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A demografia perversa: as características do Brasil (segunda parte)

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Este artigo é resultado de uma palestra proferida perante o Conselho Técnico da CNC em 31/10/2017. Para ler a primeira parte clique aqui.

III – DEMOGRAFIA NO BRASIL

Hoje, no Brasil, temos uma população que está próxima a 208 milhões de habitantes e que cresceu a taxas fortemente declinantes ao longo do tempo na medida em que a renda subiu, as populações deixaram o campo, a educação sexual se espalhou e cresceu a oferta de meios contraceptivos. Éramos 300 mil habitantes em 1700, 3 milhões em 1800, 17 milhões em 1900, e já viramos o século passado com 170 milhões. Se crescíamos a taxas superiores a 3% ao ano por volta da década de 50, hoje crescemos a taxa anual de 0,77%, tendendo à estabilização.

A explicação para o arrefecimento da expansão populacional está na taxa de fecundidade brasileira que caiu de 6,2, em 1940, para 2,4 em 2000, para 1,9 em 2010 e para 1,7 em 2015. Para a população continuar crescendo a longo-prazo, o nível mínimo de fecundidade, chamado de reposição, como vimos, é de 2,1. No país, apenas a região Norte, com 2,47, está acima da taxa de reposição.

O problema, portanto, não é de números absolutos, que tendem a um ponto máximo daqui a 26 anos quando a população atingirá 228,4 milhões de habitantes. Mas, sim, de distribuição da população, lembrando até que, para efeitos previdenciários, neste nosso regime de repartição, melhor seria que a população, no seu todo, continuasse a crescer de forma acelerada.

– IMIGRAÇÃO

Destaquemos a esta altura que, se hoje é a fertilidade das famílias que determina o comportamento da nossa evolução populacional, no passado este comportamento foi fortemente influenciado pelos fluxos migratórios. A imigração no Brasil teve como fatores econômicos preponderantes, em ordem cronológica, a necessidade de mão de obra para as lavouras da cana de açúcar, a busca de ouro e diamantes, a lavoura de café e a grande depressão dos anos 30. Fatos históricos também foram determinantes: a abertura dos portos para as nações amigas em 1808, a proibição do tráfico de escravos em 1850, a abolição da escravatura em 1888 e as duas grandes guerras mundiais, todos agiram como fatores de estímulo à vinda de contingentes de mão de obra para o Brasil.

A partir de 1530, com a expedição de Martim Afonso de Souza, começaram a vir os portugueses. Os outros imigrantes europeus só passaram a vir em grandes números no século XIX. De fato, até a chegada de suíços para Nova Friburgo, em 1819, praticamente só portugueses e escravos negros, em número estimado próximo de 4 milhões, haviam aportado ao Brasil. A partir de 1824, chegaram os alemães, principalmente para o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, seguidos, ainda no século XIX, por italianos e espanhóis, que continuaram chegando no limiar do século XX. Os portugueses sempre mantiveram um fluxo razoável de entrada, mas japoneses e sírio-libaneses só chegaram em grandes quantidades no início do século XX.

Para entender como os brasileiros, imigrantes e descendentes de imigrantes, se sentem no país em relação a suas origens (ancestralidade) é interessante verificar os seguintes percentuais baseados em respostas de amostra selecionada pelo IBGE e representativa da população total, em 1998: 86,1% declararam ter origem brasileira; 10,5%, portuguesa; 10,0%, italiana; 4,4%, espanhola; 3,5%, alemã; 6,6%, indígena; 7,2%, negra e africana; 1,3%, japonesa; 0,5%, árabe; 0,2%, judia; 2,8%, outras, num valor total de 133,5%, já que alguns informaram mais de uma origem.

Por outro lado, os estudos genéticos autossômicos, baseados em exames de sangue, concluem que a ancestralidade europeia representa 62% de nossa herança genética, seguida da ancestralidade africana com 21% e da indígena com 17%. São números surpreendentes para quem registra impressões visuais de grandes concentrações populares.

Devemos repetir que no passado recente os fluxos migratórios de entrada e saída praticamente se anularam, nada representando para o crescimento da população. Se de um lado recebemos, da Ásia, chineses e coreanos; da América, bolivianos, haitianos e venezuelanos; e, da África, ganeses e senegalenses, estamos por outro lado perdendo, em igual quantidade, jovens e famílias inteiras de elevado nível educacional para os EUA, Portugal e Canadá. Não é um jogo de soma zero, no entanto, pois as nossas crises de natureza econômica, moral e de segurança estão nos fazendo perder liquidamente pela maior qualidade do capital humano que emigra para o exterior.

– DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO

Vamos agora examinar alguns dados sobre a distribuição da população:

Com base no rendimento médio mensal, na virada do século, tínhamos 31% das famílias com renda inferior a 2 salários mínimos e apenas 16% com renda superior a 10 salários mínimos. No Nordeste, mais de 50% das famílias apresentam renda inferior a 2 salários mínimos.

Por etnia, com base no Censo de 2010, somos 47,5 % brancos; 43,4% pardos; 7,5% pretos; 1,1% amarelos e 0,4% indígenas.

Na estrutura etária, temos até 14 anos 22,8% da população; de 15 a 24 anos, 16,4%; de 25 a 54 anos, 43,8%; de 55 a 64 anos, 8,9%; e com mais de 65 anos, 8,0%.

Territorialmente, a população concentra-se cada vez mais nas cidades. Para 2015 estimou-se uma população urbana equivalente a 86% do total, com São Paulo atingindo 21,1 milhões de habitantes e o Rio de Janeiro 12,9 milhões. Seguem-se Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza e Recife, respectivamente com 5,7 milhões, 4,2 milhões, 3,9 milhões e 3,7 milhões.

Os dados apresentados mostram uma situação fotográfica, mas é importante notar que estamos passando por um período de forte transição. Nada melhor que ouvir o Professor José Eustáquio Alves sobre esta transição demográfica:

“Todo país que passa pela transição demográfica experimenta uma mudança da estrutura etária. Num primeiro momento a redução das taxas de mortalidade infantil aumenta a base da pirâmide de idade. Nos momentos seguintes, a queda da taxa de fecundidade reduz a base da pirâmide e aumenta a parte central, onde estão as pessoas em idade de trabalhar. No longo prazo, a conjugação da queda da fecundidade com o aumento da esperança de vida faz crescer a população idosa, localizada no topo da pirâmide.

O Brasil vem passando por uma transição da estrutura etária. Mas esta transição não ocorre de maneira uniforme entre as ‘classes’ sociais. Considerando os diferentes níveis de renda, as mudanças na pirâmide populacional ocorrem de maneira diacrônica.

Como a transição da fecundidade foi liderada pelas camadas de mais alta renda e maiores níveis educacionais, a pirâmide da ‘classe’ de maior posição de renda começou a mudar há mais de 50 anos. As classes médias seguiram o mesmo caminho com um certo lapso de tempo. No entanto, as ‘classes sociais’ mais pobres iniciaram o processo de declínio da fecundidade com um certo atraso e só apresentaram uma redução da natalidade na primeira década do século XXI.”

Ou seja, as classes mais pobres estão acompanhando a tendência histórica de contração, mas ainda lideram com folga a produção de crianças, digo eu.

Gostaria aqui de fazer um parêntese para propor aos conselheiros um exercício de introspecção semelhante ao que fiz para analisar a demografia em minha família. Meus bisavós tiveram em média 8 filhos. Meus avós baixaram a média para 5 filhos. Meus pais e os pais de Regina, minha esposa, tiveram 4 filhos. Na minha geração, computados irmãos e cunhados, baixamos para 2 filhos por casal. E a geração abaixo dificilmente se aproximará da média de 1,5 filhos por casal. Este quadro se repete quando converso com amigos próximos e é quase certo que se reproduza com a quase totalidade dos conselheiros aqui presentes, originários de famílias bem estruturadas, onde imperam bons princípios de convivência humana trazidos de civilizações avançadas.

Voltando às diferenças de comportamento, o Censo mais recente confirma que são maiores as taxas de fecundidade para mulheres com menor grau de instrução e menor renda. É verdade que a média para mulheres sem instrução e com ensino fundamental incompleto se reduziu de 3,43 filhos, em 2000, para 3 filhos, em 2010. Mas ainda assim é bem maior que a média de 1,14 filhos apresentada por mulheres com curso superior completo em 2010.

Dados mais recentes, de 2013, mostram que das mulheres entre 15 e 49 anos, com mais de 8 anos de estudos, 44,2% não tinham filhos, enquanto que, entre mulheres com até 7 anos de estudo, a proporção das mulheres sem filhos caía para 21,6%.

Destaque-se que a maior taxa de fecundidade entre mulheres sem instrução e com ensino fundamental incompleto, de 3,67 por mulher, foi observada pelo Censo na região Norte e que a menor taxa diz respeito às mulheres com ensino superior completo, na região Sudeste (1,10).

Aqui para o nosso Rio de Janeiro, segundo estudo da FGV-DAPP, constatou-se que 61,6% das mães eram solteiras no momento do nascimento dos bebês. Nada a ver com emancipação das mulheres, com mulheres independentes que conscientemente decidiram criar seus filhos fora da estrutura tradicional da família, em que a figura do pai tem papel relevante. Melhor seria raciocinar com a imagem de meninas adolescentes de periferia que tiveram relação sexual com os valentes locais. Ou com o ambiente de penitenciárias onde detentas ou namoradas de presidiários ostentam a sua gravidez.

A dura realidade é que uma elite em termos de educação lato sensu está encolhendo e ficando cada vez mais em minoria, diante de uma população que só cresce onde as condições de apoio familiar para a formação das crianças são tremendamente precárias.

Não é uma questão apenas de renda, mas principalmente de saber se há, para as crianças que nascem, uma estruturação familiar que permita nutrição adequada, transmissão de bons princípios e apoio educacional.  E se há um ambiente externo à família capaz de oferecer segurança e bons exemplos de vida para as crianças.

(Continua na terceira parte)

 

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Rubem Novaes

Rubem Novaes

PhD em economia pela Universidade de Chicago e colaborador do Instituto Liberal-RJ. Foi professor da EPGE/FGV, diretor do BNDES e presidente do SEBRAE.

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