Descolado: a história de um revolucionário

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Inicio esta pequena parábola com um alerta de Hans-Hermann Hoppe.

O alerta:

“A motivação fundamental daqueles que defendem o estado é saber que, uma vez dentro da máquina pública, eles terão acesso a gordos salários, empregos estáveis e uma aposentadoria integral. Aqueles que estão fora do serviço público defendem o estado por saber que ele lhes dará vantagens em qualquer barganha sindical. Além desses cidadãos, há também empresários que defendem o estado. Estes estão pensando em subsídios e garantias governamentais, contratos polpudos para obras públicas e no uso geral do governo para alimentar seus amigos e enfraquecer seus concorrentes. O estado, para eles, é garantia de riqueza”.

Dito isso, segue a parábola (volto no final):

Descolado era um menino sonhador. Seu sonho? Tornar-se CEO de uma grande empresa. Não porque quisesse gerar algum valor por meio de seu trabalho intelectual, mas porque invejava a vida que alguns de seus colegas, cujos pais eram pessoas de grande importância no mundo corporativo, levavam.

Não obstante alimentasse esse sonho, Descolado era muito irresponsável. Seus pais lhe diziam que, para tornar-se CEO de uma grande corporação, deveria reunir um conjunto de comportamentos e conhecimentos que fossem valorizados pelos clientes de uma grande corporação.

Descolado se considerava um grande articulador. Com suas falas arrebatadoras, cativava multidões de pessoas por onde passava. Na escola, recebia a admiração de seus colegas por conta de sua popularidade e de sua capacidade de arregimentar alunos, de classes estudantis distintas, cujos interesses estavam alinhados aos seus. Eram interesses bastante diversos, é verdade. Mas Descolado, esperto como era, possuidor de um espírito revolucionário, era capaz de adequar sua linguagem e seus discursos a diferentes públicos. Ora reunia-se com os “riquinhos” (os narcisistas) de sua escola. Ora reunia-se com os ingênuos. Os primeiros, embora certos de que gozavam de uma posição privilegiada proporcionada pelos pais capitalistas, desejavam a popularidade de que usufruía Descolado. Haviam aprendido de seus professores que o sistema capitalista que lhes havia proporcionado privilégios únicos era injusto porque, vejam só, havia alunos de classes vizinhas que não podiam desfrutar dos mesmos benefícios de que desfrutavam. Um sentimento de culpa lhes invadia. Não era justo que pudessem ter acesso a viagens internacionais, a jogos tecnológicos de última geração, a pratos caros de restaurantes de elite enquanto os colegas de outras classes estudantis viviam com o básico. Ironicamente, os pais de muitos dos que pertenciam a esse seleto grupo eram CEOs de grandes empresas.

Os ingênuos, por sua vez, eram um grupo heterogêneo. Dele faziam parte alunos que tinham acesso a uma vida confortável, mas que não possuíam tantos confortos quanto os membros do primeiro grupo. Faziam parte desse grupo, também, alunos mais simples, humildes, cujos pais trabalhavam exaustivamente para que seus filhos tivessem uma boa educação. Parte deles, ressalte-se, compunha a força de trabalho dos CEOs cujos filhos integravam o primeiro grupo.

Descolado, vale repetir, era um menino astuto. Ele logo percebeu a diferença entre os pequenos grupos e viu que poderia cooptá-los em torno de suas ideias de igualdade. Todos deveriam ter as mesmas condições, dizia Descolado. No fundo, porém, o desejo de Descolado era ver sua popularidade aumentar para que, por meio dela, pudesse tornar-se o representante oficial de todas as demandas de sua comunidade escolar. Ele seria o representante dos ressentidos (membros do primeiro grupo), dos insatisfeitos (membros do segundo grupo) e dos completamente ignorantes (membros do segundo grupo). Quando se tornasse um CEO, pensava, agiria com justiça com os empregados. Todos receberiam um salário único. Não era justo, afinal, que os filhos de CEOs dividissem o mesmo espaço escolar com os filhos dos empregados das grandes indústrias e que suas diferenças, tão evidentes, fossem motivo de vergonha para os insatisfeitos ou ignorantes.

Havia ouvido de seus próprios pais que o caminho para a prosperidade era árduo. Não seria possível tornar-se CEO de uma grande empresa sem que pudesse oferecer algum valor, algum benefício às pessoas à sua volta. Seus pais, instruídos acerca dos princípios basilares da divisão do trabalho, do direito de propriedade e das vantagens advindas da livre negociação entre pessoas e empresas, eram eles mesmos trabalhadores de uma grande indústria. Gostavam de divagar sobre quão dura tinha sido sua infância e a respeito de como, hoje, tinham acesso a vários bens e prazeres que podiam proporcionar a Descolado. O sistema capitalista, a respeito do qual Descolado e seus colegas ouviam palavras aviltantes que eram proferidas, sem parcimônia, por seus professores, havia lhes permitido alguma mobilidade social. Tinham acesso a alimentos bons e baratos, à mobilidade, a uma casa confortável e podiam, inclusive, pagar pela escola do filho. Não entendiam a razão pela qual seu filho não era capaz de enxergar que os benefícios proporcionados pelas grandes empresas, cujos CEOs criticava, tinham alguma relação com seu atual padrão de vida. Sempre enfatizavam, aliás, que, se pagavam por um ensino privado, isso se devia ao fracasso do modelo estatal de ensino. Não adiantava: Descolado, inflamado pelos discursos revolucionários de seus professores, dotado de uma popularidade e retórica únicas, estava decidido a avançar com seu plano. Não era justo que tivesse uma vida mediana. Comparava-se, com frequência, a seus colegas narcisistas. Desejava ardentemente a vida e o conforto de que seus pais desfrutavam.

Os anos se passaram; o menino de discurso revolucionário, arrebatador e inflamado, agora muito mais popular que outrora, tornou-se um homem de grande influência e respeito entre seu séquito. Ocupar um cargo numa multinacional, pensou, torná-lo-ia semelhante aos exploradores contra os quais sempre lutou bravamente. Precisava de algo maior. Precisava de um poder quase absoluto, sem o qual não poderia pôr em prática seu plano salvífico (o fato incômodo, porém, era que, na verdade, ele não possuía nenhuma habilidade que o tornasse útil no mundo corporativo. Sua oratória e seu grande poder de influência, afinal, não lhe davam as condições necessárias para criar algo de valor para os clientes de uma multinacional).

Ciente de que os piores sempre chegam ao poder e de que sua capacidade argumentativa e de construção de narrativas contra o sistema de livre mercado era bem recebida pelos agentes do Estado, abraça um desafio ainda mais ousado. Agora, em vez de defensor de uns poucos alunos de classes estudantis distintas que desejam suposta igualdade de condições, apresenta-se como o benfeitor altruísta que trará paz a toda uma nação. Quer tornar-se o presidente, o representante maior de um povo oprimido.

Sagaz, esconde que seu desejo é, de fato, obter salários generosos, emprego estável, pompa e uma aposentadoria integral.

Eleito representante da nação, Descolado aposta em seus discursos inflamados contra o grupo de corporações que, segundo ele mesmo, desejam limitar os ganhos das classes menos abastadas ao suficiente para sua própria subsistência. Havia aprendido com alguns intelectuais (os quais, por sua vez, por não encontrarem boa receptividade no mercado desimpedido, associaram-se a Descolado e prometeram fidelidade à sua causa) que esse argumento seria suficiente para mobilizar massas de pessoas intelectualmente empobrecidas contra quaisquer opositores que desejassem interromper sua marcha rumo à felicidade plena. Aprendeu que deveria haver um inimigo oculto contra o qual deveria lutar dia e noite para que pudesse se manter firme em seu propósito de corrigir os desvios do mundo injusto que dá muito a alguns enquanto subtrai de outros. Acuados e declarados inimigos da vontade popular encarnada no novo representante da nação, grandes empresários, incapazes de resistir à luta contra a ideologia nefasta que agora tomara toda a nação, associam-se a Descolado e passam a depender de generosas negociatas com agentes estatais.

Escasseiam os empregos no livre mercado, escasseiam as mentes empreendedoras, escasseiam os investimentos, escasseiam a esperança e a individualidade. Prevalecem o estado, o império dos maus e a asfixia ao setor que dá vida a uma sociedade inventiva. Morre, aos poucos, a riqueza construída pelos genuínos e verdadeiros CEOs.

Voltei…

Embora se trate de uma parábola, acredito que esse texto seja capaz de mostrar, a quem queira lê-lo, os perigos representados pela confiança excessiva em salvadores da pátria que atribuem a si mesmos um caráter redentor.

Para arrematar, vale a pena a citação de um fragmento de artigo do professor Olavo de Carvalho. No artigo, intitulado A mente Revolucionária, o autor faz referência aos tiranos que consideram a si próprios agentes ou portadores de um futuro melhor e que, por isso mesmo, colocam-se acima do julgamento de toda a humanidade. Diz Olavo:

“Recusando-se a prestar satisfações senão a um futuro hipotético de sua própria invenção e firmemente disposto a destruir pela astúcia ou pela força todo obstáculo que se oponha à remoldagem do mundo à sua própria imagem e semelhança, o revolucionário é o inimigo máximo da espécie humana, perto do qual os tiranos e conquistadores da Antiguidade impressionam pela modéstia das suas pretensões e por uma notável circunspecção no emprego dos meios”.

Qualquer semelhança com nosso personagem não é mera coincidência.

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Juliano Oliveira

Juliano Oliveira

É administrador de empresas, professor e palestrante. Especialista e mestre em engenharia de produção, é estudioso das teorias sobre liberalismo econômico.

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