Extração de renda: a oferta de privilégios
Quando pensamos em mercado, normalmente associamos a produtos, consumidores e empresas, mas e se eu te dissesse que existe um mercado de privilégios políticos? Nesse mercado, políticos ofertam privilégios e empresas estão dispostas a pagar para obtê-los – ou até mesmo para não perdê-los.
Na economia, um dos primeiros conceitos básicos que aprendemos é o de oferta e demanda: a oferta é a quantidade de um bem ou serviço que os produtores estão dispostos a vender por um determinado preço e num período específico. Já a demanda é a quantidade de um bem ou serviço que os consumidores desejam e são capazes de comprar a um determinado preço e num período específico.
Essa lógica também pode ser aplicada ao mercado de privilégios. Aqui, o caçador de privilégios é o demandante — busca subsídios, barreiras à concorrência, licenças exclusivas e outros benefícios regulatórios. Já os políticos são ofertantes desses privilégios, criando condições para que os demandantes os adquiram – ou não percam – em troca de apoio político ou vantagens financeiras.
Ao contrário da visão ingênua de que o governo apenas reage às demandas do setor privado, a Teoria da Escolha Pública mostra que políticos e burocratas frequentemente atuam como ofertantes ativos de privilégios. Eles criam ameaças, regulam de forma estratégica ou elaboram leis para obter vantagens políticas e financeiras, utilizando seu poder para pressionar e coagir o setor produtivo. Algo como: “Olha que belo lucro essa sua empresa dá… seria uma pena se algo acontecesse, não é?”
O intuito dessas chantagens é ameaçar o aumento dos custos ou diminuir o preço do produto/serviço do setor ou empresa alvo. Isso faria com que os lucros, por consequência, diminuíssem.
Nos Estados Unidos, especificamente na Califórnia, o termo usado é milker bill, que descreve leis ou propostas criadas para “ordenhar” (extorquir) empresas, setores ou agentes privados. McChesney (1997) denomina isso Money for Nothing (“dinheiro por nada”): o político recebe recursos e, em troca, não interfere nos lucros ou nos privilégios da empresa.
Curiosamente, tanto liberais quanto socialistas podem concordar com esse problema – embora por razões diferentes. Para o socialista, o Estado é um comitê que administra os interesses da burguesia (MARX; ENGELS, [2024], p. 46). Para o liberal, os políticos agem movidos por interesses próprios, maximizando seus ganhos. É o incentivo do processo político que leva a essa aliança.
A extração de renda (rent extraction) recebe menos atenção que a busca por renda (rent seeking), porque tende-se a pensar que os políticos são vítimas relativamente passivas da pressão dos lobistas. No entanto, na extração de renda, são os políticos que tomam iniciativa e identificam alvos para impor uma escolha difícil: ignorar a pressão e perder parte da sua riqueza ou participar do jogo político e reduzir o dano.
Podemos observar casos simples de rent extraction no nosso dia a dia, como, por exemplo, policiais rodoviários ou agentes da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) que pedem o “dinheiro do café” em troca de que uma multa de valor mais alto seja aplicada ou então fazer vista grossa a eventuais irregularidades.
Também há casos de maior escala, como o Petrolão ou a Lava Jato, em que grandes empreiteiras e fornecedores da Petrobras eram coagidos a participar de esquemas de corrupção envolvendo superfaturamento de contratos. Parte das propinas financiava partidos políticos e campanhas. Políticos e diretores indicados extraíam renda das empresas sob ameaça de barrar contratos ou dificultar processos licitatórios, criando um “pedágio” político.
Nesse sentido, o rent seeking e rent extraction podem ser entendidos como suborno e extorsão política institucionalizadas, respectivamente.
A prática da extração de renda acontece porque o poder discricionário do governo é maior do que os mecanismos de mercado. Isso só pode acontecer porque o comércio produziu um nível de riqueza material que permitiu que os custos dessas práticas pudessem ser dispersos e ocultos na sociedade.
Assim, a extração de renda não apenas distorce a economia, mas também institucionaliza relações de compadrio, corroendo o dinamismo e a transparência do sistema político e econômico.
A tarefa da nossa geração não é somente privar o Estado dos recursos da sociedade, mas também expor que as discrepâncias de riqueza resultantes de ganhos ilícitos são destrutivas para a ordem social.
Referências
MCCHESNEY, Fred S. Rent extraction and rent creation in the economic theory of regulation. 1997.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 1. ed. São Paulo: CEDET, mar. 2024.
STIGLER, George J. The theory of economic regulation. The Bell Journal of Economics and Management Science, Santa Monica, v. 2, n. 1, p. 3-21, 1971.
*Adriano Dorta é estudante de economia, com foco de pesquisa em escolha pública e economia política.



