Trump e tarifas: uma análise de Rainer Zitelmann

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Esta entrevista foi conduzida por Thomas Mahler e publicada originalmente no jornal francês L’Express.

No início do ano, você defendeu que deveríamos tentar ter uma visão justa e equilibrada sobre Donald Trump, explicando que você mesmo nutria uma opinião dividida a seu respeito. Mas o quão desastrosa foi sua decisão histórica sobre tarifas?

Zitelmann: Sempre estive entre aqueles que, embora críticos de Trump, também reconhecem que ele fez algumas coisas positivas. Acho que o que ele fez com Elon Musk – por exemplo, abolindo a USAID sem sentido e reduzindo o aparato governamental excessivamente grande – foi algo bom. Por outro lado, sua postura em relação à Ucrânia e suas políticas protecionistas de tarifas são um desastre. No momento, os aspectos negativos da presidência de Trump superam em muito os positivos.

Quais serão as consequências econômicas para os EUA? Isso não permitirá que o país se reindustrialize, como Trump afirma?

Zitelmann: Não, não existe nenhum exemplo na história humana de um país se tornar próspero através do protecionismo, mas há muitos exemplos de políticas protecionistas que arruinaram países. Quando Trump diz que “tarifa” é a palavra mais bonita do dicionário, isso é tão ridículo quanto alguém dizer que “impostos” é a palavra mais bonita. O foco de Trump nos desequilíbrios de balança comercial vai contra os princípios defendidos pelo renomado economista Adam Smith. E Milton Friedman, outro grande economista, certa vez disse: “Chamamos de tarifa uma medida protetiva. Ela protege: protege o consumidor muito bem de uma coisa. Ela protege o consumidor contra preços baixos.”

Como você explica que o Partido Republicano, que, sob Ronald Reagan, era fortemente a favor do livre mercado e contrário às tarifas, se transformou nesse partido protecionista?

Zitelmann: O protecionismo é produto de um patriotismo mal orientado. Reagan era um verdadeiro patriota. Para mim, ele foi o melhor presidente dos últimos 100 anos, incomparável a Trump. Ele possuía uma abordagem clara baseada no mercado, algo que Trump não tem. Infelizmente, os defensores do capitalismo têm estado em posição defensiva nos últimos 20 anos – e o anticapitalismo não se restringe à esquerda política, existindo também na direita, como vocês na França bem sabem.

Trump claramente enxerga o mundo como um jogo de soma zero. O quão equivocada é essa visão?

Zitelmann: É exatamente isso. Trump adota essa crença primitiva do jogo de soma zero, que é, na verdade, um dos pilares da ideologia anticapitalista — a ideia de que o ganho de uma pessoa representa necessariamente a perda de outra. Ao longo de sua vida, Trump culpou repetidamente outros países pelos problemas econômicos dos Estados Unidos. Antes era o Japão, agora são a China e a Alemanha. Curiosamente, esse tipo de mentalidade de vitimização e tendência a culpar terceiros é algo muito típico da esquerda política.

Trump foi visto como “pró-mercado” nas primeiras semanas de seu segundo mandato, mas Wall Street teve seu pior dia desde a pandemia de Covid-19. Há também rumores de que Elon Musk deixará o DOGE depois de perder 100 bilhões de dólares em três meses. Já é o fim do romance entre Trump e o setor empresarial ou os círculos econômicos?

Zitelmann: Nunca acreditei que a aliança entre Musk e Trump duraria. Musk é cem vezes mais inteligente e mil vezes mais bem-sucedido como empreendedor do que Trump. Alguém como Musk nunca vai se submeter a alguém como Trump. Quanto a Trump: durante seu primeiro mandato, ele fez coisas realmente boas, como reduzir impostos e desregulamentar. Mesmo agora, ele ainda faz algumas coisas boas, ao lado de outras totalmente absurdas. Mas é difícil manter uma posição equilibrada sobre Trump, porque seus apoiadores o idolatram como um deus e não aceitam críticas, enquanto seus críticos o demonizam e não aceitam uma palavra positiva. Então, com a minha posição, fico entre a cruz e a espada.

O que outros países, especialmente a Europa, deveriam fazer diante da guerra comercial de Trump?

Zitelmann: Eles não deveriam ameaçar com retaliações. A União Europeia atualmente impõe tarifas que somam cerca de 23 bilhões de euros por ano. Se quiser realmente fazer algo em prol do livre comércio, deveria começar eliminando suas próprias tarifas e deveria, enfim, abandonar essas ideias absurdas de economia planejada, como a proibição dos motores a combustão, a lei das cadeias de suprimentos, entre outras. Essas políticas causam mais danos à economia europeia do que as políticas tarifárias malucas de Trump.

Seu último livro, How Nations Escape Poverty, analisou o milagre econômico do Vietnã. Qual foi a importância do livre comércio nesse crescimento impressionante? E o país pagará o preço da guerra comercial de Trump, sendo um dos principais alvos, com uma tarifa de 46%?

Zitelmann: O Vietnã tem mais acordos de livre comércio com outros países do que quase qualquer outra nação do mundo. O Vietnã é um exemplo brilhante dos benefícios do livre comércio. Na década de 1990, o Vietnã era o país mais pobre do mundo, com um PIB per capita de 98 dólares. Naquela época, 80% da população vietnamita vivia na pobreza. Depois, o país introduziu o direito à propriedade privada, implementou reformas orientadas ao mercado e abriu sua economia a investidores estrangeiros. Como resultado, a proporção de pessoas vivendo na pobreza caiu de 80% para 3%. Para um país como o Vietnã, que depende fortemente do livre comércio, as medidas de Trump são extremamente prejudiciais. No entanto, o Vietnã reagiu da forma certa e se dispôs a reduzir suas próprias tarifas a 0%. É exatamente assim que todos os países deveriam reagir — em vez de entrar em uma guerra comercial.

Você visitou a Argentina várias vezes nos últimos anos. Javier Milei está tendo sucesso com sua “terapia de choque”? A taxa de pobreza caiu para 38% no segundo semestre de 2024…

Zitelmann: Neste momento, Milei é o maior político do planeta. Cem anos atrás, a Argentina era um dos países mais ricos do mundo, mas os estatistas a arruinaram. Agora, Milei está avançando de forma notável. A inflação caiu drasticamente, e a pobreza também está diminuindo. Mas seria um grande erro acreditar que, a partir de agora, tudo só pode melhorar. O povo argentino precisa ter paciência, pois outra fase difícil pode estar por vir. Milei não pode consertar décadas de destruição em apenas dois anos. Espero que os cidadãos argentinos entendam isso e tenham paciência.

As pessoas frequentemente comparam Milei a Trump, sendo o primeiro o “presidente favorito” do momento. Mas, do ponto de vista econômico, suas políticas são realmente comparáveis?

Zitelmann: Isso acontece porque ambos são gênios da autopromoção, especialistas em marketing, cujos discursos podem parecer semelhantes para um observador superficial. Mas Trump e Milei são muito diferentes. Milei é um homem muito culto e tem uma base econômica bem definida. Ele é um economista muito inteligente. Trump não lê livros — provavelmente nem os próprios, que são escritos por ghostwriters. Ele prefere assistir à luta livre na TV a ler um livro. Além disso, não tem convicções políticas ou econômicas fundamentais, a não ser a de que ele é o maioral e quer o máximo de poder possível. Trump é um maquiavélico sem convicções internas reais; Milei é o oposto disso.

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Rainer Zitelmann

Rainer Zitelmann

É doutor em História e Sociologia. Ele é autor de 26 livros, lecionou na Universidade Livre de Berlim e foi chefe de seção de um grande jornal da Alemanha. No Brasil, publicou, em parceria com o IL, O Capitalismo não é o problema, é a solução e Em defesa do capitalismo - Desmascarando mitos.

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