A estatização da moral: o risco do politicamente correto como ferramenta de controle
Nos últimos anos, o debate público tem sido progressivamente moldado por um novo padrão de linguagem e comportamento social: o politicamente correto. Promovido inicialmente como um esforço de civilidade e respeito às diferenças, o conceito ganhou contornos mais profundos, e perigosos, à medida que passou a ser institucionalizado em legislações, regulamentos escolares, políticas corporativas e discursos oficiais de Estado.
A imposição de códigos morais pelo poder público, ainda que sob a roupagem do progresso social, configura uma estatização da moral que ameaça diretamente a liberdade de expressão e o pluralismo de ideias. Ao definir o que pode ou não ser dito, o que é ou não aceitável, o Estado assume para si a função de árbitro da virtude, reduzindo o espaço do dissenso e tornando o debate público refém de uma única visão de mundo.
Tal fenômeno não é novo. Em regimes autoritários do século XX, como o stalinismo soviético ou o maoísmo chinês, o controle do discurso era parte essencial do controle social. A diferença, hoje, é que esse processo ocorre de forma mais sutil, travestido de empatia e suposto respeito. A censura já não se impõe com tanques ou fuzis, mas com hashtags, regimentos internos e discursos emocionais de uma suposta inclusão. O que antes era explícito hoje é internalizado: o medo de falar, de discordar, de pensar fora da norma estabelecida se tornou o novo mecanismo de coerção social.
O filósofo britânico John Stuart Mill já alertava, em Sobre a Liberdade, que “a única liberdade que merece esse nome é a de buscar nosso próprio bem à nossa maneira”. Isso inclui o direito de discordar, de provocar, de ofender, não por maldade, mas como parte essencial do exercício da liberdade intelectual. Quando o Estado se arroga o direito de estabelecer limites morais sob o pretexto do bem comum, ele se torna juiz não apenas da ação, mas da intenção.
Além disso, a estatização da moral favorece uma cultura de vigilância mútua e autocensura. Em vez de cidadãos livres, forma-se uma sociedade de indivíduos acuados, que ajustam seu discurso para evitar represálias, cancelamentos ou sanções institucionais. Nesse sentido, o pensamento crítico é substituído pela obediência silenciosa; o debate, pelo medo da desaprovação pública.
É evidente que toda sociedade precisa de valores compartilhados, mas esses valores devem emergir da livre interação entre indivíduos, não da imposição vertical de normas por parte do Estado. Quando o governo legisla sobre sentimentos, linguagem ou moralidade, ele ultrapassa o limite entre garantir direitos e ditar condutas, transformando o cidadão em súdito de uma ética oficial.
O uso do politicamente correto como ferramenta de controle estatal também tem implicações econômicas e institucionais. Empresas passam a adotar códigos de conduta baseados em agendas políticas, universidades restringem o debate em nome da “segurança emocional”, e a produção cultural se autocensura para evitar retaliações. Esse ambiente sufoca a inovação, distorce o mercado de ideias e enfraquece o princípio fundamental da democracia: o direito de pensar e se expressar livremente.
A defesa da liberdade de expressão não implica tolerar discursos de ódio, mas reconhecer que a linha entre o que é ofensivo e o que é apenas impopular é tênue e, portanto, perigosa demais para ser traçada pelo Estado. A liberdade só pode existir quando inclui o direito de errar, de provocar, de contestar. Fora disso, resta apenas a moral de gabinete, moldada por burocratas e tribunais ideológicos.
Portanto, é preciso estar atento ao avanço do politicamente correto como instrumento de uniformização cultural e controle estatal. A verdadeira tolerância nasce do convívio entre diferenças, não da imposição de uma moral única. Nesse ínterim, a liberdade só floresce quando o indivíduo pode pensar, falar e agir sem a constante ameaça de ser silenciado por discordar da norma vigente.
Como dizia Ayn Rand, “em qualquer conflito entre poder e liberdade, a única questão é quem será o sacrificado e por quem”. Sacrificar a liberdade de expressão no altar do politicamente correto é um preço alto demais, especialmente quando quem define o que é “correto” é o Estado.
*Thais Alvim S. Lorenzoni é associada do Instituto Líderes do Amanhã.



