Estão dispostos a arruinar a economia para proteger Moraes
Ciente de que Cristiano Zanin, relator da ação que questiona a aplicação da Lei Magnitsky contra Alexandre Moraes, não tem pressa em pautar a coisa, Flávio Dino, fiel escudeiro de Moraes, tomou mão de um subterfugio para tentar blindar o camarada. Em uma decisão no âmbito do Acordo de Mariana, em que o Instituto Brasileiro de Mineração questionou ações movidas por municípios brasileiros em cortes estrangeiras, em especial um processo aberto na Inglaterra — portanto, sem qualquer relação com os EUA e com a Lei Magnitsky —, Dino afirmou que medidas de governos estrangeiros contra cidadãos brasileiros não têm validade se não respaldadas pelo STF. Embora ele não cite nominalmente a referida lei ou os EUA, o recado é claro: “Nesse contexto, o Brasil tem sido alvo de diversas sanções e ameaças, que visam a impor pensamentos a serem apenas ratificados pelos órgãos que exercem a soberania nacional.”
Evidentemente, nem os EUA nem qualquer outro país tem autoridade para punir diretamente cidadãos brasileiros em território brasileiro. Sua autoridade, isso sim, é sobre empresas americanas, e é disso que se trata a Lei Magnitsky: empresas que desejam ter negócios nos EUA ou com empresas americanas não podem manter relações com as pessoas alvo da lei. É tão simples que não tenho dúvidas de que até Dino consegue entender. Os EUA não invadiram um centímetro sequer da soberania brasileira, mas, antes, agiram no limiar de sua própria soberania.
A decisão de Dino coloca o sistema financeiro brasileiro em uma situação crítica. Dependendo do acesso ao mercado americano, até mesmo para poder fazer transações internacionais em dólar, os bancos brasileiros se veem diante de um dilema: deixar de cumprir a Lei Magnitsky, arcar com multas bilionárias e, potencialmente, perder o acesso ao sistema financeiro internacional ou cumpri-la e serem punidos pelo STF, seja por meio de multas ou até mesmo com a possível inclusão de seus dirigentes em algum dos intermináveis inquéritos sob a suspeita de “atentarem contra soberania nacional”, ou seja lá qual bobagem.
Compelir os bancos a descumprirem a Magnitsky, como o STF tenta fazer, pode devastar o sistema financeiro. A quebra de uma grande instituição já poderia ser o suficiente para gerar um efeito contágio; talvez, o mero temor de uma ou múltiplas quebras possa já, por si só, levar a uma eventual corrida aos bancos, o que faria o país mergulhar em uma severa crise econômica.
Nada disso é ignorado por nossos deuses togados. O próprio Moraes, que, em entrevista à Agência Reuters, reiterou que “os tribunais brasileiros podem punir instituições financeiras nacionais que bloquearem ou confiscarem ativos domésticos em resposta a ordens norte-americanas”, afirma, certamente sem ruborescer: “Esse desvio de finalidade na aplicação da lei coloca até instituições financeiras em uma situação difícil.” Tão poucas vezes vi uma chantagem tão explícita; beira o deboche. Podemos encontrar o mesmo tom sarcástico em um comentário de Dino, tentando desvincular a perda de R$ 42 bilhões em valor de mercado de bancos brasileiro de sua ação de blindagem: “Não sabia que eu era tão poderoso”. Eles veem graça em seu arbítrio e nós somos a piada.
Aos tolos e lambe-botas que se escondem atrás de editoriais patéticos, disfarçando sua covardia com uma suposta aura democrática, e que, vez ou outra, quando tecem uma de suas raras e modestas críticas à juristocracia consolidada, clamam por “recuos” dos togados, aí está o recuo de vocês. Diferentemente do tarifaço imposto por Trump, a Lei Magnitsky tem aplicação e consequências individuais. Não obstante, com a operação, certamente mancomunada nos bastidores do STF, Dino transferiu um revés particular do ministro Moraes para toda a nação brasileira. Ao menos parte da suprema corte está disposta a arruinar a economia brasileira para proteger Moraes ou, melhor dizendo, para se proteger. Eis aí seus “corajosos” salvadores da democracia, que não hesitam em usar toda uma nação, já tão maculada por sua proverbial miséria, de escudo.
Fontes:
https://www.gazetadopovo.com.br/economia/bancos-vao-ter-de-optar-entre-atender-a-determinacao-de-dino-ou-cumprir-a-magnitsky/
https://www.gazetadopovo.com.br/republica/dino-discordancia-lei-magnitsky-impede-sancoes-estrangeiras-brasileiros/
https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/moraes-diz-que-bancos-brasileiros-poderao-ser-punidos-caso-cumpram-sancoes-dos-eua,8d779d1b88b43e54bef4296bf53915849a0uo00q.html
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/dino-rebate-criticas-e-ironiza-mercado-supremo-que-fixa-valor-de-acao/
https://www.cnnbrasil.com.br/economia/mercado/bancos-perdem-quase-r-42-bi-em-valor-de-mercado-com-temor-de-lei-magnitsky/