ENEM: quando a educação se resume a uma prova

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O Exame Nacional do Ensino Médio, criado com a promessa de democratizar o acesso à universidade, transformou-se em um mecanismo de homogeneização intelectual. O que deveria ser um instrumento de aferição da qualidade do ensino passou a ditar o próprio conteúdo, formato e propósito da educação brasileira. As escolas não ensinam mais para formar cidadãos pensantes, mas para produzir bons resultados em uma prova padronizada.

A educação, que deveria despertar o senso crítico e a curiosidade, foi reduzida a uma sequência de apostilas e simulados. O aluno é treinado a identificar padrões, eliminar alternativas e agradar ao corretor da redação, mas não a pensar por si mesmo. A técnica substituiu o raciocínio; a performance substituiu o aprendizado. O estudante, ao final de três anos de ensino médio, sabe como passar no ENEM, mas raramente sabe passar pela vida.

Essa distorção nasce de um erro conceitual: o ENEM é amplo demais para ser o único mecanismo de acesso a todas as universidades. Pretender que uma única prova avalie, de modo justo, candidatos a Medicina, Engenharia, Direito e Música é ignorar que as inteligências humanas são múltiplas, como demonstrou Howard Gardner. Cada área do conhecimento exige competências específicas, racionais, criativas, comunicativas ou empáticas que um exame padronizado é incapaz de mensurar. Avaliar o talento artístico, o rigor matemático e a capacidade de abstração filosófica com a mesma régua é um erro pedagógico e moral.

Nos países que mais avançaram em qualidade educacional, como Finlândia e Holanda, o ingresso no ensino superior depende de múltiplos critérios: histórico escolar, portfólios, projetos e entrevistas. O exame nacional é apenas um dos instrumentos. No Brasil, porém, o ENEM se tornou o sol em torno do qual orbitam escolas, cursinhos e famílias inteiras, e tudo o que não serve à prova é considerado perda de tempo. Com isso, o ensino médio deixou de ser um período de formação intelectual e pessoal para se tornar uma preparação tática.

O resultado é previsível: formamos alunos excelentes em decoreba e pobres em autonomia. Ao ingressar na universidade, muitos se deparam com a dificuldade de estudar sem roteiro, de escrever sem fórmula, de pensar sem gabarito. O mesmo ocorre quando chegam ao mercado de trabalho: dominam técnicas, mas não competências; sabem repetir, mas não criar. O Brasil forma candidatos eficientes, mas cidadãos intelectualmente frágeis.

Como advertia Hannah Arendt, “a função da educação é introduzir o novo no mundo”. No entanto, o modelo atual forma indivíduos adaptados ao velho, ao automatismo da repetição. O Estado, ao centralizar o processo de avaliação, sufoca a pluralidade pedagógica e impõe uma visão única do que é saber. É a mesma “pretensão de conhecimento centralizado” denunciada por Hayek: o erro de acreditar que uma autoridade pode medir o mérito individual de maneira uniforme, ignorando a diversidade de contextos, talentos e vocações.

Sob a ótica econômica, o problema é igualmente grave. O ENEM cria incentivos perversos: escolas buscam reputação por aprovação, não por formação; alunos escolhem cursos pela nota de corte, não pela vocação; e o Estado desperdiça capital humano em áreas desconectadas das demandas reais do mercado. Como mostrou Gary Becker em Human Capital, a eficiência de um país depende da alocação correta das habilidades de seus cidadãos. O Brasil, ao priorizar o acesso em vez da aptidão, gera diplomas sem competência e carreiras sem propósito.

Além disso, segundo a OCDE, apenas 18% dos jovens brasileiros alcançam o ensino superior, e 67% dos egressos do ensino médio afirmam não se sentir preparados para o mercado de trabalho. Isso demonstra que o sistema, além de desigual, é improdutivo. A padronização gera exclusão cognitiva: quem não se encaixa no molde do ENEM é tratado como incapaz, mesmo que tenha talentos práticos ou criativos mais valiosos para a sociedade.

É hora de devolver à educação seu verdadeiro propósito: formar mentes livres. O ENEM pode continuar existindo, mas deve ser apenas um dos critérios de avaliação, não o único. Universidades devem recuperar sua autonomia e adotar modelos de ingresso compatíveis com suas áreas e valores. O Estado deve reconhecer a pluralidade de inteligências e abrir espaço para métodos alternativos, como portfólios, projetos, olimpíadas científicas e experiências reais de aprendizado.

Educar não é preparar para uma prova. É preparar para a vida. O país que confunde pontuação com sabedoria termina formando gerações treinadas para o gabarito, mas incapazes de compreender o mundo que as cerca. Nenhuma sociedade se torna livre com cidadãos adestrados, apenas com cidadãos pensantes.

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João Loyola

João Loyola

Formado em administração pela PUC Minas e em Gestão de Seguros pela ENS, Pós-Graduado em Gestão Estratégia de Seguros pela ENS, é sócio sucessor da Atualiza Seguros, trabalha no programa Minas Livre para Crescer na Secretaria de Desenvolvimento Econômico de MG e é associado do IFL-BH.

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