Quem decide por você? – Liberdade, moralidade e escolhas no mundo contemporâneo

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A pergunta “Quem decide por você?”, tema central do Fórum da Liberdade e Liderança 2025, carrega uma tensão permanente da filosofia política e da ética: até que ponto nossas escolhas são realmente nossas, e quando se tornam determinadas por estruturas externas? Para refletir sobre isso, podemos recorrer a autores de tradições distintas, mas que dialogam de forma fecunda: Friedrich Hayek, expoente do liberalismo econômico moderno; São Tomás de Aquino, filósofo e teólogo medieval; e Santo Antônio de Lisboa, pregador franciscano cuja voz ecoou contra abusos de poder e injustiças sociais.

Hayek e a liberdade ameaçada pela coerção

Para Hayek, a liberdade é, antes de tudo, ausência de coerção. O homem é livre quando pode agir de acordo com seus próprios projetos sem que outros – especialmente o Estado – determinem de forma arbitrária seus caminhos. A espontaneidade da ordem social, construída a partir de escolhas individuais, seria um antídoto contra a centralização de poder dos que decidem em nome da coletividade.

Sua crítica ao socialismo e ao intervencionismo excessivo revela um ponto essencial: quando instituições ou autoridades presumem saber o que é “melhor” para cada pessoa, deslocam a esfera da decisão individual para uma instância superior. É nesse sentido que Hayek poderia responder à pergunta “Quem decide por você?” com um alerta: quanto mais poder concentrado, menos autonomia real temos.

Tomás de Aquino: liberdade como ordenação ao bem

Já São Tomás de Aquino amplia o debate, trazendo uma noção mais profunda de liberdade. Para ele, o homem não é livre apenas porque pode escolher; é livre porque pode escolher o bem. A verdadeira liberdade não se reduz à ausência de coerção externa, mas se cumpre quando a vontade se orienta pela reta razão e pela lei natural.

Nesse ponto, Aquino tensiona a visão de Hayek: se, para o liberal austríaco, o perigo é a coerção estatal, para o filósofo medieval, o risco é a desordem interna, quando o homem confunde liberdade com licenciosidade. Assim, uma sociedade justa exige tanto a proteção contra imposições externas quanto a formação ética que habilita cada pessoa a decidir bem.

Santo Antônio: liberdade e bem social

Santo Antônio de Lisboa, discípulo espiritual de Francisco de Assis, contribui com o debate trazendo a dimensão pastoral e social da liberdade. Seus sermões denunciavam a avareza, a exploração dos pobres e os abusos de autoridades religiosas e civis. Para ele, a verdadeira liderança não era domínio, mas serviço.

Nesse sentido, Santo Antônio insere um elemento prático: a liberdade não é apenas um ideal individual ou filosófico, mas um bem que deve se refletir nas relações sociais. Uma comunidade onde poucos concentram riqueza e poder não promove escolhas livres, mas cria servidão disfarçada. Sua crítica à avareza pode ser aproximada da crítica contemporânea às estruturas que condicionam nossas decisões, como o consumismo massificado e a manipulação por algoritmos digitais.

Convergências e tensões

Colocando esses três autores em diálogo, vemos uma articulação interessante:

Hayek nos adverte contra a coerção externa, sobretudo do Estado. Tomás de Aquino nos mostra que a liberdade exige ordenação ao bem e não apenas ausência de impedimentos. Santo Antônio traduz essa ética em prática social, denunciando as forças que limitam a liberdade dos mais vulneráveis.

Há convergências evidentes: todos reconhecem que a dignidade humana exige espaço real para o exercício da vontade. Mas há tensões: Hayek confia no mercado como ambiente de escolhas, enquanto Tomás e Antônio alertam que a liberdade pode ser corrompida tanto por vícios internos quanto por estruturas injustas.

Exemplos contemporâneos

Esse debate ganha atualidade quando pensamos em como nossas escolhas são moldadas hoje. Algoritmos de redes sociais filtram conteúdos e influenciam nossas percepções políticas e culturais; inteligências artificiais oferecem soluções prontas, reduzindo nossa autonomia reflexiva; o consumismo digital cria desejos fabricados, levando-nos a acreditar que decidimos, quando, na prática, seguimos fluxos induzidos.

Nesse cenário, a pergunta “Quem decide por você?” não é apenas uma provocação acadêmica, mas um alerta existencial: nossas escolhas correm o risco de serem terceirizadas a sistemas invisíveis tanto quanto antes poderiam ser ao Estado ou às elites econômicas.

Conclusão

A liberdade, portanto, não pode ser entendida em apenas um registro. Com Hayek, aprendemos a valorizar a autonomia contra coerções externas; com Tomás de Aquino, compreendemos que só há liberdade plena quando orientada ao bem; com Santo Antônio, recordamos que a liberdade precisa se traduzir em bem social e em combate às estruturas que oprimem.

Responder à pergunta “Quem decide por você?” é reconhecer que a decisão é, em última instância, nossa, mas ela só será verdadeiramente livre se não for sequestrada por poderes externos, nem corrompida por vícios internos, nem anulada por desigualdades sociais.

A liberdade, afinal, é tanto um dom quanto uma responsabilidade.

*Victoria Duarte Brito é associada do IFL-Brasília.

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