Unidos pelo matrimônio e pela Magnitsky
Anistia desidratada sob a caricatura de dosimetria, Congresso encabrestado por defuntos políticos ressuscitados das covas da Lava-Jato e exibição de artistas propagandistas do regime. Enquanto a cúpula judiciária brasileira ainda saboreava dias seguidos de glória em seu império inabalado, eis que foi noticiado o fato objeto do desejo de muitos, da previsão de alguns e do escárnio de outros: a ampliação das sanções da Lei Magnitsky à Dra. Viviane Barci, esposa de Alexandre de Moraes, e ao Instituto de Estudos Jurídicos Lex, dirigido pela causídica.
Detentores de um poder sem freios no próprio país, nossos togados voltaram a ter seus intestinos colocados à mostra pela maior democracia liberal do mundo, e a família do censor magno tornou a enfrentar um risco cada vez mais iminente de débâcle financeira. Afinal, se o casal Moraes, comparado pelo Tesouro dos EUA ao casal de criminosos Bonnie & Clyde, é financeiramente abastecido pelas somas polpudas em circulação no escritório e no Instituto geridos pela doutora, quem haverá de bancar os luxos dos cônjuges ora sancionados?
Como esperado, o STF, divorciado da institucionalidade, usou sua página oficial para publicar uma nota de repúdio à medida, por ele designada como “injusta”. Dando de ombros às suas funções constitucionais de processar e julgar, a corte fugiu à inércia esperada de um Judiciário, atropelou a competência do Executivo no trato das relações exteriores e disseminou informações falsas, ou, em vocabulário supremo, “fake news”. Os fatos notórios, acompanhados por qualquer indivíduo dotado de olhos de ver, desmontam a narrativa togada de que o pretenso “golpismo” em nossa história recente teria sido apreciado à luz do devido processo legal, da ampla defesa e da publicidade. Não o foi.
É impossível dar credibilidade mínima a qualquer processo conduzido por togados incompetentes, impedidos e/ou suspeitos, seja pela autorreferência como “vítima”, seja por juízos prévios sobre a matéria, seja até por desafetos públicos com os réus. Igualmente farsesca foi a menção à ampla defesa, pois os réus do 08.01 sequer tiveram suas condutas individualizadas, enquanto os da “trama golpista” foram assolados por toneladas de documentos, prática irregular suscitada por todas as defesas, mas rejeitada injustificadamente pelos ditos julgadores. Por último, mas não menos importante, a publicidade foi outro princípio republicano tratorado em todos os assuntos envolvendo pretensos “golpistas”, cujos advogados foram constantemente privados de amplo acesso aos autos, já que o sigilo das decisões era imposto e retirado por Moraes, ao sabor exclusivo de suas conveniências.
Do alto de sua egolatria inflada por shows de cantores prosélitos e sustentados pela máquina estatal, o STF chegou a aludir, em sua nota, ao pretenso apoio da sociedade à punição aos supostos perpetradores de tentativas de “golpe”. Argumento risível, na medida em que o imaginário “apoio”, sequer mensurado por critérios objetivos, não poderia ter justificado o afastamento de juízes do rigor do texto da Constituição e das leis.
Surpreendente mesmo foi a empáfia da corte ao formular uma crítica ainda mais ácida à medida contra a advogada, por tratar-se de familiar de Moraes e, nessa condição, insuscetível de punição em virtude de condutas do consorte. A alegação trazida na nota contrariou o entendimento cunhado pelo togado e ilustrou a má fé daqueles que se arrogam a apagar fato próprio em prol da detração da conduta alheia. Sem falar na soberba de seres que, na crença de sua superioridade em relação aos seus semelhantes, sentem-se insuscetíveis de questionamentos, ainda que a procedência das críticas salte aos olhos do senso comum.
Na qualidade de governante, Trump dispõe de um bom grau de discricionariedade para decretar sanções políticas contra todos os que ameacem interesses de americanos em seu território, assim como contra pessoas, físicas e/ou jurídicas, que propiciem amparo às condutas de abusadores. No caso da Dra. Barci, não se tratou da extensão de quaisquer efeitos condenatórios, até porque o ocupante da Casa Branca carece de jurisdição para a imposição de condenações. A sanção decretada contra a advogada soou como medida corriqueira no combate a organizações criminosas, cujas operações só chegam a ser sufocadas com êxito mediante o congelamento de ativos das fontes financiadoras. Follow the money, recomendam as melhores práticas policiais que Trump parece seguir à risca.
Já Moraes, nos autos de inúmeras ações criminais, não hesitou em transferir as penas das pessoas dos réus para as de seus familiares, como se viu, por exemplo, nos casos Daniel Silveira e Oswaldo Eustáquio, cujas esposas foram atingidas por decretos de indisponibilidade de contas bancárias e de busca e apreensão, respectivamente. Ao incorrer em tantas violações ao princípio constitucional da responsabilidade penal individual, Moraes sequer poderia ter imaginado que, anos depois, viria a sofrer, na pele, as agruras de uma versão lícita e legítima de suas práticas abusivas.
Mais uma vez, o governo americano desempenhou o papel sancionador que caberia ao nosso Senado e ainda desnudou a nocividade das relações entre togados e escritórios de esposas a cargo de ações em tramitação nos gabinetes de seus maridos. Enquanto o próprio STF derrubou um dispositivo do Código de Processo Civil para a chancela de prática pornográfica de tão promíscua e a nossa câmara alta manteve um silêncio conivente, a Casa Branca parece ter deflagrado uma onda incontrolável de sanções contra nossos juízes despóticos e seus cúmplices.
Espero que, em seus esforços para resguardar as liberdades de americanos contra canetas de tiranetes abaixo da linha do Equador, os EUA exerçam uma pressão eficiente de dissuasão contra a continuidade dos malfeitos. Essa parece ser a intenção inequívoca das autoridades do hemisfério norte, como se depreendeu da mensagem de hoje do secretário de estado Marco Rúbio, segundo o qual “outros que ameaçam os interesses dos EUA ao proteger e permitir a atuação de atores estrangeiros como Moraes também serão responsabilizados.”
Se tiver nos restado o mínimo de sensatez, nosso sistema político se mobilizará para afastar e punir abusadores, até mesmo como fórmula de sobrevivência, de modo a evitar que nos tornemos um país banido pelos EUA. Caso contrário, só o futuro mostrará todas as consequências nefastas da manutenção do caos institucional que atravessamos.