O socialismo bancário do FGC e o escândalo do Banco Master

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A liquidação extrajudicial do Banco Master pelo Banco Central representa o maior teste da história para o Fundo Garantidor de Créditos (FGC). De acordo com as notícias publicadas, estaríamos falando de mais de um milhão de credores e mais de R$ 40 bilhões em depósitos e títulos elegíveis, gerando o maior acionamento já registrado no país. Esse episódio, diferentemente de crises originadas por choques externos, decorre de um arranjo de incentivos internos que estimula comportamentos imprudentes, anestesia a disciplina de mercado e transfere riscos privados para toda a sociedade.

Entender esse fenômeno exige compreender por que bancos médios e pequenos, como o Master, revelam apetite tão voraz por captação de varejo, oferecendo taxas muito superiores à média. Essa dinâmica decorre diretamente do arcabouço regulatório estabelecido pelos Acordos de Basileia e pelo regime de reservas fracionárias. Sob Basileia, a capacidade de expansão do ativo bancário, especialmente carteiras de crédito e investimentos, depende menos da poupança real disponível e mais da relação entre capital próprio e depósitos captados. Quanto maior o volume de depósitos, maior a capacidade de alavancagem.

No Brasil, deve-se pontuar, a taxa de depósito é relativamente elevada, mas a lógica permanece: cada real captado se transforma em múltiplos de moeda escritural. Dependendo de que tipo de investimento é feito, um real depositado no banco pode gerar ao banco uma alavancagem de quase R$ 7. Para os adeptos da Escola Austríaca de Economia, esse arranjo institucional, baseado na expansão de crédito não lastreada em poupança genuína, cria ciclos artificiais, incentiva alavancagem excessiva e prepara o terreno para rupturas. Assim, bancos como o Master não buscam depósitos apenas para financiar operações cotidianas, mas para multiplicar sua capacidade de expansão, com todas as distorções que isso implica.

A existência do FGC intensifica essa dinâmica ao reduzir a percepção de risco entre investidores. O fundo, criado em 1995 para evitar corridas bancárias e proteger pequenos depositantes, transformou-se silenciosamente em um amortecedor institucional que altera o comportamento de emissores e investidores. A função original, que era fornecer estabilidade em casos isolados, evoluiu para uma garantia quase universal para produtos bancários de varejo. Plataformas de investimento passaram a vender CDBs de instituições pequenas como se fossem equivalentes aos de bancos sólidos, desde que dentro do teto de proteção. Essa mudança sutil corroeu a disciplina de mercado, pois o investidor deixou de precificar risco e passou a precificar apenas remuneração, acreditando que, dentro do limite do FGC, o risco de insolvência foi neutralizado.

O “selinho FGC”

Essa percepção equivocada introduz uma distorção informacional relevante. Uma taxa de juros normalmente sinaliza a saúde financeira de um emissor. Em um cenário de normalidade, o mercado entenderia a agressividade da taxa de juros de um banco como uma probabilidade de dificuldade financeira. Já na “cobertura universal” com teto do FGC, os investidores, privados da sinalização natural do risco, interpretam esse prêmio apenas como uma boa oportunidade de negócios. Assim, o “selinho do FGC” converte-se em uma certificação implícita de segurança e que não reflete a solvência do banco emissor. O resultado é um fenômeno onde bancos robustos enfrentam maior custo de captação que seus concorrentes temerários, invertendo a lógica que deveria predominar em um mercado saudável.

O caso Master sintetiza essa patologia institucional. A instituição cresceu rapidamente amparada por um modelo de captação com taxas muito acima da média, atraindo recursos de varejo com absoluta fragilidade em liquidez e governança. Quando a confiança começou a ruir, o banco já não possuía condições de enfrentar movimentos de resgate e a insolvência tornou-se inevitável.

Esse cenário foi agravado pela relação escusa entre Banco Master e entes públicos como Rioprevidência e Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), que, diferentemente das pessoas físicas, não são cobertos pelo FGC.

O problema agente–principal é central para compreender esse fenômeno. A sociedade (o principal) é proprietária difusa dos recursos do fundo de previdência e da estatal; os gestores (os agentes) administram esses recursos em nome dela. Porém, o principal não consegue monitorar o agente de maneira constante, e o agente não sofre penalização direta pelas consequências de suas decisões erradas. Quando a propriedade é coletiva, o incentivo para vigilância é mínimo, e o incentivo para decisões que maximizam ganhos de curto prazo é maximizado. Assim, aplicar recursos em um banco que oferece taxas muito acima do mercado melhora artificialmente os indicadores de desempenho no curto prazo enquanto o risco de insolvência futura permanece difuso, abstrato e, sobretudo, alheio à esfera de responsabilização do gestor, sem contar a oportunidade de receber comissões ilegais para essa finalidade, gerando corrupção em larga escala.

Tal lógica explica por que decisões que seriam absurdas e imediatamente descartadas por qualquer investidor privado que perderia seu patrimônio tornam-se aceitáveis ou até atraentes para gestores públicos que não enfrentam consequências patrimoniais pessoais e ainda podem obter ganhos ilícitos. Gestores colocam recursos em um banco que claramente remunerava acima da fronteira de risco prudencial porque os ganhos eram imediatos e os custos, caso viessem, seriam transferidos para a massa difusa da sociedade e não para seu próprio bolso.

Assim, o comportamento dos gestores públicos não é um acidente moral, mas uma consequência institucional. Onde não há propriedade individual, não há incentivo para prudência; onde não há punição direta, não há responsabilidade efetiva; onde os custos são socializados, o risco é tomado com leviandade.

FGC e o caso Banco Master

Voltando ao FGC, o custo dessa garantia também é socializado. As contribuições ao Ffndo, aumentadas quando grandes liquidações ocorrem, são custeadas por todas as instituições financeiras que, inevitavelmente, repassam parte desse encargo aos clientes, independentemente de terem ou não investido em bancos temerários. Assim, mesmo quem jamais aplicou no Master contribuirá para pagar a conta.

Paralelamente, os atores não cobertos pelo FGC, como entes públicos e investidores institucionais, enfrentarão perdas substanciais, demonstrando que o modelo atual gera uma assimetria dupla: protege-se o pequeno (como deve ser), mas financia-se essa proteção espalhando o custo por toda a sociedade, enquanto grandes investidores, em especial os entes públicos, sofrem perdas diretas. É um sistema que, paradoxalmente, penaliza tanto o prudente quanto o agressivo, preservando apenas o varejo pouco informado, justamente aquele que deveria ser educado para precificar risco e não poupado de fazê-lo. Esse arranjo configura o que pode ser descrito como uma forma de “socialismo bancário”, com lucros privatizados e prejuízos coletivos. Administradores de bancos imprudentes colhem ganhos durante a fase de expansão, enquanto suas perdas são distribuídas pela sociedade através do FGC e do sistema bancário.

A comparação internacional reforça o diagnóstico. Nos Estados Unidos, discute-se ampliar o limite do FDIC, especialmente para contas corporativas operacionais, de US$ 250 mil para até US$ 10 milhões. Entretanto, muitos economistas alertam que tal expansão pode replicar exatamente as distorções observadas no Brasil.

Daí a necessidade de reformas estruturais. A cobertura do FGC deve ser preservada para depósitos simples e de pequeno valor, mas ser reavaliada para produtos de risco mais elevado. As contribuições ao fundo devem ser moduladas pelo risco real das instituições, penalizando mais severamente bancos com governança fraca, liquidez insuficiente ou alavancagem excessiva. Plataformas que distribuem produtos bancários devem cumprir padrões rígidos de transparência, fornecendo indicadores claros de solvência dos emissores. Mecanismos de absorção interna de perdas devem ser incorporados para evitar que o FGC continue funcionando como amortecedor universal de comportamentos imprudentes.

A liquidação do Banco Master precisa ser um ponto de inflexão sobre o sistema de garantias bancárias do Brasil, bem como os problemas da relação entre gestores públicos e bancos e a própria estrutura de alavancagem do sistema bancário mundial. Se ocorrerá o abandono desse modelo de socialização silenciosa de perdas privadas e substituição por um modelo mais prudente e inteligente de responsabilização pessoal de investidores e gestores públicos, só o tempo dirá.

*Artigo publicado originalmente na Revista Oeste.

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Bernardo Santoro

Bernardo Santoro

Cientista político, advogado, mestre e doutorando em Direito, conselheiro superior do Instituto Liberal e sócio do escritório SMBM Advogados (smbmlaw.com.br).

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