Educar ou doutrinar? O papel do Estado na formação das mentes
A essência da educação é libertar o indivíduo da ignorância e capacitá-lo a pensar por si mesmo. Quando, porém, o Estado assume para si o papel de moldar o pensamento dos cidadãos, a escola deixa de ser um espaço de liberdade e se transforma em um instrumento de doutrinação. Essa é a linha tênue que o Brasil cruzou há décadas ao permitir que a educação pública, sob o comando do Ministério da Educação, se tornasse um projeto de engenharia social e não de emancipação intelectual.
Educar é oferecer ferramentas para compreender o mundo; doutrinar é oferecer um mundo já interpretado. No primeiro caso, o professor forma a consciência; no segundo, a substitui. O MEC, com seus currículos uniformes e orientações ideológicas disfarçadas de “formação cidadã”, opera exatamente nessa fronteira perigosa. O Estado brasileiro confunde o direito de aprender com o dever de concordar e faz da escola um prolongamento de seu próprio poder.
Mas a raiz do problema é ainda mais profunda: está na própria formação dos professores. As faculdades de Pedagogia e Licenciatura, em sua maioria, tornaram-se centros de reprodução ideológica. O futuro educador é exposto a uma pedagogia repetitiva e dogmática, baseada em modismos teóricos e discursos sociopolíticos que pouco têm a ver com o ato de ensinar. Aprende-se mais sobre “luta de classes” do que sobre alfabetização; mais sobre “construção social da identidade” do que sobre técnicas de leitura e lógica. Forma-se o militante antes do mestre. Quando esse profissional entra em sala de aula, já chega condicionado a enxergar o aluno como ferramenta de transformação social e não como indivíduo autônomo.
O resultado é um sistema onde o professor não é livre, mas condicionado. Muitos sequer percebem que foram treinados para reproduzir o mesmo modelo centralizador que os oprime. Como esperar uma educação libertadora de quem foi privado da própria liberdade intelectual? O docente brasileiro, salvo raras exceções, é produto de um sistema que o formata e o desvaloriza. É cobrado como técnico, mas tratado como executor. É instruído a seguir cartilhas e não a construir conhecimento. Essa estrutura destrói tanto sua autoridade moral quanto sua criatividade pedagógica.
John Stuart Mill advertia que o maior inimigo da liberdade não é o tirano isolado, mas a opinião pública organizada pelo Estado. A padronização curricular e a homogeneização da formação docente são expressões dessa tirania silenciosa. A criança que cresce aprendendo dentro dos limites fixados por Brasília se torna adulta sem perceber que nunca pensou fora deles, e o professor, por sua vez, se transforma em instrumento involuntário desse mesmo processo. Ele ensina o que o sistema quer, não o que a razão exige.
Hannah Arendt observou que, toda vez que o Estado se propõe a “formar o novo homem”, o resultado é a destruição do indivíduo. A função da escola não é fabricar cidadãos obedientes, mas cultivar pessoas capazes de discordar. No entanto, o sistema educacional brasileiro se organiza para produzir consenso, não reflexão. O aluno é treinado para repetir discursos, decorar slogans e acertar alternativas, mas raramente é instigado a questionar os próprios fundamentos do que aprende. O professor, por sua vez, é moldado para acreditar que estimular o questionamento é um ato subversivo.
Karl Popper ensinou que sociedades fechadas utilizam o ensino para preservar estruturas de poder, enquanto sociedades abertas estimulam o conflito de ideias como motor do progresso. O MEC, ao definir o que pode ser ensinado e o que deve ser omitido, age como gatekeeper intelectual. Ele decide quais autores são relevantes, quais temas são sensíveis e quais perspectivas são aceitáveis. Ao fazer isso, o Estado não apenas interfere no ensino, mas na própria formação da consciência nacional.
É urgente resgatar o princípio liberal de que a educação pertence à sociedade e não ao governo. O Estado deve garantir o acesso à escola, mas não o conteúdo da mente. Isso significa descentralizar, permitir que escolas e comunidades escolham currículos conforme seus valores e realidades e, sobretudo, devolver aos pais o direito de decidir o tipo de formação que desejam para seus filhos. John Locke, em Some Thoughts Concerning Education, defende que o dever moral de educar nasce da família, e o Estado existe apenas para protegê-lo, nunca para substituí-lo. Quando o governo se arroga o papel de tutor intelectual da população, ele viola o pacto fundamental da liberdade.
Mas essa libertação não virá apenas pela mudança das leis e sim pela transformação da formação docente. Precisamos de professores filósofos e não burocratas. De mestres com coragem moral e não de técnicos obedientes. O professor deve voltar a ser um artesão da razão, não um funcionário da máquina estatal. É preciso refundar as faculdades de educação, substituindo doutrina por ciência, retórica por lógica e submissão por autonomia.
Educar é introduzir o aluno no mundo das ideias; doutrinar é limitar esse mundo a uma única visão. Uma sociedade verdadeiramente livre só se sustenta se seus cidadãos forem intelectualmente autônomos, capazes de questionar, comparar, escolher e rejeitar. Mas isso exige escolas que ensinem a pensar, não a repetir, e professores que tenham sido formados para ensinar a liberdade e não a conformidade.
O Brasil precisa de uma reforma intelectual antes de qualquer reforma administrativa. Libertar a educação é libertar o pensamento. Não há democracia possível enquanto o conteúdo da mente nacional estiver submetido à caneta de um ministério. Educar é dar ao indivíduo as chaves da própria razão; doutrinar é trancá-lo dentro de uma verdade alheia. A chave dessa transformação está, antes de tudo, nas mãos de um professor que aprenda novamente a ser livre.



