O Chamado da Tribo, de Vargas Llosa

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Publicado em 1960 pelo renomado escritor peruano, Mario Vargas Llosa, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2010, o livro O Chamado da Tribo é um ensaio que destaca sete pensadores europeus que o influenciaram a tornar-se um liberal. Após uma juventude inteira mergulhada nos ideais marxistas, Llosa teve a oportunidade de viver na Inglaterra durante o governo de Margaret Thatcher e, ao admirar-se com a execução do sistema inglês, buscou entender a dinâmica de ideais que estava por trás daquele governo. Os liberais escolhidos foram Adam Smith, José Ortega y Gasset, Friedrich Hayek, Karl Popper, Raymond Aron, Isaiah Berlin e Jean-François Revel. Outro episódio importante na mudança do seu viés politico foi a visita realizada a Cuba em 1962, onde viu a pobreza diante de seus olhos, além de receber uma carta pessoal de Fidel Castro acusando-o de estar a serviço do imperialismo ao tentar defender Padilla, um poeta preso pelo regime de Castro, acusado de ser agente da CIA.

O livro inicia com o pensamento de Adam Smith a partir do livro Teoria dos Sentimentos Morais, em que ele apresenta o conjunto de valores morais que molda o ser humano, partindo da premissa que o homem nasceu com a necessidade de agradar os seus semelhantes e que a bondade e a cooperação são inerentes a ele. Esse ciclo de responsabilidade e moralidade sustenta o progresso. Esse é o sentimento base que sustenta suas demais ações. Seguindo essa obra, em A Riqueza das Nações, Adam Smith consegue consolidar sua visão sob a ótica também econômica, apoiado nos valores de liberdade, propriedade, vida e justiça. Segundo ele, uma sociedade somente será próspera se alcançar esses quatro pilares. Sem propriedade privada, igualdade dos cidadãos perante a lei, rejeição dos privilégios e divisão do trabalho, não há progresso nem justiça. Além disso, a propriedade que cada homem possui, consequente do seu próprio trabalho, deverá ser sagrada e inviolável, pois garante a liberdade individual. A função do estado é apenas garantir esse direito.

O impacto das análises dos ensaios de Ortega y Gasset, partindo do entendimento de sua crítica ao comportamento das massas, fica evidente na formação de opinião de Mario Vargas Llosa. O conceito de “massa” para o espanhol, diferentemente de Marx, é o resultado da perda de liberdade dos indivíduos, pois, a partir dela, os mesmos abrem mão de pensar em si mesmos, aderindo ao domínio do coletivo. A “massa” a que ele se refere abraça transversalmente homens e mulheres de diferentes classes. Nesse contexto, os valores já não são mais individuais e sim universais, abolindo as crenças individuais. Um exemplo próximo disso são os regimes totalitários, como o fascismo e o comunismo. Llosa compreende esse movimento como um retorno ao primitivismo, ou seja, a perda da racionalidade em prol da busca da aceitação pelo grupo, que, na maioria das vezes, apresenta ideias sedutoras que cegam os indivíduos ao ponto de cometerem atrocidades que violam a dignidade humana. O terceiro autor foi Hayek, o famoso austríaco, que conseguiu traduzir as ideias de Adam Smith em uma teoria econômica ainda mais robusta. Llosa, ao mergulhar nas obras do austríaco, não teve dúvidas quanto ao liberalismo econômico levar à prosperidade enquanto o sistema de classes abafava o crescimento da economia, e, por conseguinte, a evolução social. No livro Arrogância Fatal, Hayek enfatiza bem essa ideia ao enaltecer a capacidade humana de progredir como uma das principais distinções em relação aos demais seres vivos. A progressão, portanto, surge das ordens espontâneas, como a linguagem, a propriedade privada, a moeda, o comércio e o mercado, ou seja, esses fenômenos ocorrem naturalmente mediante a liberdade, a experimentação e a curiosidade humana, que não têm um planejamento central – em contraposição às ideias de Marx. O planejamento e a centralização só poderiam ser alcançados mediante a força, já que são contrários à predisposição humana.

De acordo com os estudos de Karl Popper, Vargas Llosa entende que a verdade existe, porém, nem sempre será absoluta – ela poderá ser provisória até que não seja refutada. A verdade científica não é suprema e absoluta, porém, enquanto tal, merece respeito e tem efeitos concretos. O valor supremo em uma sociedade livre é a crítica aberta, não a afirmação dogmática de que se está certo. O sexto pensador analisado foi Isaiah Berlin, o qual defendia a ideia de que “a responsabilidade, a liberdade de escolha, a tolerância e o pluralismo são, mais que imperativos morais, necessidades práticas para a sobrevivência dos homens”, logo, o direito primário do ser humano é a soberania do uno, ou seja, do indivíduo. Cada qual precisa ser respeitado tal como é, desde que não transcenda a liberdade do terceiro, pois justamente isso forma a sociedade diversa. Para finalizar o elenco de pensadores liberais, menciona-se Jean-François Revel, um francês influenciado pela Escola Austríaca. Revel se caracteriza por defender a liberdade de expressão como um reflexo da liberdade individual. Todos os seres humanos devem ter o direito de expressar suas ideias, sentimentos, desejos e opiniões. Para ele, a desgraça do século XX foi a censura, motivada por doutrinas tirânicas que saíram do papel para a ação sem encontrarem resistência suficiente. Por meio da força, do medo e da censura, corrompeu-se a voz da sociedade.

Posso concluir que O Chamado da Tribo é uma obra atemporal que expõe as ideias de sete pensadores liberais complementares, em que Vargas Llosa mergulha nos estudos e na transição de suas próprias ideias e crenças. O peruano, que viveu um regime socialista e acompanhou a Revolução Cubana, entendeu que, nos livros, as ideias de Marx pareciam convencionais, contudo, caíram por terra quando, na prática, suas elaborações locais esmagavam as sociedades latinas. Não hesitou em buscar conhecimento e alternativas para os países da região, vítimas das ilusões socialistas. O Chamado da Tribo é um breve resumo dessas ideias, em uma espécie de manual do liberalismo que pode guiar até leigos no assunto.

*Bianca Salvadori é associada do IFL-SP.

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