A difícil democracia brasileira pluralista em tempos de hegemonia cultural

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Na Grécia antiga, Sócrates inaugurou momento em que a política e a ética passou a ser discutida entre ele e os sofistas. Sócrates foi condenado à morte, muito embora queriam eles apenas argumentar em favor de suas crenças ou interesses por meio metáforas inconsistentes, sem dialética e sem o preparo convincente de uma verdadeira filosofia, que veio com Platão em seguida. Ainda assim, mesmo com argumentos acientíficos ou afilosóficos que não deveriam vencer a discussão, repetindo, foi Sócrates quem foi, em definitivo, condenado à morte…

Hoje em dia chega a ser um pecado não falar em democracia ou falar que não é democrata. Trata-se de uma palavra que todo mundo gosta, virou moda, jargão político de convivência privada para decidir até nas mais simples e corriqueiras desavenças cotidianas. “Estamos num país democrático”, ouve-se das vozes que pretendem ser ouvidas com fundamento neste regime. É comum falar também, nesses nossos tempos de democracia, que a maioria decide.

Porém, a prática de interesses antagônicos torna as coisas fáceis em intermináveis discussões, principalmente políticas ou ideológicas. Como se disse, é fácil falar. O difícil é encarar o caminho democrático de frente, “olho por olho, dente por dente”, já que a hipocrisia anda solta por aí. Democracia para mim ou para meu grupo é fácil. Difícil é aceitar que ela pode ser também dividida com os outros, ou melhor, é fácil falar que se é democrata, sendo o difícil mesmo a sua prática.

Em tempos de hegemonia cultural, como os de hoje, isso se torna ainda mais evidente. Antonio Gramsci deve estar de debatendo no túmulo com vontade de voltar para esse mundo e rir um pouquinho do desastre que ele conseguiu causar, com a ajuda de seus súditos mais ferrenhos, desconhecedores de si e da mãozinha que dão a esse monstro vil e enganoso na cultura. A luta democrática nessa hegemonia cultural é uma via crucis, já que enfrenta “olho por olho, dente por dente” o establischment e os grupos de mídia criminosa com seus súditos patrulhadores ao caminho democrático tão desejado, formalmente previsto, mas tão difícil de ser compartilhado. Antonio Gramsci deve estar se orgulhando muito disso tudo, pois ele foi um dos que conseguiram desvirtuar um caminho longo e penoso já percorrido pela humanidade em busca de valores que agora, tiranicamente, estão sendo colocados em xeque pelo grupo da pós-verdade.

Um primeiro exemplo claro e emblemático foi o programa Amor & Sexo, reestreado pela Rede Globo esta semana. Ora, ali não se tentou apenas demonstrar que as mulheres querem apenas direitos iguais. O que ficou patente foi que as mulheres buscam se ridicularizar para ganhar o apoio de radicais contra o macho e também contra quem? Contra as mulheres. Exemplo claro de hegemonia cultural com inversão de valores ainda não muito bem entendidos e esclarecidos para essas doidas. Comentar sobre isso abertamente e mesmo esclarecendo esse ponto é uma luta hercúlea, tanto para homens quanto para… mulheres, as equilibradas, pois elas são também adversárias nesse jogo sexista.

Um outro exemplo eloquente que ainda soa nos nossos ouvidos, o qual invoca o tema da democracia e suas vicissitudes no nosso “Estado Democrático”, é a negação da candidatura do Sr. Ives Gandra ao cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal na vaga do falecido Teori. Grupos dissidentes, a esquerda, a hegemonia cultural em geral, quer trucidar com o seu nome conservador para impedi-lo de ter acesso ao lugar mais alto da justiça brasileira. Desconsideram, assim, alternativas possíveis dentro de um regime democrático de governo. Acham que só a superioridade moral daqueles grupos é que deve vingar e ser aceita em nosso tempo. Exclusão vil e preconceituosa, já que restritiva dentro de um país de concepção pluralista, com mais de um modo de viver e de entender o mundo.

Quando a democracia é vista somente sob um ponto de vista, então, ela se torna hegemônica e desigual, deixando de ter a conotação pluralista de que se molda nossa convivência social, permitida por nossa constituição federal. Meu modo de olhar o mundo pode não ser o seu, mas ainda é mais uma alternativa possível e que não pode ser descartada de plano, sob pena de afronta ao regime democrático.

É que os grupos progressistas ou modernistas encaram os conservadores como meros sofistas, ou seja, aqueles que, em tempos idos, tinham por vocação apenas produzir retóricas engenhosas, mas vazias de conteúdo transformador, enquanto eles, modernistas, são os verdadeiros donos de uma razão ou moral superior. Tais comportamentos excludentes tentam colocar as alternativas conservadoras numa mesma aproximação que teve Sócrates com os sofistas, só que ocupando o papel destes e não do filósofo político que inaugurou a dialética democrática na polis daquele tempo. Ainda voltando a esse tempo, foi Sócrates quem foi condenado e não os sofistas, sendo que estes não gostavam de ver triunfar o diálogo pelo uso da razão, vencidos que foram pelos diálogos de Platão, prática verdadeiramente filosófica que busca o acerto da razão pela busca da verdade de fato.

Essa mídia criminosa e discriminatória que temos impede o acesso à livre propagação de fatos e idéias e, assim, à livre discussão. Manipula a opinião pública a bem de seus interesses particulares ou globais. Veja-se o exemplo de Donald Trump, odiado por meio mundo e por quem nem mesmo lhe conhece direito ou tem uma mínima noção do que ele pretende com suas medidas, digamos, “desastrosas”, “impactantes”, “preconceituosas”, “homofóbicas”, “machistas” e degradantes do progressismo e do establischment. Porta-vozes reconhecidas mundialmente, usadas a bem dessa aniquilação, como Madonna e companhia, se quer sabem o que fazem quando estão lidando contra ele, mas são usadas nessa tentativa de aniquilação. O povo foi quem votou e o escolheu, diga-se de passagem. A vontade veio de baixo desta vez. Isso é bom lembrar sempre.

Muito embora ela, a democracia, ainda não seja um paraíso, ainda é o melhor de todos os regimes de governo. Com certas vicissitudes não propriamente dela, o ser humano ainda precisa mostrar que tem voz e vez nesse mundo cada vez mais diversificado, místico, acientífico e acentuadamente intolerante. A democrática é ainda imperativa nesse nosso mundo de disputa de poder rival. Isso porque previsto na constituição federal, para aliviar as dicotomias rivais e dissensões decorrentes da pluralidade das mais de duas vozes a serem ouvidas em cada competição.

Quem diz que temos que respeitar o pluralismo é a própria constituição federal, que alude ao pluralismo já no seu preâmbulo (é uma introdução antes de iniciar com a parte normativa, dos artigos). Muito embora o preâmbulo para os constitucionalistas mais abalizados não tenha valor normativo, ou seja, não pode ser invocado para dizer o direito, ele pode ser utilizado como vetor interpretativo das normas da constituição. Não vale para decidir diretamente, apenas indiretamente, por meio da interpretação de sua leitura.

Democracia, então, em tese, implica em deixar todos serem ouvidos, importa em permitir que todas as divergências sejam respeitadas, possam ter opinião e voz, e, exercitando esse direito, que possa haver manifestação dessa dicotomia ainda que ela possa parecer a mais absurda e terrível para os dia de hoje.

É em momentos de crise que as instituições são provadas. A patrulha esquerdista quer a democracia só para ela. Ora, quem disse que um ministro católico, heterossexual e ortodoxo com relação às questões de gênero e de casamento não pode ocupar espaço em cargo público e até mesmo manifestar nele sua dissidência? Então, quer dizer que o STF não mais pode julgar ouvir alternativas ao establishment ou até mesmo decidir contrariamente a ele?

Pelo que se saiba, democracia deve atender a uma dialética necessária mesmo que um dos contendores diga que 2+2 são 5. Mesmo que, à primeira vista, os argumentos contrários ao estabelecido possam parecer totalmente absurdos, a sua oitiva não pode ser descartada a não ser em violação ao regime democrático.

Assim agindo, os esquerdistas caem em contradição. Porque lutam tanto por democracia, que pressupõe pluralidade de alternativas, e ao mesmo tempo demonstram incoerência com atitudes preconceituosas restritivas. A democracia vale para todos, não apenas para o que, aparentemente, esteja assentado.

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Sergio de Mello

Sergio de Mello

Defensor Público do Estado de Santa Catarina.

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