O imposto do crime: reflexões liberais sobre a tributação paralela nas favelas brasileiras
Em muitas comunidades brasileiras, especialmente nas grandes cidades, traficantes e milicianos impõem o que chamam de “impostos” – cobranças sobre comerciantes, moradores e até serviços públicos, como transporte alternativo e distribuição de gás. Esse fenômeno, embora informal, reproduz a lógica de um Estado paralelo que exerce poder coercitivo e extrai riqueza sem legitimidade democrática.
Sob a ótica liberal, tal realidade é o resultado direto da ausência do Estado de Direito, da falência institucional e da hipertrofia estatal em outras áreas. Onde o Estado falha em proteger a lei, outros ocuparão seu lugar. A cobrança de tributos por criminosos, portanto, é um espelho distorcido da própria estrutura estatal, um simulacro de soberania sem liberdade nem justiça.
O Estado ausente e o vácuo de poder
O liberalismo clássico ensina que o Estado deve ter funções limitadas, mas essenciais: garantir a segurança, a propriedade privada e a justiça. Quando o Estado se torna ineficiente em cumprir essas funções básicas, o vácuo é preenchido por poderes paralelos.
Nas favelas, o tráfico de drogas e as milícias assumem a função de “governo local”. Controlam territórios, impõem regras e, sobretudo, cobram tributos. É o que Ludwig von Mises chamaria de “perversão da ordem espontânea”: em vez de uma sociedade regida por contratos livres e respeito à propriedade, emerge uma sociedade regida pela coerção e pelo medo.
Assim, o traficante se torna uma caricatura do Estado: cobra impostos, oferece “proteção” e pune quem não obedece. A diferença é que, enquanto o Estado legítimo deve agir sob a lei, o “Estado paralelo” age sobre a força bruta.
Tributação ilegítima e coerção: dois lados da mesma moeda
A liberdade é ameaçada quando o Estado detém o monopólio da coerção sem restrições legais. No caso das favelas, o monopólio da força foi perdido, e a coerção se fragmentou. O resultado é a multiplicação de “governos” locais, gangues e grupos armados que extraem valor por meio da violência.
Curiosamente, esses “impostos do crime” reproduzem a lógica tributária estatal: cobram pelo uso do espaço, pela atividade econômica e pela “segurança”. Porém, diferentemente dos impostos em uma ordem liberal, que devem financiar serviços públicos e ser limitados por representação política, essas cobranças são puramente predatórias. Elas não visam ao bem comum, mas ao enriquecimento e ao controle territorial.
Hayek observou que “a diferença entre governo e gangue está na legitimidade do direito”. Quando o Estado brasileiro falha em garantir essa legitimidade, seja pela corrupção, seja pela omissão, ele se torna indistinguível, aos olhos do cidadão comum, daqueles que o substituem à força.
A falência do Estado e a urgência de uma ordem liberal
O avanço da tributação criminosa em comunidades pobres não é apenas um problema de segurança pública, mas uma falência institucional e moral. Ao permitir que organizações armadas controlem territórios, o Estado abdica de sua função mais básica: proteger o cidadão e seu direito à propriedade.
A solução liberal não é ampliar o Estado, mas reconstruir o Estado de Direito. Isso significa restaurar a presença legítima das instituições, garantir o livre exercício da atividade econômica e proteger o indivíduo contra qualquer forma de coerção, seja estatal, seja criminosa.
Como escreveu John Locke, “onde não há lei, não há liberdade”. A ausência de lei legítima nas favelas não cria liberdade; cria tirania informal. A reconstrução da ordem deve começar pela devolução da soberania ao cidadão, não pela expansão do poder coercitivo do Estado.
Conclusão
A cobrança de “impostos” por traficantes é o retrato mais cruel de um país onde o Estado se faz ausente onde é necessário e excessivo onde não deveria estar. Trata-se da privatização da coerção, consequência direta da ineficiência estatal e da degradação moral da política.
O liberalismo oferece uma resposta clara: só haverá verdadeira justiça quando o Estado cumprir seu dever básico de garantir segurança, liberdade e propriedade e quando o cidadão não for obrigado a pagar duas vezes pelo direito de viver em paz: uma ao governo, outra ao crime.
*Isaías Fonseca é associado do IFL-Belo Horizonte.



