A Teoria dos Sentimentos Morais e o liberalismo: uma base ética para a liberdade econômica
O ser humano como agente moral: o “espectador imparcial”
Em A Teoria dos Sentimentos Morais, Adam Smith argumenta que os indivíduos não são movidos exclusivamente por interesses egoístas. Embora reconheça que o amor-próprio é uma força motriz importante, ele sustenta que a convivência social seria impossível se não tivéssemos a capacidade de simpatizar com os sentimentos dos outros. Essa simpatia permite que os indivíduos desenvolvam um “espectador imparcial” interno, uma consciência que julga nossas ações à luz de um ideal de justiça, respeito e decência compartilhados.
Esse conceito é essencial para o liberalismo: se os indivíduos são capazes de se autorregular moralmente, então o Estado não precisa exercer controle absoluto sobre suas vidas. Surge daí a ideia de que a liberdade individual não é apenas desejável, mas possível, porque os indivíduos, em geral, têm a capacidade de agir moralmente mesmo em liberdade.
Moralidade e ordem espontânea
Outro ponto fundamental que conecta A Teoria dos Sentimentos Morais ao liberalismo é a ideia de ordem espontânea. Para Smith, a moralidade e as regras sociais não precisam ser impostas por um soberano ou por uma autoridade central; elas emergem do convívio humano, da interação constante entre indivíduos que observam, julgam e ajustam seus comportamentos em busca de aprovação mútua.
Esse mesmo princípio é aplicado por Smith à economia em A Riqueza das Nações: o mercado, quando livre, se organiza de forma eficiente sem a necessidade de uma direção central graças à “mão invisível”. A conexão entre os dois livros é clara: uma sociedade liberal é viável porque, tanto no plano moral quanto no plano econômico, há mecanismos espontâneos de autorregulação.
A confiança como fundamento da liberdade
Uma das grandes contribuições de A Teoria dos Sentimentos Morais para o pensamento liberal é a confiança que ela deposita no ser humano. Diferente de correntes autoritárias que partem da ideia de que os indivíduos são incapazes de agir moralmente sem coerção externa, Smith acredita que existe uma base ética intrínseca que guia os comportamentos sociais.
Essa confiança fundamenta a defesa da liberdade: as instituições liberais (como o mercado livre, o Estado de Direito e os direitos individuais) só fazem sentido se acreditarmos que a maioria das pessoas pode viver de forma cooperativa, responsável e ética, o que Smith argumenta com veemência em sua obra moral.
Liberalismo, virtude e responsabilidade
Por fim, A Teoria dos Sentimentos Morais nos lembra de que a liberdade defendida pelo liberalismo não é sinônimo de permissividade ou egoísmo. Ao contrário, ela exige virtude, moderação e responsabilidade. Um liberalismo verdadeiramente funcional não é apenas um sistema de leis ou incentivos econômicos, mas um ambiente no qual indivíduos livres se responsabilizam por suas escolhas, respeitam os outros e cultivam virtudes cívicas.
Nesse sentido, a obra moral de Adam Smith se apresenta como um complemento indispensável ao seu pensamento econômico: ela oferece o suporte ético e psicológico para uma sociedade baseada na liberdade.
Conclusão
A conexão entre A Teoria dos Sentimentos Morais e o liberalismo é profunda e frequentemente negligenciada. Longe de ser apenas um precursor da economia moderna, Adam Smith foi um filósofo moral que acreditava na capacidade humana de agir com empatia, justiça e decência em um ambiente de liberdade.
Ao entender isso, vemos que o liberalismo clássico não se baseia em um ideal frio de “homo economicus” egoísta, mas sim em uma visão rica e complexa do ser humano, capaz de construir uma ordem social livre, mas também justa e moralmente sustentada.
*Isaías Fonseca é associado I do Instituto de Formação de Líderes de Belo Horizonte.