Quando governar virou performance
Não sou nenhum iluminado, mas também não me formei no balcão do boteco nem sou especialista em “papo de bar”. Fiz duas graduações — Comércio Exterior e Administração —, pós-graduação na PUC, na ESPM, na FGV do Rio. Mestrado e doutorado em Administração na UFRGS. Estudei, sim. Muita pestana em cima de livros. E trabalhei. Muito. São quase 30 anos de experiência executiva em cargos de liderança e mais de 35 anos como professor. Lidei com prazos reais, problemas reais, gente de carne e osso. Na realidade pragmática, espremido pelo tempo, não basta fazer “acontecer”; é preciso entregar resultado — senão, dança-se.
Mas, em terras verde-amarelas, isso parece cada vez mais um defeito. Evidente que o exemplo vem de cima. Um presidente orgulhoso por nunca ter frequentado escola e cuja concordância verbal, de tão popular, beira o vandalismo gramatical. Em muitos contextos o “jeitinho brasileiro” parece que virou método de governo. E o “do povo”, esse ente mitológico, é o protagonista absoluto. Aqui, grande parte dos militantes do governo admira o sujeito que pouco leu — mas sente. A República das Sensações. Governa-se com base em palpites ideológicos.
E pasme: a principal conselheira da República é a esposa do presidente. Sim, Janja. Mas… quem é Janja? Militante de Instagram? Evita de rede social? Posa de povo, vive de palácio. A primeira-dama adota uma comunicação pública marcada mais por frases de efeito do que por conteúdo programático — o que ilustra a teatralização da política. Sua especialidade? Repetir clichês com ar de indignação performática. Governa por Twitter e bastidores — como se o Brasil fosse uma extensão da conta oficial dela. Hoje, o Brasil é dirigido por quem não tolera ideias divergentes. O sujeito que estuda, trabalha e pensa é visto como ameaça. O esforço intelectual virou sinal de arrogância. O mérito, um crime de classe.
Não defendo a academia com romantismo. Sei que há doutores que vivem na bolha do ineditismo irrelevante — artigos que ninguém lê, temas que não interessam a ninguém fora da bolha. Há, claro, exageros tanto na academia quanto na política, mas é preocupante quando o desprezo pela qualificação se torna norma. Então, por que os bons não governam? Porque não têm estômago. Quem tem alguma seriedade olha para aquilo e sente náusea. A performance histérica e a incompetência triunfam.
Exemplo? Dias Toffoli, ministro do STF, reprovou duas vezes no exame da OAB — e foi premiado com a chefia da Advocacia-Geral da União, depois com uma toga vitalícia. Nomeado pelo atual Presidente. Mérito técnico? Isso aqui é Brasil. Esse histórico levanta questionamentos sobre os critérios técnicos adotados em nomeações que moldam o futuro institucional do país. Enquanto isso, os “bons” seguem ocupados demais mantendo o país de pé — apesar do governo. Empreendem, ensinam, criam, empregam. Estão nos bastidores, limpando a sujeira do palco. São os que constroem em silêncio o que o Estado desconstrói em rede nacional.
O Brasil virou uma comédia autoritária mal escrita e encenada com pompa de Shakespeare. Os que estudaram, ralaram e entregaram resultados reais assistem ao espetáculo disfuncional do atual governo — rindo, claro, para não chorar. A república do achismo, da certeza berrada, da incompetência premiada com ministério. E, no centro desse espetáculo tragicômico, está ela: Janja, socióloga de ofício incerto e protagonismo absoluto.
Não se sabe se ela manda, sugere ou apenas encarna — talvez tudo isso junto. O país, hoje, tem uma estética de militância sem profundidade, slogans sem base, causa sem consequência. No Brasil da Janja, governar virou uma performance — e a falta de conhecimento, um programa de governo. Como no bordão do narrador esportivo Geraldo José de Almeida: “o que é isso, minha gente?”.