Tamanho do Estado e corrupção

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“O Brasil não é um país sério.” “Se essa terra fosse decente, um escândalo como esse não aconteceria.” “Se não fôssemos uma república bananeira, os responsáveis por tantos episódios de corrupção estariam presos.” “Somos mesmo o país da impunidade.” Quem não está acostumado a ouvir afirmações como essas? Elas retratam reações genuínas e legítimas de espanto, frustração, decepção e desabafo.

Nos últimos dias, e com todos os motivos, essa insatisfação tem se manifestado com bastante intensidade em razão de dois episódios lamentáveis. O primeiro foi o roubo de mais de R$ 6 bilhões perpetrado por sindicatos contra aposentados e pensionistas, sem uma resposta convincente das autoridades. A troca que o governo fez no Ministério da Previdência foi para inglês ver, uma simples substituição do número 1 pelo número 2 da mesma estrutura carcomida.

O segundo episódio, no início desta semana, foi a espantosa revelação da Auditoria do Tribunal de Contas da União de mais um escândalo no INSS. Milhares de aposentados foram lesados por empréstimos consignados — que nunca solicitaram — em um esquema que ascende a inacreditáveis R$ 90 bilhões em fraudes. De novo, o governo cruzou os braços em vez de demitir toda a cúpula do ministério, devolver imediatamente o dinheiro aos lesados e ordenar uma investigação.

Em cerca de uma semana, o prontuário do mesmo grupo político responsável pelo “Mensalão” e pelo “Petrolão” engordou com mais dois escândalos, tão ou mais graves. A malícia popular já os está apelidando de “Aposentão” e “Consignadão”.

A grande maioria da nossa população é de pessoas honestas. A insatisfação do brasileiro-padrão com a corrupção sempre existiu, nunca deixou de ser manifestada. Um exemplo disso foi o extraordinário apoio popular à Operação Lava Jato, que pela primeira vez na história colocou na cadeia dezenas de ladrões de recursos públicos. O inacreditável esvaziamento daquela operação, com a “descondenação” e a soltura de várias pessoas comprovadamente corruptas, certamente é um dos motivos de desencanto do brasileiro- padrão com o seu país.

Pessoas é que são corruptas

A verdade é que “o Brasil” não tem culpa de nada. O país não tem como ser bagunçado ou arrumado, indecente ou decente, vagabundo ou operoso, licencioso ou regrado, esbanjador ou austero, corrupto ou honesto. Simplesmente porque todos esses atributos — os bons e os maus — são exclusivos de pessoas, nunca de países, cidades e continentes. Mesmo se todos os habitantes de um país, cidade ou continente forem corruptos, não poderemos dizer que esse país, cidade ou continente “é corrupto”, porque somente indivíduos o podem ser.

Portanto, a impunidade geral que vem prevalecendo no Brasil não pode ser atribuída ao país. Indivíduos são os legisladores responsáveis por leis inadequadas, os juízes que eventualmente as interpretam, os intelectuais que romantizam o crime, e os jornalistas que agem como defensores de um governo medíocre.

Vivendo na segunda realidade

A corrupção é apenas uma das diversas manifestações de um mal maior, de uma doença mais profunda – a devastação nos princípios, valores e instituições que caracterizam uma sociedade livre e virtuosa, provocada pelo relativismo moral. À medida que se afasta dos valores transcendentais e da tradição herdada de gerações passadas, a civilização moderna está assumindo a própria desumanização.

A questão fundamental a ser enfrentada pelos que desejam a reversão do quadro de deterioração política, econômica e cultural em que está mergulhada a civilização é de natureza essencialmente moral. Os paradigmas da política e da economia precisam ser mudados radicalmente, mas isso só poderá dar resultados se as mudanças respeitarem o que a tradição da transcendência sempre ensinou.

Ou fazemos isso ou continuaremos assistindo, aparentemente impotentes, à inversão completa de valores. Nas palavras do filósofo alemão Eric Voegelin (1901-1985), o Ocidente está vivendo na segunda realidade. Em termos atuais, as pessoas estão vivendo de narrativas, e não de fatos. E sabemos como esse alheamento é perigoso, uma vez que foi exatamente ele que permitiu a ascensão de uma aberração como o nazismo.

Tamanho do Estado e imoralismo

Na economia, em especial, é preciso destacar a contribuição negativa do intervencionismo, em suas diversas formas, desde o socialismo mais radical até o keynesianismo tucano, para esse processo de alheamento da realidade. O intervencionismo, com o agigantamento do Estado que acarreta, é um dos elementos alimentadores da corrupção, ao lado das más leis e da baixa probabilidade de punição de delitos. Aguça, além disso, o processo de desumanização do homem e da falta de sentido de uma existência divorciada de Deus. A culpa da corrupção não é do “Brasil”, é desse processo de desumanização, dessa marcha insensata para a segunda realidade.

Suponha que um pai, desde a mais tenra idade de seus filhos, ensine-lhes a gastar tudo e até mais do que ganharem; incuta em suas cabeças que o hábito de poupar é um vício abominável; recomende que contrair dívidas é uma virtude louvável; quando estiver à beira da morte, os chame e lhes diga que deixa para eles um enorme buraco financeiro. Certamente, um sujeito assim seria imediatamente tachado como irresponsável, perdulário, dissipador, esbanjador, gastador e extravagante. Em termos morais, um péssimo exemplo para os filhos.

E com o Estado não é diferente. O que pouca gente percebe é que, se substituirmos esse pai pelo Estado, nada mais estaremos fazendo do que retratar o estímulo à dívida interna. O intervencionismo é uma defesa pretensamente “científica” do comportamento do pai hipotético do parágrafo anterior. Mais ainda, a ilusão de que os vícios desse pai, do ponto de vista coletivo, não são vícios, mas virtudes. Os “filhos” e “netos” de 2025 estão sendo chamados para pagar as contas que seus “pais” e “avós” imprevidentes, encastelados na Academia, nos jornais e na política, abriram ao longo de pelo menos oito décadas.

Entretanto, é a abordagem econômica que melhor serve aos interesses políticos das elites a que nos referimos anteriormente, por uma simples razão: mais Estado na nossa vida significa mais poder nas mãos desses grupos. Daí o seu empenho em 2022 para trazer de volta quem sempre viveu dessas vantagens, em detrimento de quem não tem meios de se defender de sua sanha exploratória – como os aposentados e pensionistas. E, em geral, os pagadores de impostos.

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Ubiratan Jorge Iorio

Ubiratan Jorge Iorio

É economista, professor e escritor.

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