Escolha Pública no cenário brasileiro: o caminho é o centro ou o centrão?

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A política brasileira vive um paradoxo. Em meio à descrença institucional e à polarização crônica, cresce o apelo por uma alternativa de centro, tida como racional e equilibrada. No entanto, essa busca esbarra em uma confusão conceitual essencial: no Brasil, o chamado centro raramente representa equilíbrio ideológico ou compromisso com reformas. Na prática, tem sido frequentemente confundido (ou mesmo capturado) pelo centrão fisiológico, uma força que atua não pela responsabilidade institucional, mas segundo a lógica da apropriação do Estado.

A teoria da escolha pública, formulada por economistas como James Buchanan e Gordon Tullock, ajuda a compreender essa distorção. Ao aplicar os fundamentos da economia à política, essa teoria parte de uma premissa simples e poderosa: políticos, burocratas e eleitores agem motivados por interesses individuais e não por um suposto altruísmo institucional. Como afirmou Buchanan, “o romantismo político precisa ser substituído por um realismo institucional”. Isso significa entender que a política é, antes de tudo, um ambiente de trocas, trocas que frequentemente resultam em benefícios concentrados e custos difusos. Esse raciocínio explica, por exemplo, por que grupos organizados conseguem extrair privilégios do Estado mesmo que isso prejudique a maioria da população: os incentivos estão desenhados para favorecer a barganha e a captura.

No Brasil, essa lógica é levada ao extremo. O centrão controla orçamentos, cargos e emendas, funcionando como corretor do Estado, não como formulador de políticas. A fragmentação partidária, incentivada por um sistema proporcional disfuncional e por fundos públicos bilionários, inviabiliza maiorias ideológicas. O presidencialismo de coalizão degenerou em presidencialismo de transação, onde a governabilidade se sustenta sobre o loteamento de poder. Os partidos funcionam como cartórios políticos, e o Estado se converte em ativo político.

A teoria dos jogos se evidencia na política brasileira, onde instituições e atores operam com racionalidade estratégica voltada ao interesse próprio. Diante da ausência de confiança e do foco em ganhos imediatos, o centrão se aproveita: prefere cargos, emendas e favores a reformas estruturais com efeitos de longo prazo. O sistema permanece preso a um equilíbrio de Nash disfuncional, que só pode ser superado com mudanças institucionais ou um pacto político baseado em confiança e punição real à traição, algo ainda inalcançável num ambiente que recompensa o oportunismo e penaliza a virtude.

A consequência é a paralisia reformista. Propostas que reduziriam o Estado, ampliariam a concorrência e cortariam privilégios são esvaziadas ou convertidas em moeda de barganha. O centrão não rejeita reformas, ele as negocia. O que deveria ser política de interesse público é moldado pelos interesses de quem detém o poder de veto. O liberalismo, nesse contexto, é mantido como retórica útil, mas esvaziado de eficácia diante da força organizada dos grupos que se beneficiam do status quo.

Como alertava Gordon Tullock, os políticos são especialistas em redistribuir recursos de forma que o custo para a maioria seja invisível e o benefício para a minoria seja concentrado. Isso se aplica perfeitamente ao modelo brasileiro, em que verbas públicas são drenadas por emendas parlamentares de relator, obras localizadas e gastos discricionários com pouca transparência. A sociedade, ocupada com as urgências do dia a dia, raramente percebe o mecanismo, enquanto os grupos organizados, sindicatos, corporações, empreiteiras, fundos públicos, mantêm seu poder de pressão e influência.

Diante desse cenário, surge a pergunta: é possível construir um verdadeiro centro político no Brasil? A resposta passa, necessariamente, por compreender que o centro não pode ser apenas uma posição entre extremos. Deve ser uma construção racional baseada em princípios claros: responsabilidade fiscal, respeito às liberdades individuais, limitação do poder estatal, defesa da propriedade privada e compromisso com instituições impessoais. Esse centro, ao contrário do centrão, não negocia reformas, ele as lidera. Não administra benesses, desmonta privilégios. Não busca cargos, busca coerência.

Hayek advertiu que, quanto mais o Estado planeja, menos o indivíduo consegue planejar sua vida. Essa premissa é evidente no Brasil, onde o Estado planeja para si mesmo e seus operadores. Reformas estruturantes como voto distrital misto, cláusulas de barreira reais e o fim do financiamento público indiscriminado são passos iniciais, mas insuficientes sem uma cultura que premie a virtude pública. O problema não é a ausência de bons políticos, mas a existência de um sistema que expulsa os melhores e recompensa os piores.

Mas, acima de tudo, é preciso formar uma cultura política que valorize a liberdade, a transparência e a responsabilidade. O problema do Brasil não é a falta de bons políticos, é a existência de um sistema que premia os maus. O centrão não é um acidente: é a consequência lógica de um arranjo institucional que transforma o Estado em negócio e a política em feudo. Enquanto essa estrutura permanecer intacta, qualquer tentativa de reforma liberal será absorvida, neutralizada ou desfigurada por interesses que prosperam na penumbra.

O verdadeiro centro, portanto, é aquele que confronta o centrão, não que se acomoda a ele. É aquele que entende que a escolha pública, para ser legítima, precisa ser baseada na liberdade individual e não na manipulação orçamentária. James Buchanan afirmava que a política é a troca entre iguais em dignidade. O que temos no Brasil, infelizmente, é uma política de troca entre desiguais em acesso, poder e informação, e é isso que precisa mudar.

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João Loyola

João Loyola

Formado em administração pela PUC Minas e em Gestão de Seguros pela ENS, Pós-Graduado em Gestão Estratégia de Seguros pela ENS, é sócio sucessor da Atualiza Seguros, trabalha no programa Minas Livre para Crescer na Secretaria de Desenvolvimento Econômico de MG e é associado do IFL-BH.

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