“Presidencialismo de Coalizão”, de Sérgio Abranches
Presidencialismo de Coalizão, escrito por Sérgio Abranches, é uma obra que busca compreender a dinâmica política brasileira e os desafios do presidencialismo em uma sociedade profundamente fragmentada. Publicado em 1988, o livro apresenta uma análise detalhada do sistema político do país, marcado pela necessidade constante de formar coalizões partidárias para garantir a governabilidade. Abranches introduz o conceito de “presidencialismo de coalizão” como um modelo distinto do presidencialismo tradicional: ele assegura estabilidade institucional, mas também gera incentivos para práticas clientelistas e para o fortalecimento desproporcional de partidos médios e pequenos, muitas vezes em detrimento de políticas públicas consistentes.
A estrutura do livro é clara e bem organizada, dividida em capítulos que abordam a teoria do presidencialismo, a história política recente do Brasil e as principais consequências práticas desse arranjo. A linguagem, embora acadêmica, permanece acessível, permitindo que leitores com diferentes níveis de familiaridade com política compreendam os conceitos essenciais. Abranches combina teoria com exemplos concretos, o que torna a leitura mais didática e aproxima o conteúdo da realidade brasileira. Mesmo tratando de um tema complexo, o texto evita jargões excessivos e mantém uma argumentação lógica e gradual, o que contribui para uma leitura envolvente.
O ponto central do livro é a tensão entre estabilidade institucional e fragmentação política. Abranches mostra que o presidencialismo brasileiro permite ao Executivo governar sem maioria absoluta no Legislativo, mas, em troca, exige negociações permanentes com um grande número de partidos. Essa necessidade produz um sistema de barganhas políticas que pode garantir governabilidade imediata, mas fragiliza a eficiência administrativa, dispersa prioridades e reduz a coerência das políticas públicas. O autor argumenta que coalizões amplas — muitas vezes sustentadas por interesses particularistas — tendem a enfraquecer a capacidade do Estado de promover reformas profundas, perpetuando desigualdades e a lógica do curto prazo.
Quando o livro é confrontado com a realidade brasileira atual, sua relevância torna-se ainda mais evidente. O modelo de coalizão está presente em todos os níveis do Executivo, marcado por acordos partidários cujo objetivo principal é assegurar apoio político e estabilidade. A liberação de emendas, programas setoriais e nomeações estratégicas ilustram como a lógica do presidencialismo de coalizão molda decisões governamentais. Abranches destaca que a dependência do apoio parlamentar cria um ambiente em que o interesse público frequentemente se subordina a negociações circunstanciais, algo visível nas recentes discussões sobre reformas estruturais, como a tributária e a administrativa, cujos impactos acabam sendo reduzidos pela necessidade de obter consenso político.
Outro ponto importante da obra é a análise do papel dos partidos. O presidencialismo brasileiro incentiva a proliferação de legendas médias e pequenas, que passam a ocupar posições chave nas coalizões. Essa fragmentação fortalece a barganha política e enfraquece a disciplina partidária, criando um ciclo em que a governabilidade depende de concessões contínuas e, muitas vezes, de práticas clientelistas. Para Abranches, essa característica estrutural do sistema político dificulta mudanças profundas e exige do Executivo uma habilidade política permanente.
Abranches também discute a sustentabilidade desse modelo. Embora assegure estabilidade formal, o presidencialismo de coalizão pode gerar instabilidade funcional, pois o governo passa a depender de múltiplos interesses, frequentemente conflitantes. Isso resulta em atrasos nas reformas, impasses em políticas de longo prazo e uma crescente percepção pública de corrupção e ineficiência. Assim, o livro não se limita a descrever o sistema: ele também propõe uma leitura crítica dos limites institucionais e dos incentivos políticos que moldam o comportamento dos atores no Brasil.
A análise de Abranches dialoga com fenômenos contemporâneos, como o fortalecimento do Poder Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal. Nos últimos anos, tem-se observado um aumento da judicialização da política, com decisões do STF ocupando espaços que, em tese, deveriam ser resolvidos pelo processo político majoritário. A combinação entre prerrogativas de foro, fragmentação partidária e impasses legislativos desloca disputas significativas para a esfera judicial, criando a percepção de concentração de poder e ampliando debates sobre ativismo judicial e equilíbrio institucional. Esse movimento reforça a tese de Abranches de que, em ambientes políticos fragmentados, outras instituições acabam assumindo papéis centrais, muitas vezes além do previsto originalmente.
Nesse sentido, Presidencialismo de Coalizão é leitura indispensável para quem busca compreender a complexidade do regime político brasileiro e os dilemas que emergem da combinação entre presidencialismo e multipartidarismo. Abranches oferece uma análise teórica robusta, aliada a exemplos concretos da prática política nacional. A obra mostra que a governabilidade no Brasil depende de um equilíbrio delicado entre negociação, concessões e legitimidade, e alerta para o risco de que a busca por estabilidade ocorra às custas da eficiência e da justiça social. Assim, o livro não apenas explica o funcionamento do sistema político, mas também fornece ferramentas críticas para analisar governos, avaliar reformas e refletir sobre alternativas institucionais no cenário contemporâneo.
*Maria Almeida é administradora e contadora formada pelo IBMEC BH, com experiência em consultoria estratégica — processos e finanças — e em gestão da experiência do cliente no mercado financeiro. Atualmente, é head comercial, associada II do IFL-BH e cursa Direito na Faculdade Milton Campos, ampliando sua formação na área jurídica.



