Não tenham medo!

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Na semana passada, a deputada federal Caroline de Toni (PL/SC) apresentou um projeto de lei que foi noticiado, pela grande mídia, como um meio de “dar poder ao Congresso de barrar decisões do STF” (conforme título de reportagem no Metrópoles, no último dia 28 de agosto). O texto da deputada propôs uma regulamentação ao artigo 49, XI da Constituição, para permitir expressamente ao parlamento sustar, mediante decreto legislativo, eventual ato judicial exorbitante, definido no projeto como sendo qualquer medida judiciária que introduza normas gerais e abstratas em nosso ordenamento. Contudo, em que pesem os louváveis esforços da parlamentar no enfrentamento do arbítrio togado, a iniciativa me parece desnecessária e até pouco recomendável, ao postergar a tomada de providências legítimas e prementes.

Ao listar os temas de atribuição exclusiva do congresso, o aludido artigo 49 da CF outorga aos parlamentares a faculdade de embarreirar avanços legislativos indevidos de outros braços estatais, em uma ilustração do salutar mecanismo de freios e contrapesos. O dispositivo autoriza o uso dessa prerrogativa parlamentar, via decretos legislativos, em dois casos, quais sejam: a edição, pelo Executivo, de determinações que extrapolem o seu poder regulamentar (inciso V), e a necessidade do Congresso de resguardar sua competência legislativa em face dos outros poderes (inciso XI). Portanto, a norma constitucional, que se presume não conter palavras inúteis, é bastante clara ao contemplar o emprego dos decretos legislativos como freio específico ao Executivo e, em caráter mais genérico, aos “outros poderes”. Ora, a alusão à palavra “poder” no plural nos leva à única conclusão possível de que o texto constitucional, em sua versão vigente, já autoriza o Legislativo a barrar extrapolações tanto do Executivo quanto do Judiciário!

Por outro lado, a experiência política brasileira vem apontando o uso de decretos legislativos como ferramenta cabível para a contenção de “arroubos” provenientes do Planalto. Um dos exemplos mais recentes, e de maior repercussão midiática, residiu no decreto legislativo editado, pelo congresso, para embarreirar a elevação da alíquota do IOF por parte do governo perdulário de plantão. Ora, se o Legislativo já lança mão desse instrumento para frear o Executivo, e se a própria CF permite aos parlamentares a adoção de medidas destinadas à preservação de sua competência legislativa frente aos outros dois poderes, qual seria o fator impeditivo ao uso de decretos legislativos também para a sustação de atos judiciais indevidamente legiferantes?

O zelo pela exclusividade da própria legislatura é prerrogativa prevista no texto constitucional e, de tão relevante ao nosso sistema republicano, se mostra autoaplicável.  Caso contrário, teria sido inserida, ao final dos incisos do artigo 49, a expressão “na forma da lei” ou outra fórmula equivalente que indicasse a necessidade de promulgação de uma lei infraconstitucional para conferir eficácia à norma da Constituição. No silêncio do legislador constituinte, só se pode entender que os decretos legislativos face a ambos os poderes (Executivo e Judiciário) estejam prontos para o uso, bastando, para tanto, a vontade política e, em nosso atual cenário, uma coragem notável dos parlamentares.

Portanto, senhores congressistas, invoquem logo o texto da Constituição, em seu sentido público e corrente, para colocar por terra todas as “leis” que vêm sendo abusivamente redigidas e impostas por togados não-eleitos, em indisfarçável invasão da esfera legislativa. Como a lista das extrapolações se avolumou ao longo de anos, preparem-se para redigir e publicar uma quantidade assombrosa de decretos legislativos, inclusive para a sustação de resoluções do TSE e do CNJ que, pelo menos desde 2022, vêm criando obrigações e até criminalizando condutas, em total desconsideração à competência exclusiva do Congresso.

Não esqueçam, caros parlamentares, de anular também várias decisões rumorosas do STF, mas que não passaram de intromissões togadas na esfera exclusiva de mandatários eleitos. Dentre elas, confiram prioridade a julgamentos como o da maconha, o da ADPF das Favelas e o da responsabilização das redes por conteúdos de usuários, já que as tais “leis” travestidas de julgados produziram e ainda virão a produzir impactos bastante negativos sobre temas tão sensíveis ao convívio social quanto os da segurança pública e da liberdade de expressão.

Para retirar os tão necessários decretos legislativos do universo das ideias e transpô-los à nossa realidade assustadora, tenha em mente, Congresso brasileiro, a exortação do papa São João Paulo II, que dá título a esse texto. “Não tenham medo!”, dizia reiteradamente o pontífice aos fiéis mundo afora, e, em tom ainda mais veemente, aos seus compatriotas poloneses, no enfrentamento às perversões do regime comunista. A lição de coragem inspirou um povo flagelado por décadas de fiasco econômico e de supressão das liberdades a lutar contra o estamento despótico e muito contribuiu para levar os ventos da mudança ao leste europeu e derrubar “muros” erigidos pelo capricho daqueles que acham que tudo podem.

O medo, palavra tão curta quanto paralisante, é adubo dos regimes autoritários, cuja perpetuação requer a intimidação da sociedade civil, mantida a fórceps em situação de inércia, assim como a colocação da classe política sob um cabresto desenhado, a dedo, para coibir a adoção de medidas efetivas. O país sangra sob o domínio de um Judiciário cada vez mais abusivo e não pode se dar ao luxo de esperar a tramitação de um projeto de lei sobre decretos legislativos que a Constituição, nossa lei maior, já disponibiliza aos mandatários. Não tenham medo, senhores congressistas, e ajam o quanto antes!

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Judiciário em Foco

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Katia Magalhães é advogada formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e MBA em Direito da Concorrência e do Consumidor pela FGV-RJ, atuante nas áreas de propriedade intelectual e seguros, autora da Atualização do Tomo XVII do “Tratado de Direito Privado” de Pontes de Miranda, e criadora e realizadora do Canal Katia Magalhães Chá com Debate no YouTube.

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