Brasil: um país sem governança
No início desse século, duas gigantes empresas americanas, Enron e MCI WorldCom, foram flagradas cometendo uma série de fraudes contábeis e fiscais, lesando, além do governo, milhares de investidores, grandes e pequenos. Naquele momento, o Congresso americano percebeu que era preciso depurar a legislação relacionada ao mercado de capitais, exigindo que, doravante, as empresas se “comprometessem” a adotar boas práticas de governança corporativa (GC). O comprometessem está entre aspas, pois (de fato), desde então, a SEC tem a seu lado a lei Sarbanes-Oxley (SOX – 2002). Em outras palavras, o compromisso com as boas práticas de gestão virou uma exigência legal.
Teoricamente, GC está calcada em quatro princípios basilares: Disclosure (transparência), fairness (justiça), accountability (ética e veracidade) e complience (cumprir com rigor a legislação). A meu juízo, contudo, não somente as empresas deveriam adotar esses procedimentos. Um país, mormente num mundo globalizado como o de hoje em dia, é, em última instância, percebido pelos investidores estrangeiros como uma grande empresa. Assim, sob essa ótica, também os governos e seus entes deveriam apresentar tais princípios.
Se analisarmos, contudo, as três esferas de poder em nosso país, todas estão longe de uma GC aceitável. Mesmo o poder judiciário vem sendo constantemente questionado em sua atuação, como nas questões envolvendo o Ministério Público e órgãos adjacentes. Agora, recentemente, tivemos o bate-boca entre um ministro do TSE e o procurador da República. Até as propaladas maquiagens nas contas públicas (pedaladas fiscais) podem se transformar numa enorme pizza, sabor impunidade. O problema cresce de forma exponencial quando avaliamos o Executivo e o Legislativo. Nesses, a ausência de governança é dramática! O próprio ministro da Fazenda, Joaquim Levy, aponta que precisamos acabar com a ambiguidade de governança.
Um dos exemplos mais expressivos é a falta de independência constitucional do Banco Central do Brasil. Lembremo-nos que a atuação da autoridade monetária, para alinhar a inflação à meta, foi prejudicada no governo Dilma, uma vez que fora influenciada pelo calendário eleitoral. Ainda nessa linha, os ministérios e agências reguladoras são verdadeiros cabides de emprego, onde, igualmente, a questão técnica, que deveria ser imperativa, fica subjugada à política e aos “esquemas paroquiais”.
No Legislativo nada é muito diferente. As duas Casas chantageiam o Executivo por liberação de verbas, num verdadeiro toma lá, da cá, onde o interesse nacional, na maioria das vezes, é escanteado. Outro ponto são as CPIs, que proliferam como coelhos, mas com resultados práticos próximos de zero.
Creio que um bom exemplo da falta de GC foi a campanha de 2014. A candidata-presidente defendeu que os pessimistas estavam errados e que seu governo tinha tudo sob controle. Seu marketing foi ardiloso e procurou desconstruir os opositores, incluindo Marina Silva, fundadora do PT. Agora, contudo, quando o PIB do 2º trimestre vem à tona, e já não se pode mais enganar (nem aos incautos) que o quadro é trágico, pergunto: Onde estão a ética, a verdade, princípios essenciais de governança? Não vamos nem mencionar o que vem ocorrendo na Petrobras (deslindado na operação Lava-Jato), uma empresa aberta com ações negociadas na Bolsa de SP e na NYSE.
O mais grave é que essas evidências só pioram a percepção de que o país é uma nau sem rumo. Como os escândalos de corrupção se proliferam em ambos os poderes, deixamos transparecer que a prática da “enganação corporativa” seja o normal da nossa sociedade, o que deveríamos repelir.
Contaminado por essa generalizada falta de confiança, o risco-Brasil (medido pelo CDS) volta a bater níveis elevados, acima, inclusive, de outros países que não mais apresentam grau de investimento, como nós. No final de agosto, com as renovadas preocupações relacionadas à economia chinesa, nosso Ibovespa, em dólares, chegou a retroceder a preços de 1997 e o real sofreu uma maxidesvalorização de quase 30%, em 2015. Em outras palavras, o mercado já precificou nosso downgrade. As agências de classificação de risco estão atrasadas, como muito bem salientou Nouriel Roubini em artigo recente. Quanto mais agora, quando o governo reconhece que o orçamento de 2016 será um desastre!
Nutro um profundo temor de que nos próximos dois anos esse quadro melancólico se agrave. Tal cenário só seria evitado em caso de renúncia da presidente, ou impugnação de sua chapa eleitoral, via TSE. Como as reais chances desses eventos acontecerem são pequenas, meu cenário de referência é que viveremos uma espécie de “sarneyzação” (refiro-me ao governo de José Sarney, no final da década de 1980), quando o então presidente ficou refém do PMDB, com um governo em frangalhos. A história pode se repetir da pior forma…