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A invasão dos bárbaros

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COLABORADORES

26.01.07

 

A invasão dos bárbaros

 

ARMANDO DE LA TORRE*

 

 

O inverno do ano de 406 ao 407 foi excepcionalmente rigoroso no norte da Europa.

O rio que separava a civilização romana da barbárie germânica, o Reno majestoso, congelou-se em toda sua extensão e se tornou uma oportuna estrada para uns 25 mil godos que se precipitaram, em grande tumulto, pela maior, mais rica e mais latinizada das províncias: as Gálias.

O princípio do fim.

Dois séculos depois, do Império ocidental restava, apenas, uma vaga lembrança das tribos de bárbaros que se haviam assentado em seus territórios, e aquelas ilustres ruínas que um dia pareciam ter sido “feitas para a eternidade” jaziam, cobertas de ervas daninhas, “campos de desolação, tristes aldeias”, como vestígios dos territórios da outrora gloriosa Roma de Escipião, Augusto e Constantino.

Esse quadro apocalíptico tem sido usado repetidamente, aqui e acolá, com variados sentidos metafóricos.

Para o essencial em toda comparação, basta recordar que aquele tremendo salto para trás por mãos de homens incultos e violentos consistiu, antes de mais nada, na demolição caótica da organização racional construída penosamente, durante séculos, pelo caráter prático – ou seja, solucionador de problemas – dos romanos. Nesse aspecto, em especial, suas magníficas obras de engenharia e, ao lado delas, o imponente corpo jurídico que as tornou possíveis.

Porque a cultura romana não foi uma cultura teórica, contemplativa, ao modo da dos gregos, mas de empreendimento e visão de longo prazo.

Construiu aquedutos por todos os lados, edificou avenidas intermináveis por onde circulava um correio diário muito eficiente, uniu as margens de um sem fim de rios com pontes de arco, inventou o concreto, desenvolveu drenagens, banhos públicos, praças, cúpulas, faróis, coliseus, multiplicou o artesanato de utilidades domésticas, ainda que também as temíveis máquinas de guerra como a catapulta. Criou redes físicas urbanas das quais ainda aprendemos.

E com tudo isso, construiu outro modelo jurídico não menos monumental.

Durante séculos, soube proteger eficazmente seus cidadãos em suas pessoas e em seus bens e dirimir seus conflitos, traduzido tudo isto no respeito incondicional aos contratos, à propriedade privada, à herança, às obrigações, às instituições, enfim, nos direitos civil e comercial, imprescindíveis para o florescimento de toda vida privada estável e produtiva.

Assim mesmo, com respeito ao público, estiveram à nossa frente com seus sistemas de pesos e contrapesos entre poderes, de eleições periódicas de magistrados, de garantias a juízes e pretores, do devido processo legal.

Acumularam rica jurisprudência. Para isso, introduziram o uso válido da analogia entre sentenças, dos precedentes, do recurso a jurisconsultos. Construíram, além disso, as bases do direito civil e do direito natural… e, se quisermos, até a obsessão legisladora contemporânea.

Ambas as dimensões de cooperação pacífica, a da engenharia e a do direito, quando foram definitivamente destruídas, destruiu-se também a civilização da Antigüidade.

Hoje, na Ibero-América, começa a infiltrar-se entre nós a vanguarda de uma nova avalanche de bárbaros. São tidos por “populistas” para não serem chamados de demagogos, um novo disfarce para camuflar seu menosprezo pela razão.

Já não se concentram em demolir infra-estruturas, ao estilo da URNG; simplesmente as deixam cair aos pedaços, como procurou fazer Fidel Castro em Cuba.

Tampouco dirigem sua fúria contra os engenheiros como a expressão mais alta da lógica e do sentido comum, mas contra os economistas, que conseguiram desvendar a complexidade da economia de mercado.

E, obviamente, se valendo do positivismo jurídico, os Hugos Chávez substituem, paulatinamente, os méritos do Direito pelos ruinosos caprichos de seus ressentimentos.

De volta à tribo.

Carlos Alberto Montaner se utiliza de termos mais drásticos: “A volta do perfeito idiota latino-americano”.

* Diretor da Escola Superior de Ciências Sociais da Universidade Francisco Marroquin, na Guatemala, desde 1977. Ex-coordenador de Estudos do Seminário Latino-americano em Roma e Professor de Sociologia, Filosofia e Religião em cinco colleges dos Estados Unidos. Realizou estudos de Jornalismo, Direito, Filosofia, e Teologia.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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