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Amo meu herói e vou protegê-lo

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“Glenn Greenwald é estrangeiro que deveria ser deportado, é gay que ameaça a tradicional família cristã, militante da ideologia marxista que quer dominar o Brasil, jornalista que publica material obtido criminosamente”. Vi essas atribuições, num tom acusatório e numa linguagem de sarjeta, ao jornalista do site Intercept cujas publicações de conversas entre Deltan Dallagnol e Sergio Moro causaram sobressalto no país submetido a um cotidiano sobresaltado. Integrantes da Lava Jato insistem que o jornalista obteve esse material com hacker(s), mas a conveniência e a pressa com que a tese foi adotada e disseminada recomendam ceticismo, como tudo o mais nessa história. Por isso, neste texto, me atenho à primeira publicação, não contestada pelos envolvidos, pois, a partir da segunda, Moro cogitou que as novas conversas divulgadas possam ter sido inventadas, o que exigiria do eventual autor ficcional dos diálogos improvável conhecimento pleno da operação Lava Jato. As conversas terão sido passadas por alguém de dentro do MPF?

Considerando-se que Moro e Dallagnol não negaram a veracidade das primeiras conversas divulgadas, é incontornável o fato de que as acusações a Greenwald que abrem este texto não fazem as conversas desaparecerem; estas existiram e flagram o juiz fazendo sugestões a Dallagnol sobre a ordem de operações da Lava Jato, orientando quanto ao desempenho de um dos integrantes da força-tarefa e indicando testemunhas. Mais do que juiz – ou menos, se pensarmos na institucionalidade –, Moro foi um coach da Lava Jato, ferindo o Código de Processo Penal, a Constituição Federal e o Código de Ética da Magistratura. Seus milhares de admiradores podem admirá-lo ainda mais porque acham que só assim se lida com uma súcia que esbulhou o país também institucionalmente – e, para czzombatê-la, aprofunda-se esse esbulho –, podem alegar que todos os juízes fazem isso numa espécie de caixa 2 jurídico e podem achar que atacar o mensageiro deleta a mensagem: infantilismo de um país vocacionado para o vicioso rodízio de salvadores que, de um modo ou outro, se põem acima da lei pregando que ninguém está acima dela. Deixo para os especialistas a especulação das consequências jurídicas.

Se Moro houvesse se comportado de outra maneira, Lula, o chefe do gangsgterismo de Estado estaria na cadeia onde merece? A desmontagem do mafioso Estado paralelo haveria sido iniciada? É possível derrotar gente tão suja e sair limpo? Não sei. Não, senhores, este texto não é de uma petista, uma inimiga do governo ou da Lava Jato. Na nova era cuja atmosfera se torna rarefeita pelo binarismo que destrói a essencialidade da democracia segundo a qual a crítica legitima o elogio, preciso dizer que critico o governo sem ser petista e vejo abusos na Lava Jato mesmo repudiando a corrupção. Este texto é de uma cidadã comum, exposta na planície ao cotidiano de um país à beira da ruína; de uma mãe brasileira que foi a todas as manifestações pelo impeachment da pior presidente do país – de qualquer país – e que, na noite de 16 de março, deixou a filha com a avó para marchar na Avenida Paulista contra a nomeação de Lula, por parte de Dilma Rousseff, para a Casa Civil. Um texto entristecido.

Constato que estamos perdendo a chance para amadurecer, deixar de depender de salvadores, exercer o ceticismo que caracteriza a melhor linhagem do pensamento conservador fortalecendo as instituições para que dependam menos de homens, avaliar mais as ações/ideias e menos quem as pratica, abolir a hipocrisia que nos leva a relevar nas nossas fileiras o que condenamos nas alheias e decidir que país queremos ser: o que admite atropelos no estado de direito para pegar bandidos e ficar exposto aos mesmos atropelos para pegar inocentes incômodos num Estado policial, monstro indomável; o que se depura até chegar a leis que protegem a sociedade sem blindar também a bandidagem; o que continuará zonzo no rodízio de salvadores?

Evidentemente, indispensável e urgente apurar se houve crime na obtenção das mensagens. De todo modo, é dura a vida de petistas que comemoram o que consideram o fim de Moro como ministro no governo ou no STF sem nem imaginar que isso tudo o fortalece como candidato para presidente em 2022, dada a popularidade do ex-juiz. A maioria dos brasileiros não está nem aí para essa história do Intercept (a coisa é técnica demais) e, se tudo ficar só no que foi publicado até agora ou for mais do mesmo, a maioria dos que entenderam o enredo passou a admirar Moro ainda mais.

Assim, será que o ex-juiz está precisando de protetores cuja bisonhice só não é maior do que a sabujice idealizadora? Deformando alguns pontos, acertando em outros, mas em geral ostentado desconhecimento sobre o regimento do STF e o regulamento acerca do que um ministro pode ou não pode fazer, devotos do ex-juiz se agarram ao histórico de Gilmar Mendes no STF para inocentar Moro. Quer dizer que Moro é tão bom, mas tão bom, mas tão bom mesmo que pode até ser comparado a Gilmar Mendes? Está comprovado: fanatismo destrói neurônios. Tais defensores ainda desafiam Gilmar Mendes a um teste de popularidade, o que flagra uma melancólica ignorância quanto ao funcionamento das instituições democráticas: tribunais não são o Congresso nem a Presidência da República; ministros de tribunais superiores e juízes não têm de ser populares, aliás é melhor que não o sejam porque sua tarefa muitas vezes é contramajoritária e jamais deveriam se preocupar com popularidade. Juízes e ministros não têm cargo eletivo, não dependem de voto, não exercem cargos de representatividade, o que lhes garante autonomia e independência. Ademais, a popularidade de uma figura não reflete necessariamente suas virtudes, afinal o próprio Lula já flutuou em estratosférica popularidade.

Moro continua popular e, se o tal Intercept não fizer alguma revelação que mude isso, ficará ainda mais, não graças a seus defensores patéticos que viajam na maionese de carona na figura do ex-juiz, mas apesar deles. Gilmar Mendes, uma das figuras que mais detestam. Vê-se até onde se pode ir para proteger um herói e não amadurecer.

*Vânia Cavalcanti é revisora, foi secretária executiva, professora da rede pública e integrou assessoria de políticos cujas funções não tinham perfil político-partidário. Bacharel em Linguística e Língua Portuguesa, Congressos e Palestras para Professores de Português para Estrangeiros e Linguística e Ensino do Português como Segunda Língua – Ciclo de Palestras, na USP.

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