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A Constituição besteirol

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COLABORADORES

08.10.08

  

A Constituição besteirol

RODRIGO CONSTANTINO*

  

“Os esquerdistas, contumazes idólatras do fracasso,

recusam-se a admitir que as riquezas são criadas pela diligência dos indivíduos

e não pela clarividência do Estado.” __  Roberto Campos

 

A nossa Carta Magna está completando vinte anos de idade. Por um lado, trata-se de uma conquista interessante, já que o Brasil é conhecido por sua enorme quantidade de Constituições já existentes. Só no século XX tivemos uma Constituição em 1934, outra em 1937, mais uma em 1946, outra em 1967, e finalmente a Constituição de 1988. No entanto, a conquista de certa “longevidade” não compensa, de forma alguma, o custo elevado que essa Constituição representou para o País. Enquanto muitos políticos vibravam com a aprovação da “Constituição Cidadã”, um indivíduo com a mente mais lúcida lamentava aquele fato, antecipando quanto ele custaria ao povo brasileiro. Era Roberto Campos, que chamara a Constituição de 1988 de “anacrônica”, remando contra a maré populista de seu tempo.

Em seu livro de memórias, Lanterna na Popa, Roberto Campos dedica várias linhas à Constituição de 1988, e todos aqueles que comemoram seu aniversário deveriam investir algum tempo para ler tais críticas. A inflação herdada da era Goulart, por exemplo, estava em quase 8% ao mês, mas a Constituição contava com um absurdo dispositivo que limitava os juros a 12% ao ano, uma “ridícula hipocrisia”. Uma Constituição mencionar limite para juros é algo realmente grotesco. Do ponto de vista tributário, a Constituição de 1988 gerou uma “vultosa redistribuição da capacidade tributária em favor dos estados e municípios, sem correspondente redistribuição de funções”. Sob o ponto de vista da estrutura tributária, Roberto Campos conclui que a Constituição “representou um lamentável retrocesso”.

Outro exemplo evidente do atraso causado pela Constituição foi o monopólio do petróleo garantido ao governo. A confusão entre “segurança nacional” e monopólio do governo não passava de uma grande falácia econômica. Campos explica que “ao retardar o fluxo de capital para a exploração petrolífera local, criava-se adicional insegurança, pois nosso abastecimento ficaria na dependência de suprimentos extracontinentais, carregados por via marítima e portanto sujeitos à vulnerabilidade submarina”. Muitos leigos comemoraram a recente “auto-suficiência” do País em abastecimento de petróleo, ignorando aquilo que não se vê, ou seja, o custo de oportunidade dessa conquista tardia. Se não houvesse monopólio, mas sim um dinâmico setor privado competindo, quanto tempo atrás já teríamos atingido a auto-suficiência? Isso sem falar da economia com a conhecida corrupção da estatal Petrobrás nesses anos todos, e que evitaria também seu uso como moeda de troca política entre partidos.

Um grave problema do Brasil, a desproporcionalidade da representação na Câmara dos Deputados em desfavor do centro-sul, foi bastante agravado com a Constituição de 1988 também. A criação de novos estados na Constituição gerava uma distorção ainda maior, particularmente contra São Paulo. Para eleger um deputado nordestino, com o mesmo poder de um paulista, precisa-se de bem menos votos. Isso cria um deslocamento de poder para as regiões do norte e nordeste, dificultando reformas econômicas que seriam mais facilmente aprovadas se dependessem da escolha do sul e sudeste, que carregam a economia do País nas costas. Além disso, ao remover quaisquer barreiras, tanto de criação como de representação legislativa dos partidos, a Constituição de 1988 “nos legou um multipartidarismo caótico com partidos nanicos que não representam parcelas significativas da opinião pública, sendo antes clubes personalistas e regionalistas ou exibicionismo de sutilezas ideológicas”. Conforme conclui Campos, ficamos muito mais com uma “demoscopia” que uma democracia.

Roberto Campos considera que sua vida no Senado foi marcada por uma sucessão de batalhas perdidas, as principais sendo: a batalha da informática, cuja Lei da Informática jogou o País na era dos dinossauros em tecnologia; a batalha contra o Plano Cruzado e sua resultante moratória, enquanto economistas de esquerda, como Maria de Conceição Tavares, chegaram a chorar de emoção com o plano fracassado; e a batalha contra a Constituição brasileira de 1988, tomada pela mentalidade nacional-populista. O ícone dessa fase, Ulysses Guimarães, defendia demagogicamente o objetivo constitucional de “passar o País a limpo”. As promessas simplesmente não cabiam no orçamento, não levavam em conta a realidade. Como escreveu Campos, “Ulysses parecia encarar com desprezo a idéia de limites ou constrangimentos econômicos”. Para ele, tudo parecia ser uma questão de “vontade política”, expressão que muitos utilizam até hoje como solução mágica para nossos males. Roberto Campos chegou a acusar Ulysses, em artigo de jornal, de “um grau de ignorância desumana” em economia. Infelizmente, ele estava certo.

A Constituição de 1988 foi extremamente reativa, uma espécie de “vingança infantil” aos tempos da ditadura. É compreensível que existisse uma demanda social reprimida naquela época. Mas o uso da Constituição como veículo para atender esta demanda foi um grave erro. O grau de utopia presente na Constituição é assustador. Ela fala dezenas de vezes em “direitos”, mas quase nunca em “deveres”. Desde que ela foi aprovada, os gastos com aposentadoria do INSS pularam de 2,5% para 8% do PIB. O jurista Miguel Reale chamou a Constituição de um ensaio de “totalitarismo normativo”, Yves Gandra Martins a chamou de “Constituição da hiperinflação”, e Eliezer Batista a acusou de instalar uma “surubocracia anárquico-sindical”. O próprio Roberto Campos a descreveu como um misto de regulamento trabalhista e dicionário de utopias. Foi o “canto do cisne do nosso nacional-populismo”. Ulysses Guimarães a descreveu como a “Constituição dos miseráveis” e a “guardiã da governabilidade”. Foi justamente o contrário: uma Constituição contra os miseráveis e que garante a ingovernabilidade.

Nessa data de aniversário da Constituição de 1988, deveríamos parar para repensar seus graves equívocos, quase todos filhotes da premissa absurda de que o governo deve ser a locomotiva do crescimento econômico e o veículo da “justiça social”. Olhar para o norte e entender porque a Constituição americana é a mesma há mais de duzentos anos, com algumas poucas emendas, faria um bem incrível ao país. A Carta Magna de uma nação deve tratar dos temas mais básicos apenas, com um caráter bem mais negativo do que positivo, ou seja, colocando em evidência aquilo que os cidadãos não podem fazer. O governo deve evitar o excesso de legislação, que serve para emperrar o crescimento e criar injustiças. Infelizmente, o governo brasileiro é extremamente paternalista, e trata seus cidadãos como mentecaptos que necessitam da tutela estatal para tudo. A Constituição de 1988 é apenas um reflexo dessa mentalidade. O que há de fantástico para se comemorar em seus vinte anos? 

* Economista, articulista, autor de ‘UMA LUZ NA ESCURIDÃO – as idéias de grandes pensadores da humanidade’

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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