Democracia tática, totalitarismo estratégico
Entre salamaleques a Pequim, afagos a Moscou, entusiásticos apoios a grupos terroristas e acenos líricos à revolução bolivariana, nosso diligente governo conseguiu o que parecia impossível: transformar o Brasil, outrora parceiro estratégico do Ocidente, em candidato a pária econômico de carteirinha. A recompensa por tanto zelo ideológico? Uma bela sanção americana, 50% de sobretaxa nas exportações. Mas há de se entender: perseguir adversários internos e abraçar déspotas internacionais não é tarefa fácil; exige esforço, método e, sobretudo, certo talento para o ridículo.
Não é de hoje que podemos perceber a escancarada contradição entre a postura do Partido dos Trabalhadores (PT) no plano interno e suas alianças no cenário internacional. Tal como uma melancia às avessas, o partido é verde por dentro e vermelho por fora.
No plano interno, o partido se apresenta como defensor da democracia, dos direitos humanos, da diversidade, da liberdade de expressão, da imprensa e de todas as causas progressistas e bem intencionadas capazes de mobilizar o debate público contemporâneo. No plano externo, constante e deliberada aproximação com regimes autoritários, ditaduras teocráticas, autocracias militares e governos marcadamente repressivos. Apoiam-se regimes que perseguem opositores, calaram a imprensa, censuram a internet, prendem padres e pastores, executam homossexuais e promovem campanhas genocidas contra minorias. Do chavismo venezuelano ao castrismo cubano, da cleptocracia nicaraguense ao fundamentalismo iraniano — o alinhamento é sistemático.
Não se enganem: a postura não é fruto de ingenuidade diplomática. Não é incoerência. É método.
A própria teoria marxista fornece a chave para essa leitura. Em Marx, toda sociedade é estruturada sobre uma base material — as relações econômicas e de produção — que condiciona e determina a superestrutura, isto é, o mundo das ideias, das instituições, da cultura, da religião, da moral, do direito. Valores como “liberdade”, “democracia”, “família” e “direitos humanos”, portanto, não são universais, mas expressões históricas das necessidades da classe dominante para manter sua hegemonia. O revolucionário, assim, não se compromete com esses valores: ele os instrumentaliza ou os destrói conforme sua utilidade no momento histórico.
As verdadeiras intenções do movimento revolucionário — e, por extensão, dos partidos e lideranças que o representam — são reveladas com desarmante honestidade por Saul Alinsky – um dos principais mentores da subversão política moderna que dedicou seu livro a Lúcifer, a quem chamou de “primeiro Revolucionário”. A lição é clara: “The issue is never the issue. The issue is always the revolution”. A causa pública nunca é realmente a causa. Os temas em debate — justiça social, clima, igualdade, racismo, feminismo, liberdade de gênero — são apenas cavalos de Tróia. O objetivo final é sempre o mesmo: a corrosão da ordem ocidental, a destruição dos valores que sustentam o mundo livre, a ruptura da tradição judaico-cristã, do Estado de Direito, da soberania nacional e da coesão familiar – destruir a superestrutura para criar uma nova base material.
Não é coincidência que o PT se solidarize mais com os algozes do que com as vítimas. Que veja “resistência legítima” no terrorismo islâmico, mas “genocídio” na autodefesa israelense. Que relativize o morticínio de bebês por organizações jihadistas enquanto acusa de fascismo qualquer um que defenda os valores ocidentais. A engenharia moral do marxismo revolucionário opera por inversões calculadas: o opressor vira oprimido, o criminoso é vítima estrutural, o Estado democrático é o autoritário real, e o tirano comunista é o libertador dos povos.
Aqui opera um mecanismo brilhantemente descrito por George Orwell em 1984: o duplipensar. A capacidade de sustentar simultaneamente duas ideias contraditórias, acreditando em ambas. O PT fala em liberdade enquanto defende a censura, prega diversidade enquanto exalta teocracias homicidas, clama por democracia enquanto exalta regimes que jamais admitiriam eleições livres. O duplipensar não é dissonância cognitiva — é disciplina ideológica. Uma ginástica mental necessária à revolução: mentir conscientemente e, ao mesmo tempo, crer na mentira como verdade revolucionária.
A tortura semântica da revolução transforma o terror em justiça, a censura em “regulação responsável”, o confisco em “redistribuição”, a perseguição religiosa em “respeito à cultura local”. Tudo se justifica em nome da “luta”. Nada é sagrado, exceto a própria revolução.
O PT, nesse sentido, não é apenas um partido com simpatias autoritárias. É a encarnação contemporânea de um projeto revolucionário que se alimenta da linguagem democrática para solapar suas bases, usando suas instituições para corroê-las por dentro. No plano interno, o disfarce ainda é necessário, pelo menos enquanto não terminar de aniquilar seus adversários em nome das mais nobres causas. No plano internacional, é possível mostrar suas verdadeiras cores: o vermelho sangue da revolução, da substituição do sistema ocidental-liberal por um novo tipo de hegemonia global sustentada por potências autoritárias.
Não há incoerência. Há consistência ideológica. No projeto revolucionário, a destruição da civilização ocidental não é um dano colateral — é o objetivo. Seja por meio do terrorismo, da engenharia social, do aborto seletivo, da erotização precoce, da censura cultural ou da dissolução da família, o fim é o mesmo: fazer ruir a ordem para construir a utopia. O método varia conforme a conjuntura, afinal, valores não são universais, mas expressões históricas das necessidades da classe dominante para manter sua hegemonia. Em tempos de fraqueza, discursos doces. Em tempos de força, o punho cerrado.
*João Paulo Seixas é advogado e consultor político, mestre em Direito, autor do livro Poder e Federalismo no Brasil e nos EUA e articulista do Instituto Liberal.