Estamos diante de uma Segunda Guerra Fria?
Quando o muro de Berlim caiu em 1989, o mundo finalmente estaria se libertando das amarras do contexto bipolar entre Estados Unidos e União Soviética. De fato, a fala do porta-voz do governo da Alemanha Oriental, Günter Schabowski, fez com que milhares de alemães se reunissem na frente do muro e começassem a desmantelá-lo por meio de marretadas, o que possibilitou a reunificação alemã e o enfraquecimento do bloco socialista.
Já no Natal do ano de 1991, após 69 anos, a União Soviética colapsou com a renúncia de Mikhail Gorbachev diante de uma série de desastres econômicos e a independência de outros estados membros como Ucrânia, Cazaquistão e Estônia. Mesmo que houvesse tentativas de abertura econômica e social, conhecidas como Perestroika e Glasnost, o socialismo já se mostrava condenado ao seu término.
Então, a década de 90 ficou conhecida por ser a década da globalização e da supremacia inquestionável dos Estados Unidos. Não havia mais a ameaça socialista com o risco de uma guerra nuclear e nunca antes na história da humanidade o mundo esteve tão “unificado” e pacífico, mesmo que ainda houvesse conflitos locais. Francis Fukuyama, em seu livro O Fim da História e o Último Homem, enfatizava que a história havia acabado diante da predominância do capitalismo e da democracia sobre o mundo, como se fosse o término dos jogos da franquia, Civilization, de Sid Meier, ao chegar no ano 2050. No entanto, Samuel Huntington, opondo-se a Fukuyama, escreve O Choque de Civilizações, ressaltando a ideia de que a história não havia acabado, mas retornado ao seu “estado natural”.
O tempo confirmou que Huntington estava certo. Com a virada do milênio, em 11 de Setembro de 2001, nos Estados Unidos, terroristas conseguiram jogar dois aviões civis nas Torres Gêmeas do World Trade Center em Nova York e um outro no Pentágono em Washington, culminando no maior ataque terrorista da história. Em resposta, o governo de George W. Bush inicia a Guerra ao Terror no Oriente Médio e a invasão a países como o Afeganistão e o Iraque.
Na Eurásia, um ex-espião da KGB, Vladimir Putin, sucedeu Boris Yeltsin após a sua renúncia em 1999. Determinado a reconstruir a Rússia, Putin não mede esforços para fazer com que o país volte a ser uma potência reconhecida no cenário internacional. Em poucos anos, o país se tornou o maior exportador de commodities
para a Europa nos segmentos de petróleo e gás, o que atraiu vários países europeus, dentre eles, a Alemanha. Porém, ao mesmo tempo em que promoveu o crescimento econômico, Putin centralizou o poder, aumentou a censura e a perseguição a seus opositores políticos e reafirmou as suas alianças com a Igreja Ortodoxa e os oligarcas.
No Oriente, a China resiste à queda do socialismo com as reformas pró-mercado de Deng Xiaoping, possibilitando que o país se modernize de forma rápida. No entanto, mesmo com a abertura aos mercados, o Massacre da Praça Tiananmen foi uma demonstração de que o autoritarismo do governo chinês não iria recuar, e todos aqueles que ousarem ir contra o partido comunista sofrerão as consequências. Falar sobre Taiwan livre? Impensável.
Esse arranjo geopolítico viria a se consolidar na década de 2010, principalmente após a Crise Econômica de 2008, que mergulhou a Europa na crise do Euro e abalou os mercados mundiais. O Oriente Médio, em caos com a Guerra
ao Terror, fez com que seus cidadãos busquem refúgio na Europa, o que aumentou a instabilidade do continente e ajudou a fomentar a saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit. Diante desse cenário, a Rússia, aproveitando-se dessas crises, invade a Crimeia em 2014 e, em 2022, a Ucrânia, em uma tentativa de afrontar o
ocidente e a OTAN, reafirmando o seu poder bélico, assim como faz na África por meio de milícias, como o Grupo Wagner.
Na Ásia, o surpreendente crescimento econômico chinês nos anos 2000 fez a China ser considerada “a fábrica do mundo”. Seus produtos industrializados, antes considerados de baixa sofisticação, agora competem com os dos Estados Unidos, Europa e Japão. No entanto, para que isso fosse possível, a China precisou absorver as commodities de outros países, o que fomentou a criação de novas parcerias comerciais com os países da África e América Latina, dentre eles, o Brasil, desafiando o comércio com as potências ocidentais.
Com o seu enriquecimento econômico, a China agora mostra-se disposta a uma nova corrida tecnológica com os Estados Unidos – seja na criação de sondas e foguetes para o espaço, na criação de vacinas durante a Pandemia de COVID-19, no fomento às empresas de Inteligência Artificial, na fabricação de carros elétricos ou no desenvolvimento de aplicativos para smartphones. Nunca antes na história da humanidade viu-se tanto aperfeiçoamento tecnológico atrelado à popularização em um espaço temporal tão curto.
Portanto, o atual cenário entre Estados Unidos, Rússia e China é a de uma nova Guerra Fria, visto que ainda não ocorreu uma guerra direta entre essas três potências. O mundo dos anos 90 mudou, virou história, e agora presenciamos o planeta se polarizar entre os modelos capitalista e democrático, liderado pelos Estados Unidos, autocrata antiocidental, liderado pela Rússia, e socialista autoritário com abertura aos mercados, liderado pela China. É a história da humanidade sendo vista e escrita.
*Guilherme S. Esparza é coordenador do Instituto Atlantos e do Students for Liberty Brasil.