Anatomia do Estado: Murray Rothbard e o Brasil real
A obra de Murray Rothbard, escrita em 1974, segue sendo atual e provocadora, um exemplo de lucidez atemporal.
Seu ponto central — o desmascaramento do Estado como ente benevolente — mostra-se especialmente relevante no Brasil de hoje. Rothbard apresenta o Estado como um mecanismo de domínio: um grupo que vive à custa de outro, através da coerção legalizada, sustentado por uma teia institucional que o legitima perante a opinião pública.
A ideia difundida de que o Estado existe para proteger os indivíduos e suas propriedades é, segundo ele, histórica e logicamente falsa. Ao contrário: o Estado é o maior agressor contra os indivíduos e seus bens. Essa afirmação ecoa a crítica de Bertrand de Jouvenel, ao dizer que apenas quem desconhece a história do Poder pode imaginar que medidas como estatizações ou impostos sejam produtos de uma doutrina recente. Essas são, na verdade, expressões naturais do apetite de autoridade e da sede por recursos — como foi o confisco dos monastérios por Henrique VIII. O Estado sempre tende a crescer, independentemente da roupagem ideológica.
Com esse crescimento, surge também uma nova classe de beneficiários: burocratas e aliados. Hoje, como ontem, mudam os nomes, mas não a lógica. O Estado se alimenta de sua própria expansão e distribui benesses a quem o fortalece.
Rothbard também mostra como o Estado precisa aparentar virtude para sobreviver. No passado, o direito divino dos reis legitimava suas ações. Hoje, ideais como “justiça social” cumprem o mesmo papel simbólico. O Judiciário, supostamente independente, transforma-se em instância moral suprema. Mas, como o próprio Rothbard afirma — e como se vê no Brasil —, os ministros do Supremo Tribunal Federal são indicados pelo Executivo e aprovados pelo Legislativo, fazendo parte do mesmo aparelho estatal que deveriam limitar. O Estado se torna juiz de sua própria causa, traindo o princípio da imparcialidade: um Judiciário que concentra funções, investiga, acusa, julga e ainda determina a execução da pena.
“Pois, embora a aparente independência do judiciário federal tenha desempenhado um papel vital para tornar as suas ações uma virtual Providência Divina para a maioria da população, é também — e cada vez mais — verdade que o judiciário é parte e parcela do aparato governamental e designado pelos ramos legislativo e executivo. Black admite que isso significa que o Estado se tornou juiz de sua própria causa, violando assim um princípio jurídico básico de atingir decisões justas.”
(Capítulo IV – Como o Estado transcende os seus limites)
A cada semana, novas notícias evidenciam essa anatomia em tempo real. Decisões questionáveis do STF vêm sendo apontadas não por cidadãos comuns, mas por juristas experientes, inclusive ex-ministros da própria corte. Há um crescente desconforto com relação a um senso básico de justiça. O que estamos testemunhando é a tentativa de inversão da realidade, onde o discurso do bem serve para encobrir práticas arbitrárias. O que era para ser a última trincheira da legalidade transforma-se, aos olhos de muitos, em instrumento de perseguição e silêncio.
E nós, mesmo conectados, informados, estudando obras como Anatomia do Estado, muitas vezes nos perguntamos: será que estamos mesmo vivendo isso? A dúvida assombra até quem busca entender. Imagine, então, os que não têm acesso a essa leitura e que formam sua visão a partir de uma mídia cada vez mais alinhada ao mesmo projeto de poder. Porque o Estado, em sua essência, não tolera concorrência — não quer cidadãos críticos nem cérebros pensantes. Por isso, limita o acesso ao conhecimento verdadeiro, substituindo educação por adestramento, formando indivíduos que operam dentro do molde funcional que ele próprio desenhou.
O Estado se apresenta como protetor contra o caos: contra criminosos, contra oportunistas, contra os “inimigos da democracia”. Cria o mito do nacionalismo, da tradição, do interesse coletivo como forma de esmagar o indivíduo. Exalta o coletivismo e anula a dissidência. Corta o mal pela raiz.
Como escreveu Rothbard em suas últimas linhas:
“Talvez novos rumos de pesquisa devam ser explorados se quisermos algum dia obter a solução final, bem-sucedida, para a questão do Estado. Certamente, um dos ingredientes indispensáveis de tal solução deve ser a ruptura da aliança entre os intelectuais e o Estado através da criação de centros de pesquisa e educação intelectual independentes do poder estatal… e às vezes contra as universidades estabelecidas.”
*Danielle Ramos é corretora de imóveis, perita avaliadora e apaixonada por cidades, mercado imobiliário e liberdade. Pós-graduada em Incorporações e Negócios Imobiliários, com MBA em Administração e Marketing, atua em Barra Velha (SC), onde integra o Conselho Municipal de Planejamento Urbano e o Núcleo Imobiliário da CDL. Estuda urbanismo como aluna do MBA Cidades Responsivas, com ênfase em Mercado e Desenvolvimento Imobiliário É associada ao Instituto Liderança e Liberdade de Joinville.