O Brasil e a lógica do um contra trinta
A história demonstra que o progresso raramente nasce do consenso. Em geral, ele surge quando uma voz isolada desafia trinta que repetem a mesma ideia sem questionamento. Galileu, no século XVII, enfrentou a unanimidade que dizia que a Terra era o centro do universo. Bastiat, no século XIX, escreveu contra o protecionismo que dominava a França, prevendo os danos do intervencionismo estatal. Milton Friedman, em meados do século XX, sustentou a defesa do livre mercado em um mundo que acreditava no planejamento centralizado. A realidade é que a verdade e a prosperidade costumam começar no “um contra trinta”.
Na política e na economia, a pressão da maioria frequentemente legitima medidas que parecem populares, mas que corroem a liberdade individual. Entretanto, trinta vozes exigem mais impostos sobre grandes empresas, enquanto apenas uma alerta que, no fim, quem paga essa conta é toda a sociedade, seja em preços mais altos, menor competitividade ou desemprego. Trinta podem exigir subsídios para setores específicos, enquanto apenas uma insiste que “não existe almoço grátis” e que cada centavo de incentivo governamental sai do bolso do contribuinte.
Os números comprovam esse raciocínio. O Índice de Liberdade Econômica de 2023, publicado pela Heritage Foundation, mostra que os países no topo do ranking, como Singapura e Suíça, possuem PIB per capita até quatro vezes maior que a média global. Já as nações que insistem em políticas de forte intervenção estatal, mesmo com amplo apoio popular, enfrentam estagnação. A Venezuela é o exemplo mais recente: durante anos, a maioria apoiou controles de preços e expropriações, mas o resultado foi uma economia destruída e milhões de cidadãos emigrando para sobreviver.
No Brasil, a lógica do “um contra trinta” também é visível. O país ocupa a 127ª posição no Índice de Liberdade Econômica, atrás de Chile (22ª) e Colômbia (62ª). A carga tributária brasileira representa 33% do PIB, mas os serviços públicos entregues não correspondem a esse peso. O relatório Doing Business do Banco Mundial revela que uma empresa brasileira gasta em média 1.500 horas por ano apenas para cumprir obrigações fiscais contra uma média de 160 horas nos países da OCDE. Mesmo assim, o discurso majoritário segue pedindo mais intervenção estatal.
Outro exemplo claro está nas reformas. A Reforma da Previdência, aprovada em 2019, foi amplamente criticada e combatida por sindicatos e movimentos populares. No entanto, economistas independentes alertavam há décadas que o modelo era insustentável e que, sem ajustes, o déficit explodiria. O resultado da reforma não foi um corte de direitos, como pregavam os 30, mas a preservação da viabilidade do sistema para milhões de brasileiros, conforme relatado pelo Tesouro Nacional, que estima economia de R$ 800 bilhões em 10 anos.
O mesmo acontece no debate sobre privatizações. Enquanto a maioria insiste em manter empresas estatais em setores competitivos, dados do Ipea mostram que estatais federais custaram mais de R$ 15 bilhões aos cofres públicos apenas em aportes de capital e subsídios entre 2015 e 2020. Quem defende privatizações, muitas vezes voz minoritária, argumenta com dados de eficiência: empresas privatizadas, como a Vale, multiplicaram sua produtividade após a transição, gerando impostos e empregos sem depender do Tesouro.
Esse dilema se repete em diversas áreas. Na educação, muitos defendem que apenas o ensino público pode garantir igualdade, enquanto minorias apontam que modelos de vouchers, adotados em países como Suécia e Chile, aumentaram a liberdade de escolha e melhoraram os índices de aprendizado. Na saúde, a maioria pede mais gasto público, enquanto poucos lembram que o problema não é apenas de orçamento, mas de gestão: o Brasil gasta 9,6% do PIB em saúde, próximo à média da OCDE, mas com eficiência muito inferior.
O “um contra trinta” é também um exercício de responsabilidade individual. A tentação de se abrigar no consenso é grande, pois alivia o peso da reflexão e da crítica. No entanto, é essa minoria pensante que sustenta a possibilidade de avanços. Sem vozes dissonantes, a sociedade se acomoda no conforto das ideias populares, ainda que ineficientes.
A democracia não pode ser confundida com unanimidade. Alexis de Tocqueville já advertia sobre a “tirania da maioria”, em que a pressão do coletivo sufoca a liberdade do indivíduo. A defesa da ética liberal, da responsabilidade individual e do livre mercado é, muitas vezes, tarefa de poucos que ousam enfrentar a maioria. São essas vozes que impedem que a política se torne apenas um reflexo das paixões populares, sem análise racional de custos e consequências.
Por fim, a força não está na quantidade de vozes que gritam, mas na solidez dos argumentos apresentados. A opinião de um pode parecer frágil diante da multidão, mas quando se ancora em fatos, dados e princípios universais de liberdade, transforma-se em semente de mudança. Foi assim ao longo da história e continuará sendo.
*Gabriela Moraes Oliveira é associada do Instituto Líderes do Amanhã.