O ódio saiu do armário

Print Friendly, PDF & Email

O antissemitismo é mais velho do que andar para frente. Sempre esteve presente, latente, adormecido e, como tenho dito, saiu do armário. Antes, era um sentimento velado, disfarçado em cochichos ou olhares enviesados. Hoje, no Brasil, desafortunadamente, é escancarado. Um presidente irresponsável acaba de acusar brasileiros de origem judaica de serem estrangeiros em sua própria pátria. Um gesto tão perigoso quanto repulsivo, que legitima e dissemina ódio contra irmãos brasileiros.

O antissemitismo é um ódio antigo. Os judeus sempre foram transformados em bode expiatório. Basta lembrar da Idade Média, quando emprestar dinheiro era considerado pecado mortal, a chamada usura. Como a Igreja proibia cristãos de atuar nesse campo, sobrava aos judeus essa função – e, depois, éramos condenados justamente por exercê-la. Ou seja, primeiro empurrados ao mercado do dinheiro, depois acusados de sermos usurários. Uma armadilha histórica que a ignorância perpetua até hoje.

Lembro-me bem: tinha pouco mais de vinte anos, estava em uma fila e ouvi dois jovens conversando atrás de mim. Um dizia ao outro: “Ah, judeu é tudo enganador, ludibriador”. Virei-me e perguntei: “Você sabe o que significa ser judeu? Conhece a história do nosso povo? Sabe por que, durante séculos, fomos obrigados a ocupar o mercado financeiro enquanto a sociedade nos condenava por isso?”. Eles se calaram. Não sabiam o que responder. No sentido estrito da palavra, isso é ignorância. E confesso, a la Adam Smith, me colocando numa posição simpática, quase como exercício de empatia, sinto hoje na pele o que tantos jovens judeus estão sentindo diante desse avanço implacável do antissemitismo.

E é aqui que afirmo, sem rodeios: me orgulho profundamente de ser judeu. Não há ignorância alheia capaz de diminuir essa identidade, construída em séculos de fé, perseguição, resistência e contribuição à humanidade. O orgulho é meu antídoto contra o preconceito.

O que vemos agora, no entanto, é ainda mais grave. Não é apenas a ignorância de jovens mal informados. É a ignorância deliberada de um presidente da República. É um escárnio total! Um cidadão que se orgulha de nunca ter lido um livro. Mas não se enganem, não se trata de inocência intelectual, mas de dissonância cognitiva com licença política. Mesmo que tivesse acesso aos fatos, rejeitaria tudo que não confirmasse suas crenças ou não lhe rendesse dividendos ideológicos. É essa manipulação que converte ignorância em estratégia e preconceito em capital político.

O papel da mídia é igualmente notório e, principalmente, vexatório. Parte dela escolheu deliberadamente reforçar esse ódio antigo, ao repetir sem pudor a mentira de que Israel comete um genocídio em Gaza. Parabéns à Globo e a tantos outros que ajudaram a reacender o mais perigoso dos ódios. A ironia é cristalina: enquanto o senso comum imagina que os judeus “controlam a mídia”, a própria mídia se encarrega de difamá-los. Se isso é controle, então é um controle suicida.

As circunstâncias únicas das décadas após o Holocausto adormeceram o antissemitismo e o tornaram socialmente inaceitável, mas nunca o destruíram. Apenas o esconderam. Hoje, ele voltou ao palco, sem vergonha e sem disfarce, com direito a público e plateia inteira. Ignorá-lo seria permitir que esse ódio continue a se escancarar, desta vez não como murmúrio, mas como espetáculo – triste, perigoso e coletivo.

Nós, judeus, jamais calaremos.

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Alex Pipkin

Alex Pipkin

Doutor em Administração - Marketing pelo PPGA/UFRGS. Mestre em Administração - Marketing pelo PPGA/UFRGS Pós-graduado em Comércio Internacional pela FGV/RJ; em Marketing pela ESPM/SP; e em Gestão Empresarial pela PUC/RS. Bacharel em Comércio Exterior e Adm. de Empresas pela Unisinos/RS. Professor em nível de Graduação e Pós-Graduação em diversas universidades. Foi Gerente de Supply Chain da Dana para América do Sul. Foi Diretor de Supply Chain do Grupo Vipal. Conselheiro do Concex, Conselho de Comércio Exterior da FIERGS. Foi Vice-Presidente da FEDERASUL/RS. É sócio da AP Consultores Associados e atua como consultor de empresas. Autor de livros e artigos na área de gestão e negócios.

Deixe uma resposta

Pular para o conteúdo