O cinismo da retórica “democrática”
Marx dizia que a história se repete: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. Estudar o passado é um ato de vigilância e inteligência; compreender fatos históricos e experiências concretas permite que o presente se ilumine pela clareza da experiência e que o futuro seja orientado pelo discernimento do que deve — e do que jamais deve — ser feito. Apenas conhecendo a história podemos antecipar armadilhas do poder, enxergar os sinais da farsa antes que se transformem em tragédia e aprender a distinguir o teatro do real.
A Índia dos anos 70 oferece um exemplo extremo da fragilidade das instituições quando a vontade de um único líder se sobrepõe à lei. Indira Gandhi, ao ter sua eleição invalidada, decretou estado de emergência, suspendeu liberdades civis, censurou a imprensa e encarcerou opositores em massa. Tudo em nome da democracia. O que deveria proteger o povo transformou-se em cárcere; o Estado, em instrumento de coerção pessoal, revelando a perversidade com que o poder se disfarça de legítimo e justo.
No Brasil, desde 2022, a tragédia da Índia se repete sob o verniz sofisticado da farsa. Sob o pretexto de salvar a democracia de uma suposta ameaça autoritária, Lula retornou ao poder, embalado por uma narrativa que pintava o antecessor como inimigo do Estado de Direito. O discurso do golpe tornou-se justificativa universal para medidas de exceção, manipulações jurídicas e perseguições políticas, celebradas como atos de preservação da liberdade enquanto corroíam as estruturas que deveriam protegê-la.
O cinismo é absoluto. Lula se apresenta como guardião da democracia, mas utiliza o conceito como disfarce. O STF, que deveria arbitrar, tornou-se ator político, blindando o governo e legitimando ações, como evidencia a declaração de Barroso: “nós derrotamos o bolsonarismo”. A toga deixou de simbolizar neutralidade e transformou-se em partido, dissolvendo qualquer vestígio de imparcialidade que a população poderia esperar.
O autoritarismo não se limita à perseguição de adversários; busca moldar consciências, domesticar o pensamento e monopolizar narrativas. A regulação das redes sociais é a nova face da censura. O pretexto é nobre: combater a desinformação, preservar a democracia. O efeito é sombrio: sufocar vozes dissidentes, amputar a liberdade de expressão e uniformizar o debate público. A censura, que, na Índia, se aplicava a jornais e rádios, aqui se materializa na remoção de conteúdos digitais, na suspensão de contas e na intimidação de plataformas, revelando um controle moderno, tecnológico e juridicamente revestido.
Esse sistema se sustenta graças a um povo em grande parte iletrado e dependente de migalhas estatais, que vê no governo o salvador. Não é libertação, é manipulação; não é inclusão, mas clientelismo. O “Bolsa Família” transformou-se em Bolsa Tudo, Auxílio Tudo, programas assistencialistas infrutíferos que não emancipam, não educam, não libertam, apenas perpetuam a dependência e consolidam a mentira como política.
O quarto poder, que deveria vigiar e corrigir distorções, tornou-se coadjuvante do governo, transformando-se em partido da mídia oficial, selando a narrativa e garantindo que o disfarce democrático permaneça intacto. É a engrenagem perfeita. Sem a narrativa do golpe, Lula não teria legitimidade; sem a toga militante, não haveria blindagem; sem o controle das consciências e das narrativas, não poderia sustentar o teatro democrático em que atua como protagonista. O mesmo mentiroso contumaz que corroeu instituições e agora se apresenta como defensor da liberdade, manipulando símbolos, discursos e aparências para manter os brasileiros incautos, extasiados e hipnotizados diante do espetáculo da ilusão.
A Índia viveu a tragédia da democracia sequestrada. O Brasil vive sua farsa. A palavra “democracia” é proclamada aos berros, enquanto o poder se concentra, as liberdades se estreitam e o pensamento é policiado. O povo, manipulado e dependente, permanece como plateia; a democracia, mero cenário; o autoritarismo, verdadeiro protagonista – pois tudo que se ergue sobre a ilusão da farsa encontra, inevitavelmente, o chão da tragédia.