou as afirmações de Trump de que os Estados Unidos estão sendo explorados por outros países como absurdas. Em resposta às críticas de que os EUA “sofreram abusos” de práticas comerciais desleais ao longo dos anos, Skousen aponta que oito das dez empresas mais ricas do mundo são americanas. Trump se queixou repetidamente de que há muito mais carros alemães nos EUA do que carros americanos na Alemanha: “Quando você anda pela Quinta Avenida, todo mundo tem um Mercedes-Benz na frente da sua casa. Quantos Chevrolets você vê na Alemanha? Não muitos, talvez nenhum, você não vê nada por lá, é uma via de mão única.” Trump não considera a possibilidade de que os clientes simplesmente acham que a Mercedes faz carros melhores do que a Chevrolet. Em vez disso, ele vê como injusto o fato de os americanos comprarem mais carros alemães do que os alemães compram carros americanos.

Trump disse repetidamente que a palavra “tarifas” é a mais bonita do dicionário, o que é tão absurdo quanto alguém declarar que “impostos” é a palavra mais bonita do dicionário. Só se pode esperar que a lógica dos mercados e as realidades econômicas continuem, pouco a pouco, forçando Trump a agir contra suas próprias convicções — como já vem acontecendo nas últimas semanas, com o anúncio de cada vez mais exceções às medidas que ele revelou no chamado “Dia da Libertação”.

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Rainer Zitelmann

Rainer Zitelmann

É doutor em História e Sociologia. Ele é autor de 26 livros, lecionou na Universidade Livre de Berlim e foi chefe de seção de um grande jornal da Alemanha. No Brasil, publicou, em parceria com o IL, O Capitalismo não é o problema, é a solução e Em defesa do capitalismo - Desmascarando mitos.

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