Do celeiro à Casa Branca: o que os porcos de Orwell têm a ver com os EUA de hoje?

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Em A Revolução dos Bichos, George Orwell constrói uma fábula perturbadora sobre o poder e seus mecanismos de manutenção, travestidos de ideologia, promessas de justiça e discursos de libertação. Mais do que uma crítica ao socialismo soviético, a obra revela a universalidade do autoritarismo — um sistema que pode brotar tanto sob bandeiras vermelhas quanto sob slogans de livre mercado. A crítica de Orwell, portanto, não pertence a um espectro político, mas a uma lógica de dominação que se sustenta na ignorância e na manipulação narrativa.

A fazenda de Orwell começa com um levante legítimo, impulsionado pelo desejo dos animais por autonomia e melhores condições de vida. No entanto, a promessa de igualdade logo dá lugar a um novo sistema de opressão. Os porcos — inicialmente líderes revolucionários — tornam-se novos senhores, ocupando os mesmos espaços e usufruindo dos mesmos privilégios antes criticados. Esse ciclo trágico de transformação do oprimido em opressor é recorrente na história, e Orwell o traduz com precisão brutal.

O paralelo com contextos contemporâneos, como os Estados Unidos, é inevitável. Ainda que sob um regime democrático e autointitulada a nação mais livre do mundo, vemos sinais inquietantes de concentração de poder, erosão do debate público e manipulação das massas por meio de narrativas simplistas. O governo Trump, por exemplo, mobilizou discursos polarizadores — como a demonização da China — para justificar políticas econômicas protecionistas que, na prática, penalizam o próprio povo americano. Tal qual os porcos que guardam o leite e as maçãs para si, líderes populistas criam justificativas retóricas para práticas que beneficiam poucos e prejudicam muitos.

A educação desempenha um papel central nesse processo. Orwell já sugeria que a ignorância popular era o adubo do autoritarismo. A proibição da leitura para certos animais na fazenda é reflexo direto disso: quanto menos se sabe, mais fácil é aceitar qualquer verdade imposta. A atual crise educacional nos Estados Unidos — marcada pela desvalorização do pensamento crítico e pela politização de currículos — facilita o avanço de discursos extremos e dogmáticos. Um povo que não lê, que não analisa, que não debate, torna-se presa fácil para os novos Squealers — os propagandistas modernos que suavizam o absurdo e transformam perdas em vitórias. Segundo o National Assessment of Educational Progress (NAEP), apenas 13% dos alunos do 8º ano dos EUA demonstraram proficiência em história em 2022 — o pior desempenho em décadas. Esse dado alarmante revela o quanto o sistema educacional vem falhando em preparar os cidadãos para entender seu passado e, consequentemente, questionar o presente.

A figura de Boxer, o cavalo trabalhador, é a mais trágica da obra. Sua fé inabalável no trabalho e no sistema representa milhões de cidadãos que se sacrificam sob falsas promessas de retorno. “Trabalharei mais ainda” é o seu lema, mesmo quando tudo à sua volta desmorona. A frase ecoa, em sua essência, o “Make America Great Again” — uma convocação emocional que transfere ao povo a responsabilidade de consertar as falhas estruturais do sistema, como se o problema fosse a falta de esforço e não a má condução do poder. Napoleon não existiria sem Boxer, mas Boxer existiria sem Napoleon — e essa assimetria revela o verdadeiro sustentáculo do autoritarismo: a obediência cega. É nesse ponto que Orwell atinge com mais força: o poder autoritário não se sustenta apenas pela força dos líderes, mas pela passividade dos liderados.

Revolução dos Bichos é, antes de tudo, um alerta. Um aviso de que qualquer revolução corre o risco de repetir os erros do passado se não for acompanhada de vigilância constante, de educação robusta e de instituições que priorizem a coletividade sobre os interesses de poucos. Ao fim do livro, os porcos são indistinguíveis dos humanos. A pergunta que fica não é apenas sobre quem está no poder, mas sobre o quanto estamos preparados — como sociedade — para questioná-lo.

*Andrea Westphal é engenheira de alimentos formada pelo Instituto Mauá de Tecnologia e atua como executiva na indústria alimentícia, com passagem pelas áreas de P&D, marketing e comercial. Integra o Instituto IFL-SP, onde se aprofunda em temas como liberdade, liderança e transformação social.

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