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O Grande Meira Penna*

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Ipojuca Pontes**

Resumo: Diplomata de carreira que serviu nos cinco continentes durante mais de 30 anos, Meira Penna nos dá uma visão substancial de sua experiência de homem de pensamento.

 

Como ocorre na maioria das vezes no plano literário, travei conhecimento com o profícuo trabalho do embaixador José Osvaldo de Meira Penna, ou melhor, do escritor J. O. de Meira Penna, melhor ainda, do pensador Meira Penna – muito antes de cumprimentá-lo pessoalmente. Deu-se o seguinte: durante o desgoverno de Zé Sarney, testemunhando os métodos de atuação da Embrafilme, eu havia acordado para o nefasto papel que o Estado exercia (e exerce) sobre a atividade cinematográfica, ocasião em que rompi o diálogo com a alcatéia de burocratas e clientes da área estatizada, dando por encerrada a minha trajetória de “cineasta premiado”.

 

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“O Dinossauro”: obra fundamental.

Transcorria o ano de 1988. Embora já conhecesse as obras de Adam Smith e o vertiginoso “Ação Humana”, tratado de economia liberal escrito por Ludwig von Mises, procurava, na minha solidão intelectual, alguém que no Brasil compartilhasse das mesmas apreensões e temores. Foi quando casualmente, remexendo nas prateleiras de uma livraria, encontrei escondido na estante de obras de “Sociologia”, volume de “O Dinossauro”, a preciosa pesquisa de Meira Penna sobre o Estado, o patrimonialismo selvagem e a nova classe de intelectuais e burocratas que crava suas garras sobre o costado da Nação. 

Tomei um choque com o livro. Ali se encontrava tudo o que procurava e pressentia, uma verdadeira e perfunctória análise crítica, com dados concretos e precisão de fontes, da atuação predatória do Estado não só na área do cinema mas na própria formação do País. Com efeito, Penna abordava com fluência e clareza a histórica inclinação brasileira para a prática do mercantilismo, no Império e na República, esclarecia os pendores nacionais para o empreguismo e a “mamãezada”, descortinava a pantomima da corrupção própria dos governos empenhados em “resolver” a questão da “justiça social” e, muito sutilmente, chamava a atenção para a impostura dos “intelectuários” (expressão grata ao mestre Gilberto Freyre) na vida institucional do País, isto é, do intelectual que deseja uma “boa boca” no funcionalismo público ou, ao inverso, do funcionário público que, mamando nas tetas do Erário e escrevendo sobre minudências acadêmicas, aspira ser aceito como intelectual – quem sabe para ascender na carreira com maior rapidez.

(Curiosamente, Meira Penna, transitório Diretor-Geral da Embrafilme nos seus primórdios – 1971, creio -, em pouco tempo matou a charada da estatal do cinema: desde cedo a empresa tornou-se um antro de patifarias, negociatas e safadezas – o que levou o diplomata a afastar-se com urgência do cargo).

A partir de “O Dinossauro” tornei-me um leitor de carteirinha dos livros de Meira Penna, escritor singular, cujo perfil substantivo, mais cedo ou mais tarde terá de ser reconhecido como um clássico das letras nacionais. Claro, existe hoje em torno de sua obra toda uma cortina de silêncio, tecida pelo reacionário esquerdismo tupiniquim que, não podendo enfrentar o seu descomunal conhecimento, prefere velhacamente enfiar a viola no saco ou sabotá-lo.

Sua obra é vasta. Ela trata, em específico, com nitidez filosófica, dos fetiches compensatórios dos regimes totalitários e populistas (“Ideologia do Século XX”); do impasse conflitivo entre igualdade e liberdade nos regimes liberais e socialistas (“O Espírito das Revoluções”); do caráter arbitrário, coercitivo e daninho do “Estado forte” ou patrimonial (“O Dinossauro”); das limitações do darwinismo, social ou biológico, enquanto visão da evolução e seleção natural para explicar o enigma da mente humana (“Polemos”); da visão da psicologia coletiva brasileira em face dos desafios para se construir uma sociedade exemplar (“Em Berço Esplêndido”); da defesa da economia de mercado, a partir da supremacia da sociedade de confiança e do direito da propriedade em contraposição ao “construtivismo” falacioso da “engenharia social” (“Da Moral em Economia”) e, para mencionar só mais um dos seus trinta e tantos livros, o ensaio analítico sobre o altruísmo e o progresso humano expresso em “Opção preferencial pela Riqueza”.

Há, no entanto, um livro notável na bibliografia do escritor: “Meira Penna, por ele mesmo”, uma curta autobiografia em que revela o evoluir de sua formação e de suas idéias, sem fugir, no entanto, ao modo de Santo Agostinho, das confissões pessoais. Nela vislumbramos a luta tenaz de um cérebro bem dotado articulando-se para entender o mundo e o seu tempo, em particular o Brasil e seus eternos tropeços. Diplomata de carreira que serviu nos cinco continentes durante mais de 30 anos, Meira Penna nos dá, em paralelo, uma visão substancial de sua experiência de homem de pensamento, mormente quando se reporta aos seus encontros com personalidades expressivas do século 20, tais como, por exemplo, Carl Jung, o psicólogo do inconsciente coletivo.

Por felicidade pessoal, ao fazer para o Estado de São Paulo a resenha crítica de “Em Berço Esplendido”, o sempre atento José Mario Pereira, editor do livro pela Toopbooks, tratou de me apresentar o notável escritor, de quem me tornei, com o passar do tempo, mais admirador. Em pessoa, Meira Penna transpira inteligência, elegância, espírito crítico e – coisa  rara hoje em dia – correção.

Bem, escrevo, escrevo e não chego ao essencial, que é o seguinte: o pensador Meira Penna, que nasceu com a Revolução Russa, em 1917, vai completar neste 2007, noventa anos de idade. Noventa anos, como diria Acácio, o Conselheiro, não é um acontecimento que ocorra todos os dias na vida do cidadão. Em menos tempo, a Revolução Russa ruiu e próprio Fidel Castro, octogenário, está moribundo – enquanto o pensador brasileiro continua vivo e firme, escrevendo cada vez melhor.

Parabéns!

* Artigo foi publicado no Mídia sem Máscara. http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=5547&language=pt

** O autor é cineasta, jornalista, escritor e ex-Secretário Nacional da Cultura.

Nota Editoria MSM: sobre o mais recente trabalho de J.O. de Meira Penna, recomenda-se a leitura do artigo Uma análise crítica do Darwinismo

Os livros de José O. de Meira Penna podem ser adquiridos através da Livraria É Realizações.

 

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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