Feliz ano velho
O Brasil que se aproxima de 2026 carrega a sensação de que o tempo passa, mas as crises permanecem. A virada do ano não representa entusiasmo renovador, mas a continuidade de tensões econômicas, políticas e institucionais que se repetem com rostos diferentes e fundamentos semelhantes. Inflação persistente, carga tributária crescente, desorganização fiscal, conflitos entre poderes, polarização eleitoral, judicialização da política, escândalos de corrupção, fraudes previdenciárias e instabilidade institucional compõem um cenário em que o país revive seus velhos impasses e transforma o futuro em extensão ampliada de seu passado. O Brasil reafirma a própria vocação de museu de grandes novidades.
A economia continua pressionada por um Estado que custa caro e entrega pouco. A carga tributária consolidada supera um terço do PIB segundo dados do Tesouro Nacional, patamar elevado para uma economia emergente que convive com infraestrutura insuficiente, baixa produtividade e serviços públicos que não correspondem ao nível de arrecadação. A inflação de serviços permanece rígida, corroendo o poder de compra especialmente entre as camadas mais pobres e restringindo margens do setor produtivo. Estudos do IBGE e do IPEA mostram que o crescimento da produtividade do trabalho foi inferior a 1 por cento ao ano na última década, fenômeno que expressa a ausência de incentivos à inovação, a complexidade regulatória e o peso do aparato estatal sobre a atividade produtiva.
Enquanto isso, o governo recorre reiteradamente à elevação de tributos como instrumento preferencial de recomposição de receitas. A tentativa contínua de manter o gasto público por meio da ampliação da base tributária e da criação de novas modalidades de arrecadação encarece o capital, aumenta o risco fiscal e desestimula investimentos de longo prazo. O contribuinte é chamado a financiar uma máquina pública que se expande mais rapidamente do que a capacidade produtiva da sociedade. Organismos multilaterais como FMI e OCDE registram que trajetórias fiscais indefinidas, associadas à ausência de reformas estruturais em previdência, administração pública e responsabilidade orçamentária, provocam deterioração de expectativas e amplificação de incertezas macroeconômicas.
A questão previdenciária ocupa papel decisivo nesse quadro. O regime geral do INSS opera com déficit crescente, impulsionado pelo envelhecimento demográfico, pela alta proporção de benefícios assistenciais e pela rigidez normativa que amplia o gasto obrigatório em velocidade superior ao crescimento econômico. Relatórios do Tesouro Nacional e do Ministério da Previdência mostram que as despesas previdenciárias consomem parcela significativa do orçamento primário e comprimem o espaço para investimentos públicos essenciais. O desequilíbrio atuarial não é apenas um problema contábil, mas um fator de fragilização estrutural do pacto intergeracional, com custos transferidos às gerações futuras e ao contribuinte atual.
A pressão sobre o INSS, porém, ultrapassa a dimensão fiscal. O órgão tornou-se o centro de um escândalo de fraudes e descontos indevidos que revelou falhas graves de governança, controle e integridade administrativa. Investigações identificaram um esquema amplo de operações ilícitas sobre benefícios previdenciários e assistenciais, atingindo aposentados e pensionistas. O episódio expôs vulnerabilidades internas do sistema e a atuação de redes externas que se aproveitam da opacidade burocrática e da baixa capacidade institucional de fiscalização. A repercussão ganhou maior gravidade quando depoimentos públicos mencionaram a possível existência de vínculos entre operadores do esquema e figuras próximas ao poder político, incluindo o nome de Fábio Luís Lula da Silva. As citações surgiram em meio a solicitações de aprofundamento das investigações e alimentaram percepções de captura institucional, possível blindagem política e seletividade na responsabilização de agentes conectados às elites decisórias. Mesmo em estágio de apuração, tais relatos reforçam a imagem de que a crise previdenciária envolve não apenas desequilíbrio financeiro, mas também incentivos distorcidos, fragilidade de governança e risco moral dentro de um dos maiores sistemas de proteção social da América Latina.
A tensão institucional não se limita ao campo previdenciário. A vida política brasileira permanece organizada pela polarização. A eleição de 2026 se estrutura na oposição entre blocos ideológicos irreconciliáveis, em que narrativas morais substituem a formulação programática e transformam adversários políticos em antagonistas existenciais. A prisão de Jair Bolsonaro e seus desdobramentos jurídicos intensificaram discursos de perseguição e de judicialização da política entre seus apoiadores, enquanto o governo Lula enfrenta desgaste com a criação e ampliação de impostos, pressões fiscais recorrentes e erosão de popularidade. O debate público se afasta da avaliação de políticas estruturais e se concentra em disputas simbólicas que reproduzem antagonismos permanentes.
O Supremo Tribunal Federal assumiu posição central nesse processo. Decisões de grande impacto político, ampliação de competências interpretativas e a recorrência de medidas judiciais em temas sensíveis estimularam críticas sobre ativismo judicial e sobre assimetrias na aplicação de garantias e sanções. Tentativas políticas de abertura de processos de impeachment contra ministros, ainda que sem avanço institucional consistente, revelam deterioração de confiança entre poderes e crescente percepção de que o Judiciário participa diretamente da arena política. Estudos de governança e indicadores internacionais de Estado de Direito registram que a baixa previsibilidade normativa e a percepção de seletividade judicial ampliam o risco institucional e afetam decisões de investimento, custos de crédito e confiança empresarial.
O caso do Banco Master tornou-se símbolo dessas tensões entre governança privada, fiscalização estatal e credibilidade institucional. A liquidação extrajudicial determinada pelo Banco Central evidenciou falhas de gestão de risco, assimetrias informacionais e suspeitas de articulação entre interesses empresariais e instâncias decisórias. O episódio reforçou o diagnóstico de patrimonialismo, no qual fronteiras entre Estado e redes privadas de influência se mantêm difusas. O problema não se limita ao evento financeiro isolado, mas sinaliza vulnerabilidades sistêmicas de fiscalização, transparência e enforcement regulatório, com potencial de propagação para a economia real e para a confiança no sistema bancário.
O patrimonialismo brasileiro cria estruturas nas quais o Estado é apropriado por grupos organizados, que transferem seus custos à sociedade e preservam privilégios. A crítica liberal contemporânea interpreta a hipertrofia estatal como fator que desincentiva a livre iniciativa, comprime o dinamismo produtivo e transforma o contribuinte em financiador compulsório de uma máquina que não devolve em eficiência o que retira em tributos.
A organização do calendário de 2026 adiciona camadas comportamentais ao problema produtivo. A concentração de feriados prolongados, associada à Copa do Mundo e ao período eleitoral, fragmenta o ritmo de trabalho, posterga decisões empresariais, realoca consumo para atividades de lazer e afeta a regularidade de cadeias produtivas. Estudos de sazonalidade econômica do IBGE e da FGV mostram que os impactos são heterogêneos entre setores, com ganhos pontuais para turismo e serviços, mas perdas consistentes em indústria, serviços corporativos e produtividade agregada. O país alterna momentos de celebração e evasão produtiva enquanto os problemas estruturais permanecem suspensos no horizonte.
O conjunto de pressões fiscais, ampliação de impostos, déficit previdenciário, fragilidade institucional do INSS, ativismo judicial, polarização política, escândalos de governança, risco regulatório, baixa produtividade e expectativas deterioradas compõe um quadro que sugere a proximidade constante de um quase shutdown político e econômico. Não se trata de paralisação formal do Estado, mas de estreitamento do espaço decisório, no qual a rigidez orçamentária, a judicialização de políticas, a volatilidade institucional e a ausência de pactos reformistas bloqueiam a formulação de soluções sustentáveis.
O feliz ano velho assume, assim, o caráter de diagnóstico crítico. O Brasil convive com a repetição de seus dilemas estruturais, protegendo privilégios, penalizando quem produz e adiando reformas que poderiam romper o ciclo de estagnação institucional. A superação desse quadro exige responsabilidade fiscal efetiva, enfrentamento do desequilíbrio previdenciário, simplificação tributária, segurança jurídica, reforço de limites entre poder político e interesses privados, fortalecimento de instituições de controle e valorização do empreendedor e do contribuinte como agentes centrais do desenvolvimento. Sem essa ruptura, o país continuará a envelhecer suas crises, transformando cada virada de ano em continuidade ampliada de um passado que insiste em não se tornar história.



