Movimento estudantil: hegemonia de esquerda e o desafio do pluralismo
O movimento estudantil brasileiro tem sido, historicamente, um espaço hegemonizado pela esquerda, funcionando como uma incubadora de lideranças e ideias que marcaram decisivamente o debate político nacional desde o século XX. Consolidado ao longo das décadas, esse campo tornou-se um importante vetor de mobilização para pautas progressistas, muitas vezes alinhadas com partidos e correntes ideológicas de orientação socialista ou comunista. A União Nacional dos Estudantes (UNE), fundada em 1937, é a expressão mais visível dessa hegemonia, operando como plataforma de articulação entre o movimento estudantil e a estrutura partidária da esquerda brasileira.
Desde os anos 1950, a UNE esteve presente em campanhas de grande relevância política, como “O Petróleo é Nosso”, já sob a influência crescente do Partido Comunista do Brasil (PCB). Durante a ditadura militar (1964–1985), teve papel destacado na resistência ao regime e, com a redemocratização, fortaleceu seus vínculos com legendas como o PCB, o Partido dos Trabalhadores (PT) e, posteriormente, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Nas décadas seguintes, especialmente a partir dos anos 1990, a União da Juventude Socialista (UJS) — braço jovem do PCdoB — assumiu o controle quase ininterrupto da UNE, convertendo-a em um instrumento de promoção da agenda partidária.
Esse processo de aparelhamento ocorreu de forma progressiva. A UJS transformou a UNE em um veículo de difusão ideológica, priorizando pautas como a defesa da educação pública gratuita, a implementação de políticas de ação afirmativa (como cotas raciais e sociais) e a ampliação do financiamento estudantil por meio de programas públicos. Em muitos casos, essas propostas são acompanhadas por uma forte defesa de um modelo educacional centralizado e estatizado, onde o papel do Estado não se limita ao financiamento, mas se estende ao controle curricular, à definição de diretrizes pedagógicas e à influência sobre o ambiente universitário. Um exemplo recente é a resistência de entidades estudantis à abertura de novas universidades privadas ou à formação de parcerias público-privadas no setor educacional, sob o argumento de que tais iniciativas enfraquecem a educação pública.
A sustentação financeira da UNE é garantida por repasses diretos e indiretos do Estado, como verbas provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), além de patrocínios de empresas públicas. Em 2023, por exemplo, o Ministério da Educação destinou R$ 2,1 milhões para atividades relacionadas a congressos e fóruns estudantis promovidos pela UNE. Tais recursos comprometem a autonomia da entidade, cuja dependência financeira do governo a transforma em um instrumento de reprodução da ideologia dominante nas universidades públicas. Essa estrutura garante, ainda, presença institucional nos conselhos universitários, capilaridade em diretórios acadêmicos e controle sobre o processo eleitoral das entidades representativas — o que dificulta sobremaneira a penetração de movimentos alternativos.
Foi nesse contexto que surgiu, em 2022, a Juventude Livre (JL), movimento estudantil que propõe romper com a hegemonia estabelecida. Formada por jovens alinhados ao pensamento liberal e conservador, a JL orienta sua atuação pela defesa da liberdade acadêmica, do pluralismo ideológico e da valorização do mérito como princípio formativo. Contrariamente à UNE, a JL não utiliza recursos públicos, optando por financiamento privado e doações voluntárias, o que, embora limite sua estrutura, assegura maior independência político-institucional. Ainda incipiente, a JL já está presente em universidades como a UFMG, a USP, a UFPE e a UnB, com núcleos locais formados por representantes eleitos nos diretórios centrais ou centros acadêmicos, embora ainda sem capilaridade comparável à da UNE.
Os obstáculos enfrentados pela direita estudantil no Brasil não são apenas estruturais ou financeiros — são também culturais e, em certos casos, físicos. Durante o CONUNE de 2025, realizado em Goiânia, militantes da Juventude Livre, como Isadora Piana, presidente nacional da juventude do Partido Novo, e João Fernandes, influenciador político e ex-candidato a vereador por Belo Horizonte, foram agredidos verbal e fisicamente por grupos alinhados à UNE. Ambos tiveram seus materiais arrancados, foram cercados por militantes hostis e impedidos de participar livremente das atividades do congresso. Registros em vídeo amplamente divulgados nas redes sociais mostram cenas de clara intimidação: cartazes sendo rasgados, bandeiras da JL destruídas e palavras de ordem usadas como ferramentas de silenciamento. Diante da escalada de hostilidade, a polícia militar precisou intervir para escoltar os liberais e garantir sua integridade. A UNE, por sua vez, não emitiu qualquer nota de repúdio ou esclarecimento — um silêncio eloquente que reforça a seletividade de seu compromisso com a diversidade ideológica.
Esses episódios revelam que o movimento estudantil brasileiro, em muitos casos, já não opera como espaço de confronto democrático de ideias, mas como bastião de uma hegemonia ideológica rigidamente protegida. A violência simbólica e física contra dissidentes não é um desvio de conduta — é reflexo de uma cultura política que, sob o pretexto da “diversidade”, pratica a exclusão ativa do contraditório. Como diria o filósofo italiano Norberto Bobbio, “a tolerância só é autêntica quando se estende àqueles que pensam de modo diferente”.
Em democracias consolidadas, é possível encontrar experiências mais equilibradas. No Reino Unido, a Oxford University Conservative Association (OUCA) participa ativamente do debate estudantil e, embora enfrente críticas, mantém presença constante nos conselhos estudantis. Nos Estados Unidos, entidades como o College Republicans e o Young Americans for Liberty atuam em centenas de campi universitários, promovendo debates, conferências e publicações, muitas vezes em oposição direta a organizações progressistas majoritárias. Esses exemplos mostram que a coexistência ideológica é possível — desde que as instituições se comprometam com regras mínimas de civilidade e respeito mútuo.
No Brasil, a missão da JL é ambiciosa: reconstruir um ambiente universitário baseado na liberdade de expressão, no respeito ao dissenso e na neutralidade institucional. Para isso, será necessário ampliar sua base de apoio, consolidar presença regional e desenvolver mecanismos próprios de formação de quadros e de financiamento sustentável. Sua presença no CONUNE de 2025, ainda que marcada por conflitos, representa um avanço simbólico. Há poucos anos, a simples ideia de uma representação liberal nesse espaço seria considerada improvável.
A UNE, embora possua décadas de trajetória, infraestrutura consolidada e apoio partidário, também carrega o peso de um modelo envelhecido, reativo à diversidade de pensamento e cada vez mais identificado com práticas de silenciamento. A JL, por sua vez, precisa demonstrar que é possível renovar a cultura política universitária com responsabilidade institucional, firmeza argumentativa e compromisso com a liberdade como valor universal — e não apenas de uma corrente.
O movimento estudantil brasileiro está diante de uma encruzilhada histórica. Pode continuar reiterando uma hegemonia excludente, ancorada na estrutura e na ideologia, ou pode abrir espaço para um novo pluralismo, onde a divergência não seja reprimida, mas incentivada como motor do pensamento acadêmico. Nesse processo, cabe à nova direita estudantil demonstrar que fazer política não é, necessariamente, aparelhar. É também construir pontes, sustentar ideias e disputar corações e mentes com argumentos — não com agressões.