O ataque do estado ao crime organizado no Rio de Janeiro

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No dia 28 de outubro de 2025, o governo do Estado do Rio de Janeiro deflagrou uma operação em larga escala nos complexos do Alemão e da Penha, com cerca de 2.500 agentes, envolvendo tropas da polícia militar, polícia civil e órgãos de segurança especializados. Foram presas cerca de 113 pessoas, apreendidas mais de 100 armas longas e reportadas ao menos 119 mortes segundo o governo. A Defensoria Pública estadual fala em até 132 mortes. A estratégia, segundo a polícia, incluiu a criação do chamado “muro do BOPE”, uma linha de contenção em área de mata para impedir a fuga dos criminosos para dentro das comunidades habitadas. O alvo declarado era o Comando Vermelho, uma facção criminosa que ocupa parte das favelas cariocas e tem ramificações interestaduais em tráfico de drogas, armas e controle territorial.

Perspectiva liberal: papel do Estado, liberdade e criminalidade

Do ponto de vista liberal clássico, algumas premissas fundamentais se destacam:

Proteção das liberdades dos indivíduos

O Estado existe primordialmente para proteger a vida, a liberdade e a propriedade dos cidadãos. Se grupos criminosos controlam territórios e impõem um “estado-paralelo”, isso significa que o monopólio legítimo da força está comprometido. A ação estatal, em princípio, é justificável para restaurar esse monopólio, de modo que os cidadãos possam exercer seus direitos sem coerção privada.

Limitação do poder estatal e garantias individuais

Porém, a intervenção estatal precisa obedecer a limites: devido processo, proporcionalidade, impessoalidade. Havendo casas dominadas por facções e comunidades sob cerco, o liberal clássico teme que uma operação com alto grau de letalidade e pouco controle possa violar liberdades individuais, gerar abusos e enfraquecer o Estado de Direito.

Segurança como pré-condição para mercado livre

Na visão liberal, o funcionamento eficiente do mercado exige segurança jurídica e policial. Quando o crime organizado domina zonas, os custos de transação aumentam (extorsão, insegurança, medo), o investimento decai, os cidadãos perdem oportunidades. Logo, reduzir o poder de facções é também melhorar o ambiente econômico, um ganho para a liberdade econômica.

Eficiência e foco nos resultados

O liberalismo costuma questionar a eficiência das ações estatais: quais os resultados concretos? No anúncio da operação, fala-se em dezenas de mortos, dezenas de armas apreendidas, mas até que ponto isso enfraquece de fato a facção ou apenas desloca a violência? Um princípio liberal é que, se os custos de intervenção forem muito altos (em vidas, orçamento, reputação) e os benefícios incertos, pode haver distorção.

O que essa operação representa e as “notas do liberalismo”

Avanço sobre o crime organizado

A operação indica que o Estado resolveu agir com alta intensidade contra o crime organizado em áreas em que aparentemente o controle estatal era fraco ou ausente. Nesse sentido, é compatível com a liberdade individual: as comunidades sob domínio de facções tinham menos liberdade real.

Questões de proporcionalidade e de Estado de Direito

Por outro lado, há forte crítica quanto à escala da letalidade e ao fato de que operações desse tipo podem criar precedentes perigosos para liberdades civis. Há registros importantes:

  • O número de mortos alcançou 132, segundo fontes da Defensoria Pública.
  • Organizações de direitos humanos e até a ONU questionaram se a força empregada respeitou padrões mínimos de legalidade e proporcionalidade.
  • Moradores dizem que “o Estado veio para massacrar, não para operar”.

Do ponto de vista liberal, o problema não é combater o crime, é fazê-lo respeitando o contrato social: o cidadão livre não pode se tornar vítima de um Estado que age por cima da lei. O filósofo liberal clássico John Locke ensinou que o Estado não pode infringir o direito natural dos indivíduos mesmo com o pretexto de restaurar a ordem.

Impacto econômico-social

Se, de fato, o poder do crime organizado for fragilizado, alguns ganhos podem advir:

  • A redução de letalidade e extorsão nas favelas pode aumentar a liberdade de circulação, de negócio, de investimento local.
  • A retomada do monopólio da força pelo Estado abre espaço para políticas de mercado, microempreendedorismo, moradia e urbanização que, no longo prazo, são ingredientes de inclusão e liberdade efetiva.
  • A credibilidade do Estado se fortalece, o que favorece contratos, seguros, parcerias público-privadas e empresas que evitam zonas de risco.

 Riscos e armadilhas

No entanto, os liberais também apontam riscos:

  • A “ilusão da força bruta” se a operação não for seguida por reformas de estrutura, inteligência, policiamento comunitário, recuperação social, a facção pode se reagrupar ou migrar para outras áreas. Operações pontuais não bastam.
  • O custo para a liberdade individual se moradores comuns ficam presos em cerco, se há mortes de inocentes, se há degradação de garantias jurídicas, a curva de liberdade se reduz, o que conflita com a ética liberal.
  • O risco de “criado-monopólio Estatal” autoritário quando o Estado se comporta como força militar mais do que agente de segurança cidadã, perde-se a distinção entre proteção e opressão.

Conclusão: uma operação de alto impacto, mas o verdadeiro teste é o que vem depois

A megaoperação do BOPE contra o Comando Vermelho no Rio de Janeiro manifesta uma tensão que é central para o liberalismo: entre a necessidade de o Estado agir para garantir segurança e liberdade e o perigo de o Estado agir demais, erodindo liberdades e o Estado de Direito.

Se a operação for, de fato, o início de uma recuperação prolongada da presença estatal com policiamento inteligente, reformas no sistema penitenciário, meios de inserção econômica nas favelas, incentivo à iniciativa privada e ao mercado local, então poderemos ver um verdadeiro enfraquecimento do crime organizado e um impulso pela liberdade efetiva. Mas, se for apenas caça de fachada, com alto custo humano e sem seguimento estrutural, corre-se o risco de fortalecer narrativas autoritárias, provocar reação das facções e terminar com mais “territórios à mercê” e um Estado que se distancia do cidadão.

Como disse o liberal clássico Friedrich Hayek, “uma sociedade livre é aquela em que a ordem não provém da imposição do poder, mas de instituições que limitam esse poder”. A liberdade verdadeira inclui não apenas o fim do domínio de facções criminosas, mas também a supremacia da lei, o respeito ao indivíduo e uma economia em que as pessoas possam prosperar.

*Isaías Fonseca é associado I do Instituto de Formação de Líderes de Belo Horizonte.

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