Democracia, o Deus que falhou, de Hoppe – uma resenha

Print Friendly, PDF & Email

A democracia — o “poder do povo” ou o “governo do povo” — é amplamente considerada o sistema político mais equitativo e justo pelos povos do Ocidente, orgulhosos de haverem-se livrado dos antigos regimes monárquicos. De forma provocativa e incisiva, Hans-Hermann Hoppe lança um balde de água fria nesse senso comum em seu livro Democracia, o Deus que falhou (2001). Nesta obra seminal da filosofia política libertária, o pensador germano-americano desconstrói diversos mitos que divinizam a democracia. Hoppe argumenta não apenas que a suposta “justiça democrática” é, na verdade, um “Deus que falhou”, mas também que a monarquia poderia superar a democracia na promoção do bem social. Sua análise culmina na conclusão de que o tão exaltado “poder do povo” é progressivamente corroído quando o monopólio da coerção é entregue a ídolos (reis, presidentes, ministros), pois estes, munidos de poder para legislar e tributar, inevitavelmente agem para restringir o real poder dos indivíduos — o de autodefesa e cooperação —, elementos fundamentais para a ordem, a prosperidade e a paz social.

Hoppe inicia sua argumentação questionando a crença de que a democracia é intrinsecamente superior à monarquia. Nos capítulos iniciais, ele apresenta, em um sólido revisionismo histórico, o “processo de descivilização” (Cap. I) provocado pela erosão da “ordem natural” (Cap. II) ao longo dos séculos. Segundo sua tese, sob a monarquia, o governante, na condição de “dono” do Estado, tem incentivos para preservar o valor de longo prazo de seu domínio — assim como um proprietário cuida de sua própria terra. Já na democracia, os governantes são temporários e, sem vínculo pessoal com o futuro do Estado, tendem a explorar os recursos públicos para ganhos imediatos. Em suma, “sob o ponto de vista daqueles que preferem menos exploração a mais exploração […], a transição histórica da monarquia para a democracia representa, na verdade, um declínio civilizatório — e não um progresso” (p.101).

Hoppe segue apontando as incoerências do “governo do povo”, lembrando que, em condições normais, o povo é afastado das decisões cruciais da sociedade, tomadas por uma elite política. Essa elite, monopolista da força e da lei, é incentivada a maximizar a utilidade do aparato estatal para expandir seu poder e riqueza, frequentemente às custas da liberdade individual. A democracia, nesse sentido, não entrega o prometido “poder do povo” — antes, consolida um poder oligárquico, concentrado em poucos, que se perpetua por meio de promessas eleitorais e manipulação midiática. Diante desse quadro, Hoppe sustenta que cabe às elites liberais e libertárias — autores independentes e institutos privados — promover a “deslegitimação” (Cap. III) dos regimes estatais, demonstrando que sua suposta virtude consiste, na verdade, em uma “fraude intelectual” (p.126).

Outro ponto central do livro é o impacto da democracia sobre o horizonte temporal das sociedades. Hoppe argumenta que a democracia instaura uma mentalidade imediatista, tanto entre governantes quanto entre cidadãos. Eleitores, cientes de que seu voto individual tem pouco impacto, tendem a apoiar políticas que oferecem benefícios imediatos, ainda que insustentáveis no longo prazo. Governantes, por sua vez, priorizam medidas populistas para garantir a reeleição, negligenciando a estabilidade futura. Essa dinâmica, segundo Hoppe, conduz a sociedade a eventos catastróficos: a destruição da propriedade (Cap. IV), a perda do direito natural de secessão (Cap. V), a tendência crescente dos governos democráticos ao autoritarismo de tipo socialista (Cap. VI), políticas artificiais de integração forçada (Cap. VII) e restrições recorrentes ao livre comércio (Cap. VIII) e à cooperação voluntária (Cap. IX). Paradoxalmente, a democracia termina por enfraquecer o próprio povo que deveria empoderar.

A crítica de Hoppe se estende à noção de igualdade, um dos pilares da retórica democrática. Ele sustenta que as políticas redistributivas penalizam os indivíduos produtivos para beneficiar grupos politicamente favorecidos, gerando ressentimento e ineficiência econômica. A verdadeira igualdade, afirma o autor, só pode ser alcançada em um sistema no qual os indivíduos sejam livres para agir sem coerção estatal — algo que a democracia, com seu monopólio da força, não é capaz de oferecer. Quanto aos menos favorecidos, esclarece que o “assistencialismo deve ser reconhecido como uma questão exclusiva das famílias” (p.222).

Inspirado pelo jusnaturalismo e, especialmente, pela ética libertária de Murray Rothbard, o autor defende um sistema de “ordem natural”, no qual segurança e justiça seriam providas por mercados livres e associações voluntárias. Embora utópica para alguns, essa visão é apresentada com rigor lógico e desafia o leitor a imaginar uma sociedade sem coerção estatal. Para a construção de um tópos ético e condizente com a natureza humana, Hoppe dedica os últimos capítulos à proposta de uma atuação harmônica entre conservadorismo e libertarianismo (Cap. X), argumentando que nada é mais conservador do que “alguém que acredita na existência de uma ordem natural” (p.223) e que a relação entre ambos os movimentos “é de compatibilidade praxeológica, complementaridade sociológica e reforço recíproco” (p.238).

Como incentivo à união de forças, Hoppe examina os erros do liberalismo clássico (Cap. XI), base do pensamento econômico conservador, e cita o exemplo dos EUA, que falharam em preservar o espírito do “Estado limitado” concebido pelos pais fundadores. Esse ideal, valorizado pelos conservadores norte-americanos, foi traído por uma democracia que se tornou abusiva na cobrança de impostos, irresponsável no intervencionismo econômico, despudorada na centralização de poder e imoral em sua hiperatividade bélica. Diante da recorrente justificativa liberal e conservadora de que o gigantismo estatal garante segurança, Hoppe adverte que “o monopólio da jurisdição inevitavelmente conduzirá a uma deterioração constante e progressiva da qualidade da proteção. Se é possível recorrer somente ao governo por justiça, então ela será distorcida em prol do governo” (p.226).

Nos capítulos finais, Hoppe apresenta a condição fundamental para uma civilização ética: a produção privada de segurança (Cap. XII). A justa segurança, organizada sem imposição de violência, é o único “deus” compatível com a natureza humana, que destrona o “erro implicado na ideia de um Estado protetor” (p.283). Como exemplo prático, Hoppe menciona as agências de seguro e resseguro, que, livremente contratadas, desenvolveriam produtos de segurança e justiça com fortes incentivos para satisfazer a seus clientes — livres para trocar de fornecedor em caso de insatisfação — e interessadas em preservar o poder de autodefesa e de livre escolha de seus usuários, verdadeiros pagadores voluntários. Uma alternativa, segundo o autor, bem mais promissora do que qualquer rei (dito benevolente) ou político democrático poderia oferecer.

Por fim, Hoppe contribui para desmascarar o fracasso inerente ao monopólio estatal da coerção. No contexto político brasileiro contemporâneo — marcado por ciclos eleitorais que fomentam populismo fiscal, centralização autoritária e erosão da autonomia local —, sua obra convida as elites liberais e conservadoras (cada vez mais expressivas, tanto em institutos quanto em comunicadores independentes) a uma aliança pragmática contra o poder estatal. Apesar dos limites impostos pela guerra cultural global, textos como este buscam comunicar ao público geral as ideias libertário-conservadoras da “ordem natural”, incentivando-o a contribuir para uma transição — por meio da educação livre, do associativismo espontâneo e da ação política voltada a reformas liberais — rumo a uma civilização mais próspera e verdadeiramente ética.

*Juliano Gaeschlin é sócio fundador da rede de pães artesanais Oh My Bread!, com presença no norte de SC e Curitiba (PR). É carioca, graduado em Desenho Industrial (UERJ), mestre em Literaturas Hispânicas (UFRJ) e doutor em Literatura Comparada (UFRJ). Mudou-se em 2015 do Rio de Janeiro para Joinville/SC em busca de melhor qualidade de vida; e para equilibrar a atividade intelectual com o empreendedorismo. Atualmente contribui com o Instituto Liderança e Liberdade (ILL) de Joinville para ajudar a formar líderes locais e contribuir com a difusão das ideias da Liberdade na região e no Brasil.

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Instituto Liberal

Instituto Liberal

O Instituto Liberal trabalha para promover a pesquisa, a produção e a divulgação de ideias, teorias e conceitos sobre as vantagens de uma sociedade baseada: no Estado de direito, no plano jurídico; na democracia representativa, no plano político; na economia de mercado, no plano econômico; na descentralização do poder, no plano administrativo.

Deixe uma resposta

Pular para o conteúdo