fbpx

O Brasil não tem homens de ideias, mas sim escravos de ideias

Print Friendly, PDF & Email

Os maiores problemas que enfrentamos atualmente são os problemas estruturais, isso é: perdemos a consciência de nossas raízes culturais e históricas e morais. A cada dia que passa, mais essa convicção se afirma em minhas análises políticas (HENRIQUE, 2017, P. 523 – 534). Falar em reforma política, em criação ou desmanche de partidos, fundo partidário, maneiras de se formatar as futuras eleições, debater sobre qual o melhor modelo para o Estado, tudo isso é o mesmo que usar Band-Aid para tratar um câncer. O problema no Brasil é mais profundo, é quase que ontológico; como dito acima, nossas aporias envolvem uma mistura de falta de consciência moral, de alta cultura, e de consciência histórica.

Sem uma consciência moral em consonância com a realidade, simplesmente permanecemos inertes num mar de erros — sem sabermos sequer que estamos nesse mar —, ficamos enclausurados em nossas inépcias intelectuais e confusões retóricas; nos tornamos incapazes de decidir se matar um feto é algo correto, se erotizar crianças é algo moral e se um homem que se diz mulher pode frequentar o mesmo banheiro que nossas filhas. Se não conhecemos quais são os fundamentos do certo e do errado, também não sabemos como reagir aos mais simples absurdos postos com ares de normalidade; sem o esclarecimento moral perdemos a capacidade de afirmar o óbvio e passamos a aceitar o bizarro ao mais leve soar da palavra “tolerância”. Enfim, perdemos a capacidade de reprovar o erro e aprovar o acerto, viramos marionetes nas mãos de homens de boa retórica.

Sem a alta cultura não sabemos a qual cosmion político pertencemos, quais são as nossas características territoriais, psicossociais e quais são as constituições elementares de nossas ações inconscientes enquanto povo inserido num éter social; se sequer reconhecemos nossa própria cultura, não saberemos, também, quando ela for destruída, se não sabemos donde vem nossas características seremos incapazes de reagir quando nossa honra for atacada.

Sem a consciência histórica, por sua vez, nos tornamos órfãos num reformatório estranho; sem termos arraigados em nós o elo histórico que nos torna um coletivo unido por um conjunto de tradições, hábitos e rituais, nos sentimos indivíduos jogados a esmo sem nada que nos una historicamente como um povo, nação ou humanidade. Somos átomos perdidos no meio de outros átomos perdidos, somos senhores e senhoras sem parentes e sem lembranças. Não temos honra a defender, pois a honra requer amor ao que herdamos de nossos ancestrais, e sem consciência histórica não somos capazes de herdar nada e nem de conhecer nossos ancestrais; não temos tradições a resguardar, pois a tradição é feita por mil mãos que nos antecederam e, da mesma forma que não somos capazes de reconhecer nossos avós, também não somos capazes de transmitir seus feitos.

Na realidade, sem nossa consciência moral, cultural e histórica somos incapazes de falar em democracia, já que a sociedade onde vigora os princípios democráticos depende do filete moral, cultural e histórico para existir. Todavia, de modo especial devemos salientar, todas as sociedades são feitas de defuntos e nascituros, símbolos perfeitos para ilustrar a consciência histórica como sendo irmã mais velha dos outros pilares citados — moral e cultural. Sem a consciência histórica não nos damos conta da moral na qual estamos inseridos e nem nos sentimos partes das mesmas regras sociais; da mesma maneira que sem ela é totalmente inútil e estéril pregar qualquer alta cultura, já que a alta cultura advém exatamente dos conhecimentos históricos acumulados. A democracia, por fim, depende diretamente da manutenção — nos indivíduos — da noção de continuação histórica, aquilo que Chesterton denominou de “democracia dos mortos” (CHESTERTON, 2013, p. 78). Ou seja, a democracia dos mortos se refere à consciência de que não nasci num mundo amorfo, que eu pertenço a uma espécie, que estou inserido numa cultura e numa moral social; e que, como parte de um todo, também sou responsável pela defesa e manutenção de suas estruturas.

Estou inclinado a acreditar que a perda desses pilares, na modernidade brasileira, se deu pela ascensão desenfreada das ideologias políticas como arquétipos ideais de sociedade perfeita em contraponto à sociedade real. As ideologias políticas oferecem tudo que elencamos acima, todavia as oferecem em forma de falsificações do que é real. Ao invés de oferecerem uma consciência moral, eles oferecem uma “antimoral” que justifica os fins políticos almejados por seus teorizadores não importando quais os meios a serem utilizados para isso. Ao invés de oferecerem uma alta cultura, fruto do desenvolvimento humano durante a história, eles oferecem uma subcultura desconexa da realidade com a intenção de tornar normal o absurdo e desvalorizar a alta cultura que eles consideram um pilar essencial da burguesia opressora. A consciência histórica, por sua vez, deve ser a visão histórica enxergada através dos óculos da ideologia; os fatos históricos passam a ser relatos enviesados através de pressupostos políticos. A história passa ter um motor, e todas as biografias que se ausentam desse modelo interpretativo como explicação inicial para os fatos históricos passam a ser identificados como uma interpretação apócrifa ou anticientífica.

Sob tal estrutura as pessoas deixam de ter contato com a realidade factual e começam a viver numa realidade construída por ideólogos; vivem de pressupostos políticos e não de experiências com o real. Veem e percebem que o céu é azul, todavia começam a questionar suas experiências factuais, pois, seus modelos ideológicos discordam do fato por eles experienciados. Para os marxistas, por exemplo, o que move o pai a comprar uma bola para seu filho é um motor econômico de embate entre proletários e burguesia, para o pai, entretanto, o que o move é tão somente a vontade de satisfazer a expectativa natalesca de seu filho.

A cada passo dado os ideólogos são levados a interpretar o fato segundo a forma política no qual eles foram forjados; assim como para um louco o fato de uma criança andar com os pés dentro das demarcações do paralelepípedo pode significar uma missão secreta dado por algum órgão oficial; os doutrinados não conseguem conceber a realidade por ela mesma. Para esses, qualquer fato corriqueiro pode significar uma tramoia da direita para suprimir o bolsa-família, a bandeira do Japão pode ser o sinal da tomada comunista do Brasil. Parafraseando Chesterton: na modernidade teremos que provar que a grama é verde.

É sob essa aporia ideológica que o Brasil se encontra; não vivemos a partir da realidade factual, aquela que todos percebem e com as suas razões instrumentais tentam equalizar soluções e explanações para os acontecimentos. Vivemos num aquário ideológico, num mundo paralelo criado por teorizadores e por eles sustentados através de suas interpretações unilaterais.

Muitos autores trataram da temática, Chesterton chamou tal fenômeno de “universalidade restrita” (CHESTERTON, 2013, p. 40). Isto é: a incapacidade dos indivíduos de transcenderem suas cercas ideológicas e proporem, a si próprios, respostas que estão ausentes do seu catecismo partidário; de antemão eles adequam a realidade à sua interpretação, ao invés de interpretar a realidade a partir dos fatos que a própria existência nos dá. “O poeta pretende apenas meter a cabeça no Céu, enquanto o lógico se esforça por meter o Céu na cabeça. E é a cabeça que acaba por estourar […]” (CHESTERTON, 2013, p. 37). Para Chesterton o Poeta é aquele que consegue transcender o seu mundinho interpretativo e notar a realidade tal como ela se apresenta; enquanto o lógico é aquele que vê um movimento motorizado em tudo, aquele que não consegue conceber a realidade por ela mesma, tendo que adequá-la e modificá-la sempre na tentativa — quase sempre frustrada — de manter a coerência sua teoria. Ou seja, o lógico para Chesterton é o ideólogo para nós.

Quando partimos para o labo B percebemos que há outro problema corrente no Brasil, aqueles que percebem o problema, notam que sua teoria não fornece uma solução viável e satisfatória, mas ainda sim insistem nela por puro ego ou por vantagens que decorrem da defesa da teoria. Jose Ortega Y Gasset chamou tal atitude de “acanalhamento” (Y GASSET, 2016, p. 222): o ato de aceitar um erro como sendo acerto, alienar sua razão lógica com o fim de perdurar, defender ou tornar imaculada uma interpretação unilateral e ideológica. Como parte do mesmo aparato, Eric Vogelin chamou tal aporia de “sacrificium intellectus” (VOEGELIN, 2013, p. 62), ou seja: o ato de sacrificar a própria capacidade racional de reflexão em função de dogmas e sistemas ideológicos que — apesar de não evidenciar e nem solucionar os problemas — dão aos seus fiéis uma realidade coesa e a sensação de segurança acerca dos problemas a serem tratados.

Os políticos atuais não possuem capacidade de sanar os problemas brasileiros porque são incapazes de transpor suas ideologias políticas e dogmas partidários, são incapazes de saírem de seus aquários e universos restritos. Pensam com as mentes do partido, raciocinam a partir dos moldes ideológicos ensinados por intelectuais que sofrem dos mesmos males que eles. Enfim, somos uma nação que tenta sanar os mesmos problemas se utilizando sempre das mesmas soluções parciais; por serem incapazes de enxergar a origem do problema, por causa de sua miopia ideológica, são também incapazes de acertar na solução. Quando alguns poucos enxergam a origem real do problema, eles alienam as suas consciências à decisão do partido, por covardia, conveniência ou conchavos. E por isso vivemos de reformas superficiais, pois com as reformas nós não tocamos no âmago do problema, não colocamos em risco as interpretações oficiais dos partidos e nem seus conchavos criminosos.

A solução para isso, é aquilo que Eric Voeglin chamou de Anamnese, isto é, uma autorreflexão e rastreio de nossas ideias morais, intelectuais e culturais, perceber quais são os princípios e correntes ideológicas que têm influência sobre nós, e, a partir disso, tornarmo-nos senhores dessas correntes e princípios, e não eles senhores de nós. Em suma, devemos formar novas gerações que possuem arraigados princípios maduros de liberdade, responsabilidade e autocontrole para gerir suas ideias e não ser escravizado por elas. Ludwig von Mises afirmou que: “Ideias, somente ideias, podem iluminar a escuridão (MISES, 2017, p. 213), e é verdade, somente as ideias, pautadas na realidade e estruturadas sob os pilares morais, culturais e históricos, podem trazer luz ao mundo que foi submerso em ideologias e ficções sobre sociedades perfeitas.

Se conseguirmos formar indivíduos que gerenciam as suas ideias, que dominam e não sejam dominados por interpretações e modas intelectuais, aí então estaremos numa sociedade de pessoas aptas a suprirem suas necessidades, criarem novas soluções e consertarem o que foi danificado. Para isso precisamos de pessoas que estejam conscientes da realidade, que já nasçam conscientes da estrutura histórica que o sustenta e que dessa estrutura eles tragam os compromissos, deveres e as esperanças daqueles que o antecederam; serão deles a missão de guardar e transferir, como um cordão umbilical, as características culturais de seu povo e os anseios de sua nação, tudo isso gerido através de balizas morais que tornam minimamente possível a convivência de indivíduos numa mesma polis. O homem de ideias é aquele que mantém em equilíbrio — em si e na sociedade — as ações morais, respeito cultural e honra histórica.

Por enquanto penamos por não termos formados mentes livres, mas sim mentes dependentes e escravas de teorias e ideólogos. Não encontramos soluções para os males políticos, pois não formamos homens capazes de compreender a política fora das polarizações ideológicas. Por isso sempre digo em minhas palestras: foquemos nossos suores e forças nas gerações vindouras caso queiramos um país com homens de ideias ao invés de um país com homens escravos de ideias.

 

Referências:

ALVES, Pedro Henrique. As raízes da corrupção no Brasil. Mises: Revista interdisciplinar de filosofia, direito e economia, Rio de Janeiro, v, IV, n. 2, jul./dez. 2016

CHESTERTON, G. K. Ortodoxia, Campinas: Ecclesiae, 2013

MISES, Ludwig von. As seis lições: reflexões sobre política econômica para hoje e amanhã, 8ª Ed, LVM: São Paulo, 2017

VOEGELIN, Eric. Idade média tardia, É realizações: São Paulo, 2013

Y GASSET, José Ortega. A rebelião das massas, 5ª Ed, Vide Editorial: Campinas, 2016

 

Faça uma doação para o Instituto Liberal. Realize um PIX com o valor que desejar. Você poderá copiar a chave PIX ou escanear o QR Code abaixo:

Copie a chave PIX do IL:

28.014.876/0001-06

Escaneie o QR Code abaixo:

Pedro Henrique Alves

Pedro Henrique Alves

Filósofo, colunista do Instituto Liberal, ensaísta do Jornal Gazeta do Povo e editor na LVM Editora.

Pular para o conteúdo