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A demografia perversa: a situação das crianças no Brasil (terceira parte)

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Este artigo é resultado de uma palestra proferida perante o Conselho Técnico da CNC em 31/10/2017. Para ler a segunda parte clique aqui.

IV – SITUACAO DE NOSSAS CRIANCAS

O mais eloquente reflexo do que está acontecendo nas famílias brasileiras se dá nos resultados da educação. E a melhor avaliação da capacitação educacional de nossas crianças é feita sob os auspícios da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) através do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes).

As provas do PISA são aplicadas de 3 em 3 anos, desde 2000, em 70 países, e objetivam oferecer um perfil básico de conhecimentos e habilidades de estudantes nas áreas de Ciências, Língua Pátria e Matemática. No Brasil, as provas ficam sob a responsabilidade do INEP e, na última edição, contaram com a participação de 841 escolas, representando uma cobertura de 73% dos estudantes de 15 anos de idade.

Pois bem, na última edição, de 2015, entre 70 países, o Brasil ficou na 63a posição, em Ciências; na 59a, em domínio da língua pátria; e na 66a posição, em Matemática, cabendo ressaltar que nosso desempenho vem caindo desde 2009. (Destaque positivo para os países asiáticos, especialmente para Cingapura, que é primeira colocada nas três áreas de conhecimento avaliadas).

Mais sério ainda é verificar que o estudo define níveis mínimos abaixo dos quais não seria possível a participação plena dos jovens na vida social e econômica das sociedades modernas e que, no Brasil, mais da metade dos estudantes ficam abaixo deste nível nas três áreas avaliadas. Em Matemática, chegamos ao absurdo percentual de 70% dos estudantes abaixo do nível aceitável internacionalmente.

Segundo a Avaliação Nacional de Alfabetização realizada pelo MEC, com dados de 2016, testados mais de dois milhões de estudantes do terceiro ano do ensino fundamental em escolas públicas, constatou-se que mais da metade dos alunos têm níveis de leitura e matemática julgados insuficientes.  Estes alunos, por exemplo, não seriam capazes de localizar uma informação em textos simples, nem fazer contas de subtração com dois algarismos. Para efeitos práticos, continuam analfabetos.

Outro estudo, este conduzido por professores da Universidade de Viena para avaliar inteligência, cobriu 31 países do Quênia à rica Dinamarca, e concluiu que só no Brasil tem havido queda, embora pequena, no QI médio. O resultado foi surpreendente, dado o crescimento da renda e da escolaridade, e foi interpretado como indicativo da queda de qualidade no nosso ensino.

V – EDUCAÇÃO E PLANEJAMENTO FAMILIAR

Cabe notar que o processo produtivo da Educação é sui generis já que a criança está ao mesmo tempo na matéria prima e no produto final. É a mesma criança em dois estágios diferentes de vida. Como em qualquer produção, se a matéria prima não é boa, o produto final, criança educada, também não o será.

Hoje, todos aqueles preocupados com o nosso desenvolvimento econômico e social, especialmente aqueles que destacam a importância do capital humano neste processo, estão alarmados com os péssimos indicadores apresentados pelos estudiosos do assunto.

Em consequência, muito se escreveu para mostrar que as causas de nossas carências seriam multifacetadas, passando por deficiência na formação dos professores, pobreza de equipamentos escolares, má remuneração dos profissionais da área, educação ideologizada, etc. etc. Em suma, escolas e mestres não estariam à altura da missão a ser desempenhada.

Entretanto, há de se ter coragem para aceitar que boa parte do problema está na própria razão maior do processo educacional: a criança. É “politicamente incorreto”, pode parecer elitista e de mau gosto, mas é forçoso reconhecer que escolas e professores não podem fazer milagres diante de uma multidão de estudantes com sinais evidentes de deficiência cognitiva para aprendizados mais complexos.

As estatísticas apresentadas neste texto mostraram que cada vez mais os nascimentos acontecem em lares mal estruturados, onde são precárias as condições de apoio à boa formação intelectual e moral das crianças. Muitos dos filhos assim nascidos são fruto de gravidez não programada e indesejada. Ora, é nos primeiros estágios de vida que se formam os neurônios. Má nutrição e/ou ausência de estímulos mentais adequados durante os primeiros estágios de vida geram handicaps cognitivos que tornam quase impossível o desempenho escolar satisfatório dos jovens, mais adiante. E o apoio do Estado, quando chega em creches ou na pré-escola, já chega tarde demais.

Por sua vez, adultos incapazes de dominar o idioma pátrio e os rudimentos da Matemática também serão incapazes de se habilitar para as tarefas cada vez mais sofisticadas do mercado de trabalho urbano. O resultado é que disparam as estatísticas do crime e da mendicância, áreas para as quais não se demanda qualificação intelectual alguma e que passam a garantir a sobrevivência de quem não consegue retirar o sustento das atividades produtivas normais.

A Teoria Econômica nos ensina que cabe a intervenção governamental quando certos atos geram impactos, sobre terceiros, não levados em conta pelo agente primeiro da ação. Quando uma família dá vida a crianças que serão abandonadas, está impondo um ônus à toda a sociedade que arcará, em última análise, com as consequências indesejadas de seus atos. Estas “externalidades negativas” justificam a adoção de um amplo programa de incentivos à contenção VOLUNTÁRIA da natalidade, direcionado para segmentos fortemente carentes da população, visando à universalização das possibilidades de planejamento familiar. Qualquer gasto nesta área será sobejamente superado pela economia que se fará com despesas sociais ou policiais futuras.

O fato é que, sem que haja a plena consciência do problema posto, seguida de ação, continuaremos a trilhar o caminho do despreparo progressivo de nossa juventude e a comprometer o bem-estar das futuras gerações de brasileiros. É simples assim!

VI – CONCLUSÃO

Para concluir, selecionei frases da nossa companheira e escritora imortal Rosiska Darcy de Oliveira e do médico Dráuzio Varella. Ambos, por suas trajetórias de vida, em hipótese alguma poderiam ser tachados de supremacistas, eugenistas, ou coisa pior.

Da Rosiska Darcy de Oliveira, em artigo recente para O Globo

“Para a população do asfalto, o inimigo é a violência que vem de qualquer lugar e que vai matar quem passeie montado numa bicicleta, falando no celular ou usando um cordão com santinhos no pescoço. Sabemos de onde vêm estes ‘free-lancers’ do crime desorganizado. A guerra contra eles é trabalho de Sisifo porque uma fábrica silenciosa produz em permanência a matéria prima de que são feitos, em que se misturam ignorância, ódio, frustração e não pertencimento.”

De Dráuzio Varella, em artigo para a Folha:

“De fato, se nossa renda per capita fosse a dos canadenses, a situação demográfica seria outra; aliás, talvez tivéssemos que organizar campanhas para estimular a natalidade. O problema surge justamente porque somos um país cheio de gente pobre, e educar filhos custa caro. Como dar escola, merenda, postos de saúde, remédios, cesta básica, habitação, para esse exército de crianças desamparadas que nasce todos os dias? Quantas cadeias serão necessárias para enjaular os malcomportados?

A verdade é que, embora a sociedade possa ajudar, nessa área dependemos de políticas públicas, portanto dos políticos, e estes morrem de medo de contrariar a Igreja. Agem como se o planejamento familiar fosse uma forma de eugenia para nos livrarmos dos indesejáveis, quando se trata de uma aspiração legítima de todo cidadão. As meninas mais pobres, iletradas, não engravidam aos 14 anos para viver os mistérios da maternidade; e a mãe de quatro filhos, que mal consegue alimentá-los, não concebe o quinto só para vê-lo sofrer.”

É isso ai! Dráuzio falou com a autoridade de quem conhece a realidade de nosso povo, pelo muito que transita pelas penitenciárias e postos de saúde dos bairros mais pobres da nossa periferia. Não é um acadêmico festivo que se manifesta de seu gabinete refrigerado sem qualquer intimidade com o Brasil real.

Pois bem, Malthus mostrou-se absolutamente equivocado ao prever o colapso da civilização pelo crescimento desordenado da população. Não imaginou o quão importante seria o aumento da produtividade dos fatores da produção e a tendência global ao arrefecimento da expansão populacional. Mas isto não retira importância da questão demográfica. Muito pelo contrário, hoje nada é mais importante para a atenuação das desigualdades interpessoais e para a melhoria da qualidade da vida do povo que a correção do que chamo de demografia perversa. Enquanto puder, vou bater nesta tecla.

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Rubem Novaes

Rubem Novaes

PhD em economia pela Universidade de Chicago e colaborador do Instituto Liberal-RJ. Foi professor da EPGE/FGV, diretor do BNDES e presidente do SEBRAE.

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