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Civilização e Barbárie

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“Sócrates contra os Sofistas”
 
O Prof. Mario Guerreiro fará uma palestra com esse tema na EMERJ (Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro) no dia 11 de abril às 10h30min. Trata-se de um ciclo de palestras aberto a todos. Para assistir, basta fazer inscrição no site da EMERJ. [N.E.]

 

Hunos_De_Neuville_The_Huns_at_the_Battle_of_ChalonsA ideia que geralmente se faz da barbárie é de uma coisa vinda de fora e atacando a civilização, quando na realidade há uma coexistência das duas com o predomínio de uma ou de outra.

Consideremos o caso do Império Romano, uma brilhante civilização que, na sua decadência, foi invadida pelos bárbaros.

Ora, os bárbaros vindos do norte, invadiram várias vezes o Império ao longo de sua história, mas foram repelidos pelo exército de Roma.

Somente quando a grande civilização entrou em decadência – como até hoje todas entraram, segundo A. Toynbee, em seu Um Estudo de História – que os bárbaros invadiram Roma e esfacelaram o Império.

Os bárbaros vieram de fora e foram detidos nas fronteiras do norte, durante algum tempo, por Marco Aurélio, o imperador-filósofo. Mas acabaram conseguindo sobrepujar as fortalezas romanas e suas hordas chegaram até a cidade de Roma.

Mas o que é a decadência de um império e/ou de uma nação, senão a emergência da barbárie surgindo de dentro de seu espaço civilizado?!

O fato é que a barbárie emergiu do âmago da própria civilização, antes mesmo desta mesma sucumbir com a invasão dos bárbaros vindos de fora.

A civilização sempre coexiste com a barbárie, mas pode ser considerada civilização quando possui instituições sólidas capazes de manter a barbárie num nível tolerável, não ameaçador de seus alicerces.

Vejam o caso dos Maias, talvez a mais brilhante civilização do Novo Mundo, o que pode ser comprovado por suas grandes cidades, sua magnífica arquitetura e seus conhecimentos de astronomia.

No entanto, a barbárie estava arraigada na civilização Maia, e a prova disso é que faziam sacrifícios em que seus sacerdotes arrancavam os corações dos sacrificados ainda pulsando e os ofereciam aos seus deuses sequiosos de sangue!

Não podemos dizer que eles eram civilizados, no sentido rigoroso do termo, mas, neste mesmo sentido, tampouco podemos dizer que eram bárbaros.

Cabe generalizar dizendo: nunca existiu um povo completamente civilizado, nem um povo completamente bárbaro.

Até mesmo os mongóis de Gengis Khan, considerados vândalos sanguinários, tinham traços inegavelmente civilizados.

Chamamos de “povos civilizados” aqueles em que os traços civilizados mostram-se em maior número do que os reveladores de barbarismo.

Do mesmo modo que um homem virtuoso não é aquele isento de vícios, porém aquele em que as virtudes predominam sobre os vícios, de acordo com a Ética a Nicômaco do sábio e sereno Aristóteles.

Mas que dizer do Brasil atual? Qual o fator predominante, civilização ou barbárie? Vejam o que diz este autor de um artigo na Folha de S. Paulo em 20/3/2014…

“Nosso analfabetismo não é apenas verbal, ou seja: não se limita ao que é expresso por meio da língua; ele é também não verbal, isto é, abrange também a dificuldade para lidar com signos que não se valem da palavra escrita ou dita, mas, por exemplo, de imagens, de cores, etc.!

“Boa parte da barbárie brasileira pode ser demonstrada pelo que se vê no trânsito das nossas cidades. Ora por falta de vergonha, ora por analfabetismo verbal e/ou não verbal (…) provamos um milhão de vezes por minuto que o Brasil não deu certo.”

Desse modo, tomando como ponto de partida uma constatação trivial: a selvageria no trânsito – diante de mais de 50.000 homicídios por ano! – o mencionado autor chega a uma conclusão acachapante: a de que este é um país que não deu certo.

Certamente, uma unha encravada passa a ser coisa de menor relevância diante de uma dor no nervo ciático, mas isto não significa dizer que a unha encravada não abespinhe bastante seu portador.

Surpreendentemente, o autor do referido artigo é o professor Pasquale Cipro Neto.

Bastante conhecido por seus excelentes artigos sobre o uso correto da língua portuguesa, parece que ele pôs de lado as normas gramaticais para se voltar para o que caracteriza um país civilizado: as boas normas de convivência.

E tanto no que diz respeito ao primeiro tipo de normas quanto no que tange ao segundo, nosso país fica muito a desejar. E está cada vez pior!

Temos a impressão de que a barbárie está crescendo cada vez mais e a civilização murchando. Esta já não se mostra capaz de controlar o poder corrosivo e desagregador daquela.

O professor Pasquale apresenta mais um exemplo de transgressão e selvageria no trânsito…

“No Brasil, nossos agentes de trânsito conhecem a regra (mais de uma vez já constatei isso). O que mais se vê é gente entrando a mil na rotatória, literalmente soltando baba, animais que são”.

E diante desses e de outros comportamentos reveladores de barbárie infestando e contaminando todas as regras de boa convivência, Pasquale chega a uma drástica conclusão final:

“Não estou entre aqueles que dizem que este país é maravilhoso etc., que a sociedade brasileira é maravilhosa, etc.” [Muito menos eu, meu caro colega de profissão.]

“Não há solução para a barbárie brasileira que não comece pela admissão e pela exposição da nossa vergonhosa barbárie de cada dia sob todas as suas formas de manifestação”. [Principalmente, quando a maioria ainda não tomou sequer consciência  disso]

“A barbárie é filha da ignorância e se manifesta pelo atrevimento (quase) inerente à ignorância. Falta de competência de leitura, verbal e não verbal, falta de educação formal e não formal. Falta de vergonha (…)”

É claro que o mau comportamento no trânsito é apenas um sintoma da grosseria e da falta de civilidade no Brasil atual, mas já que Pasquale escolheu esse tópico como exemplificativo, vou acompanhá-lo.

Não faz muito tempo, eu e minha esposa estávamos saindo de carro da garagem de nosso edifício quando fomos cerceados em nosso direito de ir e vir.

Bem em frente estava estacionado um automóvel e seu motorista ausente. Tentamos empurrar o carro, mas ele estava freado com freio de mão.

Esperamos por seu motorista, mas como ele demorava a chegar, ligamos para o DETRAN para que rebocasse o carro estacionado.

Antes que o reboque tivesse chegado, apareceu o cidadão lépido e fagueiro, como se nada demais tivesse ocorrido…

Nem passou pela cabeça daquele troglodita as possíveis consequências de sua pequena transgressão. Nós termos chegado atrasados ao cinema? Não, desgraça pouca é bobagem…

Imagine que um de nossos vizinhos tivesse um ataque cardíaco e necessitasse de rápida remoção para uma clínica… Imagine que uma de nossas vizinhas, que estava grávida, começasse a dar a luz a uma criança…

E eis o caso de uma pequena transgressão das regras de trânsito capaz de acarretar graves consequências para os outros.

Mas as possíveis e facilmente previsíveis consequências é algo que não passa pela cabeça da maioria dos bárbaros brasileiros.

O saudoso Roberto Campos já chamava a atenção para a grande dificuldade dos brasileiros em estabelecer nexos causais, bem como a facilidade de inverter causa e efeito.

Adicionamos a isto o grande prazer de transgredir regras ou a grande indiferença em relação às mesmas.

Estou convencido de que a ignorância é a mãe de todos os nossos males!

Assisti a um vídeo na Internet muito bem produzido: um repórter nas ruas entrevistando pessoas do povo. Ele perguntou a um homem de meia-idade: “Meu amigo, imagine que você estivesse andando na rua à noite e deparasse com um transeunte. O que você faria?”

“Dava no pé, antes dele me pegar” [“transeunte”, para ele, era um sujeito mal encarado e temível].

“Minha amiga, você é heterossexual?, perguntou a uma jovem. “Eu não, sou casada e me dou muito bem com meu marido” [“heterossexual”, para ela, devia ser lésbica].

“Meu amigo, você é heterossexual?” “Eu não, sou casado há vinte anos e só faço sexo com minha mulher”. [Acho que, para ele, “heterossexual” era mulherengo].

Meu caro professor Pasquale, sei que é muito duro de admitir, mas esses constituem a maioria dos brasileiros e são esses justamente os que elegem Presidentes e “Presidentas” no Brasil…

E que não se questione jamais a legitimidade dos Supremos Mandatários: eles são a cara do povo.

imagem: wikipédia: “Os hunos na Batalha de Chalon”, por A. De  Neuville (1836-1885)

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Mario Guerreiro

Mario Guerreiro

Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor do Depto. de Filosofia da UFRJ. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade.

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