Da metafísica aos algoritmos: como a iniciação científica poderá nos redimir do autoritarismo?

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A ânsia de investigar, conhecer e dissentir é imanente ao ser humano. O homem nasce, cresce e vive no mundo: um mundo repleto de estímulos que lhe despertam, através do instinto, o desejo de conhecer mais, cada vez mais, a realidade.

A ciência, no período antigo, perpassava a noção de discurso, não existindo nenhuma outra intenção senão a de produzir uma filosofia qualificada. Não havia, até então, propriamente a intenção de resolver problemas. Na Idade Média, a fé se consolidou, pelas mãos da doutrina cristã, como filtro de verificação e explicação dos fenômenos. Uma crise religiosa, sem precedentes, foi instaurada para suplantar o império da fé (exercido de forma compartilhada entre Igreja, no domínio espiritual, e rei, no domínio secular ou temporal) e inaugurar o império da razão. A moral cristã deixaria, definitivamente, de exercer, em pouco tempo, controle absoluto sobre os comportamentos, e, em seu lugar, seria efetivada uma ética coletivizada com fundamento no cientificismo, no determinismo, na causalidade do ser.

A derrocada do feudalismo[i] e o fortalecimento das monarquias trouxe o crescimento econômico (capitalista) aos Estados Nacionais e a centralização do poder político, em contraposição ao consórcio que até então existia entre a Coroa e a Igreja, com uma dinâmica de freios e contrapesos que garantia a estabilidade social. Como resultado dessa mudança de paradigma, surge uma forte burocracia (PAIM; PROTA; RODRÍGUEZ, 1999, p. 49), que passou a exercer controle e realizar os negócios públicos sob a coordenação de um chefe único ou controlador geral.

O poder unificado e centralizado desconstruiu uma tipologia de organização social secular até então estabelecida em espiral dentro dos próprios grupos comunitários (a família era o primeiro esteio do indivíduo, que, entretanto, poderia buscar, em sendo necessário, apoio da corporação ou da comunidade). O Estado se sub-rogou em todas as tarefas, institucionalizando a providência e a segurança, delimitando direitos, convicções e liberdades.

Diante da decrepitude da fé[ii], abriu-se um vácuo de poder, e, para preenchê-lo, foi necessária uma nova religião: o Estado positivista, com um padrão de funcionamento que exigia a objetivação de premissas e de comportamentos. Estado e ciência se aliaram e estabeleceram um critério único (se não único, muito pouco contestável), não propriamente sofisticado (mas essencialmente eficaz), para conformar consciências, construir sentidos, verificar enunciados, observar fenômenos, confirmar e replicar “verdades”[iii]: o método científico[iv].

O maior efeito gerado pela prática científica, vaticinou Jordan B. Peterson (2018, p. 32), foi o de […] “retirar o afeto da percepção, por assim dizer, possibilitar a descrição das experiências puramente em termos das suas características consensualmente compreensíveis”. A perda do afeto e do universo mítico da fase pré-experimental ocorreu de forma drástica em finais do século XVIII, sem que tenha ocorrido uma fase de depuração, levando a humanidade, de uma hora para a outra, a um estágio de manipulação das coisas e de modulação das categorias.

Se, antes de Descartes e Newton, o mundo foi animado por significados e imbuído de uma finalidade moral, com a modernidade, passamos a atuar de modo empírico. As descrições arcaicas da realidade feitas pelos mitos[v] (que estabeleciam o modo de ser e de agir das sociedades antigas) foram substituídas por experiências que padronizavam coletivamente a compreensão e os comportamentos. Esta metodologia, entretanto, não construiu caminhos, como os mitos construíam, e não realizou, por assim dizer, a verificação do domínio moral, como os mitos também realizavam. A ciência simplesmente passou a gerar informações como resultados de suas aplicações no campo do ser, e esses resultados não confirmavam se as aplicações eram corretas ou não, não diziam como deveria ser, como se deveria agir.

Num ambiente de relativismo moral e arbitrária atribuição de validade à matéria, abriu-se um campo fértil para a propagação de verdades científicas que serviriam unicamente à satisfação de interesses econômicos ou políticos, dos mais variados vieses (muitos dos quais totalitários). Mário Ferreira dos Santos (2018, p. 234) alertou que a “[…] liberdade, pela sua complexidade, pertence à metafísica”[vi], ao âmbito de estudo daquilo que transcende a matéria[vii]. A liberdade, por assim dizer, é um valor caro à civilização ocidental. Comprometer-se com ela é comprometer-se com os valores que ela representa; não é apenas tê-la de per si enquanto um direito (que basta em si mesmo enquanto categoria da ciência do Direito, não necessariamente por se constituir em valor), mas é assumi-la como leitmotiv da busca de uma compreensão verdadeira, do conhecimento real, fundamentado e homogêneo (sem recortes)[viii].

Podemos concluir, já agora, que a educação tem função importante na construção da cidadania e na reversão (se não reversão, ao menos na melhoria) desses problemas. A pesquisa, uma de suas vertentes (ao lado do ensino e extensão), está indissociavelmente relacionada à fundamentalidade do direito social à educação; é dever do Estado, com a colaboração da sociedade, propiciá-la, promovê-la e a todos garantir o acesso, permitindo seu exercício com liberdade e prenhe de ideias. A pesquisa não pode ser utilizada como ferramenta de opressão, para velar o debate, o que se tem visto muito. Isso fere a ordem constitucional brasileira. A ciência precisa levar ao desenvolvimento pleno das pessoas e da sociedade.

Defendemos que a pesquisa científica, desde os primeiros ciclos da universidade, tem vocação para despertar novas consciências, aperfeiçoar o debate público, ampliando o espectro subjetivo de observação dos problemas e dos fenômenos de grande impacto. O exercício da cidadania depende do incentivo da universidade, dos governos e da sociedade à pesquisa independente, livre, múltipla, plural, comprometida com os cânones éticos e morais.

Adotamos uma abordagem qualitativa, juntamente com a metodologia da revisão bibliográfica, para deduzir pela possibilidade da reformulação do papel da ciência na contemporaneidade, a fim de tornar mais democráticos e transparentes os seus procedimentos. A liberdade de ação dos pesquisadores iniciantes deve ser estimulada em todas as áreas das ciências (humanas, exatas ou saúde) e o pensamento crítico deve se constituir em um valor (a academia não pode abrigar uma só voz). Essa conduta contribuirá para a identificação prematura de eventuais desvios de finalidade ou do uso incorreto da prática científica, que não pode se resumir a mera certificadora da política.

Na Grécia, entre 900 a. C.-650 a. C., a compreensão do mundo se devia à ideia dos primeiros filósofos de que “tudo” seria produto da criação dos deuses. Tales de Mileto, por volta de 640 a. C., realizou as primeiras investigações científicas, bastante próximas do que hoje entendemos como ciência. Segundo Mário Ferreira dos Santos (2018, p. 129), Tales “[…] buscou nas coisas qual seria o princípio (arquê) de todas as outras, qual seria aquela à qual se conferiria dignidade de ser princípio, da qual todas as outras seriam simples derivados”.

Anaximandro e Pitágoras acolheram as ideias de Tales sobre a materialidade das coisas e sobre a possibilidade de derivação dessas coisas em coisas diversas, mas não aceitaram como princípio que a coisa fosse previamente determinada (Tales dizia que a água era o fundamento pré-determinado de todas as outras coisas). Para Anaximandro, o princípio das coisas seria um princípio indefinido (ápeiron; protocoisa), que tinha a “potência” de se transformar em qualquer outra coisa. Pitágoras defendia que o princípio do qual derivavam todas as coisas não era palpável, mas algo que apenas poderia ser captado pelos sentidos[ix].

Um pouco mais tarde, Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eleia debateram sobre a essência do ser. Heráclito afirmava que as coisas eram fluidas, modificavam-se constantemente e sua realidade era um devir, um constante vir-a-ser. Parmênides contestou duramente a posição de Heráclito, apontando nela uma contradição lógica: o ser, para Heráclito, é um não ser, o que não seria possível, pois o ser é. Todas as coisas têm um ser que é; se elas não têm um ser, o não ser não é. Parmênides, desse modo, inaugurou o chamado princípio de identidade que fundamentou o pensamento lógico desde então, estabelecendo (através de um critério de identidade do ser) que ele se apresenta como entidade única, eterna, imutável, infinita e imóvel (SANTOS, 2018, p. 130).

A substância das coisas essenciais (arquê) foi desmembrada em três categorias: i) filosofia do incondicionado, ii) filosofia do condicionado e iii) filosofia da relatividade. Mário Ferreira dos Santos (2018, p. 133) explica que na fase pré-cartesiana existia um desejo de incondicionalidade ontológica (Deus), uma postura antirrelativista e metafísica, que foi superada pela filosofia do condicionado, que negava o absoluto (por todos, Auguste Comte), e também pela filosofia da relatividade, que, além de negar o absoluto, insistia na existência de uma relatividade entre as coisas, especialmente no que se referia a uma relatividade no campo da moral (SANTOS, 2018, p. 134).

Se podemos apontar Aristóteles e Parmênides como representantes naturais da filosofia da incondicionalidade, isso não se torna tão óbvio assim quando se trata de Descartes. O pensamento cartesiano toma como ponto de partida uma posição antidogmática, mantendo-se no campo da filosofia da incondicionalidade não por “acreditar em tudo” (o absoluto), mas, essencialmente, por “duvidar de tudo”. Descartes só não duvidava de que duvidava, e isso lhe permitia pensar e logo existir. A verdade, em Descartes, estava na evidência, e essa evidência lhe era revelada pelo ato de pensar. A novidade do modelo cartesiano está na introdução do “eu” e no abandono da filosofia coletiva, esvaziando-se uma tradição que teve início com Platão e se estendeu até Santo Tomás de Aquino (a Academia platônica, o Liceu aristotélico, as universidades…). Ao retomar a tradição filosófica de Sócrates, “[…] do livre exame feito pelo indivíduo isolado” (CARVALHO, 2020, p. 41), Descartes reconstruiu dentro de sua mente, pela dúvida metódica, um mundo particular de conhecimento.

No Iluminismo (seu início se deu com a queda do feudalismo, indo até a deposição da monarquia francesa), do qual Descartes foi um dos principais teóricos, a França se manteve sob o conflito entre duas forças: absolutismo versus anarquismo revolucionário (jacobinismo[x]). Vitoriosos na revolução, os jacobinos – contrariando seus próprios ideais – não só mantiveram o modelo de poder centralizador[xi] dos reis como o intensificaram, através do racionalismo, do positivismo e do terror. O centralismo burocrático francês da primeira república foi virulento e cruel. As agruras desse período estão registradas em inúmeros relatos de degolas em praça pública de pessoas descontentes com a anarquia revolucionária vigente[xii].

A filosofia da condicionalidade e a filosofia dos relativistas, a partir da Revolução Francesa, instalariam no poder, de uma vez por todas, o positivismo, inaugurando uma nova cosmovisão (visão geral de mundo), uma nova teoria da ciência, que negava o absoluto e tinha ojeriza à metafísica. Os racionalistas fizeram uma profunda reforma na sociedade, esvaziando hábitos, tradições e o significado de ordem, cujos resultados deletérios até hoje produzem reflexos.

Augusto Comte (apud SANTOS, 2018, p. 108 e 143) explicava que a humanidade atravessou três estados (teológico, metafísico e positivo). Para ele, estes estados não seriam estanques, mas uma constante dominadora em cada momento histórico.  Isso ajudou Comte a definir o conceito da filosofia positivista nestes termos:

“[…] vê na evolução histórica somente a continuação da evolução material, isto é, um processo sujeito a leis físicas e fatais, um nexo de causas e efeitos, sem fins nem motivos. Os fatos reais não se amoldam a uma concepção abstrata, por lógica que pareça. A obra da vontade humana é coisa, e das energias naturais, outra. O rio, a árvore, o próprio homem são criações da natureza; mas o tear, a Bíblia, são criações históricas – e pertencem ao mundo da cultura[xiii]“.

O positivismo transformou a ciência numa religião, num sistema de enunciados certos e fechados, numa acumulação de experiências destiladas de experiências sensoriais, de afeto e de convicções morais tradicionais. Suas premissas foram transportadas para a política, dando sustentação teórica ao burocratismo estatal. Segundo Karl Wittfogel (apud BERNARDIN, 2015, p. 85), a burocracia foi encarregada de planejar a sociedade e as tarefas de todos, constituindo-se em aparelho político (Estado) que se tornou mais forte que a própria sociedade.

Esse modelo predatório da individualidade e da essência do ser humano inspirou inúmeras barbáries, como a que ocorreu no Estado soviético no século XX, tendo Mikhail Bakunin advertido, já em 1873, que “[…] o Estado socialista conduz ao despotismo por um lado e à escravidão por outro. […] é uma mentira, atrás da qual se dissimula o despotismo de uma minoria governante, uma mentira que é ainda mais perigosa na medida em que aparece como expressão ostensiva da vontade do povo” (apud BERNARDIN, 2015, p. 87).

Yuval Noah Harari (2011, p. 265 a 272), trouxe em Sapiens um desconcertante relato sobre a Revolução Científica[xv]:

“[…] Os últimos quinhentos anos testemunharam um crescimento fenomenal e inédito no poderio humano. […] o momento mais notável e definidor dos últimos quinhentos anos ocorreu às 5h29min45 de 16 de julho de 1945. Naquele exato segundo, cientistas norte-americanos detonaram a primeira bomba atômica em Alamogordo, no estado do Novo México, nos Estados Unidos. Desde então, a humanidade passou a ter a capacidade não apenas de modificar o curso da história, mas também de lhe dar um fim.

[…] A ciência necessita mais do que somente pesquisa para progredir: ela depende do reforço mútuo entre ciência, política e economia. As instituições políticas e econômicas fornecem os recursos sem os quais a pesquisa científica é quase impossível. Em troca, a pesquisa científica fornece novos poderes […].

[…] A ciência moderna não se contenta em criar teorias. Utiliza-as a fim de adquirir novos poderes, e em especial desenvolver novas tecnologias”.

Harari termina por afirmar que, para estabilizar a ordem sociopolítica, uma das estratégias utilizadas (cujo método não tem nada de científico) foi:

“[…] Tornar uma teoria científica e, contrariando as práticas científicas usuais, declarar que ela é verdade final e absoluta. Esse foi o método utilizado pelos nazistas (ao afirmarem que suas políticas raciais eram o corolário de fatos biológicos) e pelos comunistas (ao afirmarem que Marx e Lenin tinham descoberto verdades econômicas absolutas que jamais seriam refutadas)”[xvi].

No transcurso do século XIX, foram consolidadas as doutrinas socialistas, cujas primeiras manifestações ocorreram em 1810, na Inglaterra, durante o movimento luddista, que pedia a destruição das máquinas. Havia uma clara insatisfação dos revoltosos com o desenvolvimento tecnológico e científico que ampliava a automação nas indústrias e reduzia as ofertas de trabalho. O Manifesto Comunista, de Marx e Engels, foi publicado em 1848 e, entre 1848 e 1890, a Europa viveu diversas insurreições republicanas na Itália, na Rússia czarista e no Império Austro-húngaro, culminando com a criação do partido social-democrata alemão, em 1890.

Antonio Paim et al. (1999, p. 163) explicou, dentro deste contexto político, que:

“A Primeira Guerra trouxe a cisão nas fileiras da social-democracia, provocada pela facção posteriormente denominada de comunista, que passou a obedecer à orientação do Kremlin […]. Os comunistas desencadearam forte campanha contra os social-democratas, mesmo durante a ascensão do nazismo. Esse comportamento facilitou inquestionavelmente a ascensão de Hitler. Mesmo nessa condição, o Partido Social-democrata proclamava-se marxista”.

A Segunda Guerra foi consequência trágica do nacionalismo (sob as bandeiras do fascismo, do stalinismo e do nazismo) em conluio com a ciência, que aderiu a projetos de poder político desastrosos, num momento em que o ser humano se encontrava descrente e fragilizado. Olavo de Carvalho (2020, p. 253), a propósito, anotou que os grandes avanços tecnológicos (muitos no domínio bélico) estavam cada vez mais distantes de uma fundamentação, apegando-se “a sua mera funcionalidade ou eficiência, assim tornada um meio de autojustificação formal de áreas inteiras do saber. As ciências fornecem, afinal, bases para o ceticismo”. A esse fenômeno, o autor dá o nome de psicologismo, “que não se apresenta como um ceticismo, mas conduz necessariamente a ele”.

O século XX começou muito mal e não terminou nada bem. Leonard C. Lewin, em 1967, apresentou um relatório ao governo americano, intitulado A paz indesejável: o relatório da Montanha de Ferro (apud BERNARDIN, 2015, p. 205), em que detalhou a importância que as guerras tiveram na sociedade e a impossibilidade de que elas voltassem a ocorrer. Para ele (tese que encontrou eco no globalismo), seria “necessário encontrar algo que as substituísse, pois disso dependeria a estabilidade social”. As guerras tiveram função econômica, sociológica, política, ecológica, cultural e científica importantes porque mantinham a estabilidade social, realizaram o controle das economias nacionais, o controle das populações (aspecto ecológico), o progresso científico (evolução do aparato tecnológico militar) e estabeleceram lutas religiosas, sociais ou morais (aspecto cultural).

Dentre as estratégicas apontadas pel’A Montanha de Ferro como substitutivos da guerra[xvii], estavam a criação de uma força política internacional e de um poder de polícia supranacional para afastar ameaças ao meio ambiente, à poluição massiva; a realização de programas de eugenia[xviii]; a pesquisa espacial e programas de bem-estar social, dentre outras. O texto é uma mistura de terror e fascinação, que demonstra claramente a disposição da ciência[xix] em se aliar a interesses políticos de viés totalitário. No século XX, as estratégias que parecem surtir grande efeito são o ecologismo e o controle sanitário[xx].

O Relatório Brundtland, de 1983, a cargo de Gros Harlem Brundtland, primeira-ministra da Noruega, foi apresentado na primeira Assembleia Mundial da ONU sobre o Meio Ambiente. O relatório se baseia nas conclusões da Conferência de Estocolmo, de 1972. Em 1988, é publicado o Relatório Nosso Futuro Comum, que amplia as discussões ecologistas. A Eco-92 (Conferência do Rio, de junho de 1992) instituiu diversos princípios com nítido caráter totalitário (o princípio da precaução se vale da justificativa de que o que é desconhecido pela ciência tem potencial risco presumido e, assim, sumariamente, deve ser afastado e evitado).

A ideologia ecomundialista, disse Pascal Bernardin (2015, p. 334), “efetua uma síntese entre a economia de mercado e as reivindicações coletivistas. Resulta em um poder mundial fornecido de instituições fortes que lhe dão autoridade em todos os âmbitos e sobre todo o planeta”. A trágica conclusão disso, segundo o autor, é que estamos caminhando para a tirania ideal e o socialismo de mercado como nova etapa da revolução, que busca instaurar uma cosmologia instituidora de uma ordem burocrática, um novo sistema de disciplina, integrado a novas estruturas hierárquicas. Enfim, um novo credo, com novos deuses e nova ciência de paradigma holístico[xxi].

Nesse estado de coisas, onde a ciência amplia seu espaço[xxii] na mesma proporção em que reafirma suas conexões com a política (isso implica mais patrocinadores), somos obrigados a concordar em que muitos pesquisadores estão alienando sua autonomia a troco de apoio a projetos autoritários. A atuação profissional desses personagens, que coloca em risco a própria credibilidade, demonstra o absoluto descompromisso com os direitos humanos, com a dignidade das pessoas. Eles estão agindo para repetir, incansavelmente, na mídia e na internet, uma mensagem única que obscurece o debate, dificulta a compreensão da realidade, omite os princípios (a arquê que habita a metafísica) e restringe, propositadamente, o campo de reflexão e de observação dos fenômenos (mecanicismo científico), atendendo casuisticamente às conveniências de plantão[xxiii].

Hegel dizia que somente através da consciência moral e da capacidade de julgar o bem e o mal o homem pode adquirir uma dimensão central para exercer a sua liberdade (MENEZES et al., 2002, p. 12)[xxiv]. Não sabemos até que ponto essa ética global ecologista, ou as perseguições sanitárias que infernizam nosso tempo, vão conseguir abalar as liberdades. Essa mescla de panteísmo com subversão do pensamento criou lacunas profundas na sociedade ocidental e, lamentavelmente, os cidadãos do mundo não podem contar com os cientistas para iluminar o caminho. Eles já estão muito ocupados em manipular[xxv] e em desinformar[xxvi].

Em 21 lições para o Século 21, Yuval Noah Harari (2018, p. 69) adverte: a “Big Data está vigiando você”. Da forma como as coisas andam, softwares substituirão os juízes, um controle sanitário poderá impedir pessoas de viajarem, de visitarem o supermercado ou de serem atendidas pelos hospitais[xxvii].

Como enfrentar esse dilema? Um dos caminhos que a ciência mesma aponta é utilizar contra o inimigo o seu próprio veneno. Pois que assim seja: vamos utilizar a pesquisa científica, desde os primeiros níveis acadêmicos, para viabilizar atitudes concretas contra o solipsismo e a ausência de antagonismo.

A BBC Brasil publicou em seu portal, em 3 de maio de 2021, entrevista com a socióloga Jana Bacevic[xxviii], onde ela declarou que a política favorece a ciência que se alinha às suas preferências. Os cálculos políticos e econômicos são realizados, segundo Jana, de acordo com compromissos morais e ideológicos. A pesquisadora afirmou que a ciência é política e que estará sempre envolvida em questões políticas. Uma dessas questões seria “o financiamento das pesquisas científicas […] se não há financiamento, não há ciência”.

Para que o governo possa decidir entre uma ou outra pesquisa, disse Jana, torna-se decisivo o tipo de compromisso assumido pelo cientista com o patrocinador estatal. Jana propõe que os processos de assessoria científica aos governos sejam mais transparentes para permitir que o público faça as cobranças adequadas aos políticos e sustentou que “devemos nos perguntar como poderemos capacitar as pessoas para entender o que está acontecendo”. Deve existir, segundo ela, uma prestação de contas mais democrática, um envolvimento da sociedade em todas as discussões, não podendo essas informações continuarem restritas apenas aos políticos e aos cientistas. A entrevista é reveladora.

Muitas narrativas foram criadas para explicar a origem, a existência e os fenômenos intrincados do mundo. De certo modo, essas narrativas mantiveram a harmonia social. Mas, à medida em que a tecnologia avançou, em que as pinturas rupestres foram substituídas pela televisão, iludir as pessoas ficou bem mais fácil. Num futuro próximo, os algoritmos irão completar esse processo, tornando quase impossível para o ser humano perceber a realidade, diz Harari (2018, p. 389).

Este modesto artigo é um alerta: a iniciação científica poderá nos redimir do autoritarismo cientificista e do dirigismo político se novos pesquisadores comprometidos com a realidade conseguirem reconstruir o diálogo e realizar um contraponto eficaz. A democracia, afinal, só funciona com um naipe de vozes de diferentes tessituras.

REFERÊNCIAS:

BBC BRASIL. “Covid: ‘políticos favorecem ciência que se alinha com suas próprias preferências’”. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-56936098.amp. Acesso em: 20/jun/2021.

BERNARDIN, Pascal. O império ecológico: ou a subversão da ecologia pelo globalismo. Campinas: Vide Editorial, 2015.

CARVALHO, Olavo de. Edmund Husserl contra o psicologismo. Campinas: Vide Editorial, 2020.

HARARI, Yuval Noah. Sapiens: uma breve história da humanidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

____. 21 lições para o século 21. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.

MENEZES, Paulo (Org.). Hegel, a moralidade e a religião. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.

MERQUIOR, José Guilherme. A arte e sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin: ensaio crítico sobre a Escola Neo-hegeliana de Frankfurt. São Paulo: É Realizações, 2017.

____. O marxismo ocidental. São Paulo: É Realizações, 2018.

MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. 5ª ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1982.

PACEPA, Ion Mihai; RYCHLAK, Ronaldo J. Desinformação: ex-chefe de espionagem revela estratégias secretas para solapar a liberdade, atacar a religião e promover o terrorismo. Campinas: Vide Editorial, 2015.

PAIM, Antonio; PROTA, Leonardo; RODRÍGUEZ, Ricardo Vélez. As grandes obras da política em seu contexto histórico. Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 1999.

PETERSON, Jordan B. Mapas do significado: a arquitetura da crença. São Paulo: É Realizações, 2018.

POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. 16ª ed. São Paulo: Editora Cultrix, 2008.

RODRÍGUEZ, Ricardo Vélez. A democracia liberal segundo Alexis de Tocqueville. São Paulo: Editora Mandarim, 1998.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 5ª ed. São Paulo: Cortez Editora, 2008.

SANTOS, Mário Ferreira. Filosofia e cosmovisão. São Paulo: É Realizações, 2010.

____. Invasão vertical dos bárbaros. São Paulo: É Realizações, 2019.

SENADO FEDERAL. Plano de Trabalho. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/636ad15c-dba0-4bcd-bca5-65af0f0ce25d. Acesso em: 19/jun/2021.

VOEGELIN, Eric. História das ideias políticas: renascença e reforma. Vol. IV. São Paulo: É Realizações, 2016.

[i] A transição entre feudalismo e capitalismo é marcada pelo movimento renascentista (humanismo), que alterou a percepção da cultura, da política, da economia, da filosofia e das artes, propondo um salto para além da cultura medieval ao elevar o homem à condição de centro do mundo.

[ii] “As grandes forças do empirismo e da racionalidade e a grande técnica do experimento mataram o mito e ele não pode ser ressuscitado – ou assim parece. Contudo, nós ainda agimos conforme os preceitos de nossos antepassados, embora não possamos mais justificar nossas ações. Nosso comportamento é moldado (pelo menos no ideal) pelas mesmas regras místicas – não matarás, não cobiçarás – que guiaram nossos ancestrais pelos milhares de anos em que eles viveram sem o benefício do pensamento empírico formal. Isso significa que essas regras são tão poderosas – tão necessárias, pelo menos – que continuam existindo (e expandem seu domínio) mesmo na presença de teorias explícitas que enfraquecem sua validade. Isso é um mistério” (PETERSON, 2018, p. 35).

[iii] Na grande maioria das vezes, essas supostas verdades não passavam de meras conjecturas ou probabilidades.

[iv] Teve o seu ápice na Revolução Francesa (1789). O Iluminismo foi o período histórico em que a razão foi convocada para ser a fonte principal das ideias de liberdade, igualdade e fraternidade. Tinham clara oposição à monarquia e à Igreja, de onde sobressaíram os escritos de Descartes, Bacon, Locke, Beccaria, Rousseau e Kant, por todos.

[v] Mitos são os “lugares para agir”. Eles atribuem às coisas valores e significados, indicando o modo de agir.

[vi] Apesar do caráter antimetafísico de Karl Popper, Leonidas Hegenberg (ao prefaciar a edição brasileira d’A Lógica da Pesquisa Científica, fruto de sua própria tradução de 1974), observou que o filósofo, em sua maturidade, estudou profundamente o assunto, examinando questões como tempo (entropia) e “mais de perto, a ‘teoria’ da evolução, encarada [por ele, Popper] como mero ‘programa de pesquisa, de caráter metafísico”. Popper sustentou que os postulados de Darwin não seriam propriamente uma teoria, mas uma espécie de quadro geral de referência, de onde poderiam surgir outras teorias passíveis de teste. Para ele, esse programa de ação, exatamente por não se constituir numa teoria, foi incapaz de explicar, por exemplo, a origem da vida (POPPER, 2008, p. 19).

[vii] Kant afirmava que a liberdade não é nem pode ser uma questão física, mas apenas e unicamente uma questão moral e, no reino da moral, não só há liberdade, como também não se pode não a haver. A liberdade é um postulado da moralidade e, como tal, há um aparente conflito entre liberdade e determinismo. A liberdade é um começo (o que somente é possível na existência moral). O homem é livre por não se constituir inteiramente numa realidade natural, a despeito de, por outro lado, não ser livre por poder afastar-se do nexo causal. Assim, o homem pode introduzir no mundo possíveis começos de novas causações (KANT apud MORA, 1982, p. 239).

[viii] Olavo de Carvalho (2020, p. 112) adverte, no ponto, que: “[…] A sequência de operações denominada ‘pesquisa científica’ não produz por si só conhecimento científico. Ela produz só se você tiver a plena inteligência do que está fazendo. De resto, só produzirá fetichismo. Não só se deve ter sempre em vista os conceitos metafísicos implícitos, o fundamento metodológico, como também o objetivo do trabalho científico: reduzir uma classe de fenômenos a uma lei de necessidade evidente. A ciência é um ato humano, uma vontade humana. Ninguém é cientista obrigado pelas leis da natureza. Foi uma série de decisões humanas, sustentadas por um intuito humano, que deu surgimento à ciência. O que norteia um impulso humano é a noção de objetivo. Se você esqueceu o objetivo e continua achando que o piloto automático vai levá-lo ao mesmo lugar, está acreditando num absurdo. O sujeito não pode esquecer qual é o objetivo da investigação: ele deve conhecer determinados fenômenos de maneira evidente e estabelecer entre eles um nexo de evidência, nexo o qual seja ele próprio logicamente evidente. Fazer ciência consiste nisto”.

[ix] A arquê de Pitágoras, diversamente, é o número “um”, e as coisas são números e se distinguem umas das outras por suas expressões numéricas (SANTOS, 2018, p. 130).

[x] Partido (de feição republicana) que saiu vitorioso na Revolução Francesa de 1789. Era formado por burgueses e intelectuais franceses, que se reuniam no chamado Clube dos Jacobins (Dominicanos).

[xi] Ricardo Vélez Rodríguez (1998, p. 133), examinando a obra de Alexis de Tocqueville, diz que o fenômeno fundamental na vida política francesa pós-revolução foi o centralismo político, tendo como efeito o despotismo. O centralismo, dizia Tocqueville, “[…] tirava da sociedade sua iniciativa e a transformava em eterno menor de idade perante o Estado Todo-Poderoso […]. O centralismo acaba com as solidariedades locais e torna insensíveis os cidadãos às comuns desgraças e necessidades. Não havendo mais entre os homens nenhum laço de castas, classes, corporações, família, ficam por demais propensos a só se preocuparem com os seus interesses particulares, a só pensar neles próprios e a refugiar-se num estreito individualismo que abafa qualquer virtude cívica. Longe de lutar contra esta tendência, o despotismo acaba tornando-a irresistível, pois tira aos cidadãos qualquer paixão comum, qualquer necessidade mútua, qualquer vontade de um entendimento comum, qualquer oportunidade de ações em conjunto, enclausurando-os, por assim dizer, na vida privada. Já tinham a tendência de separar-se: ele os isola, já havia frieza entre eles: ele os congela”.

[xii] Eric Voegelin (2016, p. 77), examinando os perigos dos ideais republicanos e analisando as ideias de Maquiavel, que afastam a experiência cristã e a ética do amor Dei e impõem a ética da virtú (dentro da esfera republicana), explica que “[…] A república é um crescimento natural no sentido de uma manifestação articulada de ordem cósmica. Que exista esse tipo particular de articulação é um fato que deve ser aceito, não explicado. Repúblicas são uma articulação cósmica da mesma maneira que plantas, ou animais, ou homens, ou corpos celestiais. Que repúblicas sejam um crescimento natural com força vital exaurível não significa, no entanto, que sejam um crescimento orgânico. Repúblicas, bem como comunidades religiosas, não são organismos; são corpi misti, isto é, corpos compósitos. Seus elementos compósitos são homens; e homens não são autômatos coletivistas, mas existem na tensão entre sua vontade própria e a vontade da ordem pública. Essa tensão é inelutável; e é causa do declínio até das repúblicas mais bem ordenadas. ‘Os desejos humanos são insaciáveis; pois da natureza eles têm o poder e a vontade de apanhar tudo, ao passo que da fortuna têm o poder de alcançar apenas umas poucas coisas. Como consequência, as mentes dos homens estão permanentemente cheias de descontentamento e de uma fadiga das coisas que possuem. Portanto, sem nossa boa razão, eles criticam o presente, louvam o passado e desejam o futuro (Maquiavel in Discorsi, Liv. II, p. 136)’. Tal é o material não promissor fora do qual a ordem da república tem de crescer. A ordem do crescimento e queda, portanto, não é mais do que uma moldura que permitirá uma infinidade de variações históricas. Não há nenhuma garantia de que qualquer reunião particular de homens desenvolverá uma ordem política; quando existe uma vitalidade por um começo, a tentativa pode abordar e dar ensejo a uma ordem instável; e quando o começo foi bom, o curso pode ainda ser cortado quando num momento de crise não aparecem os poderes renovadores”.

[xiii] A ciência se ocupa do geral. A história se ocupa do singular: de um indivíduo, de uma classe, de um século, de um povo, de algo que transcorre, que não voltará a se repetir, que só existe na memória. A ciência pode comprovar conclusões, a história não. A história exige apenas rigor, a ciência exige exatidão. A ciência extrai seus conceitos de uma multiplicidade de fatos análogos. A história não pode fazer o mesmo, porque os fatos históricos são sempre únicos.

[xiv] Karl Popper (1974, p. 308) dizia que “a visão errônea da ciência se trai a si mesma na ânsia de estar correta, pois não é a posse do conhecimento, da vida irrefutável, que faz o homem de ciência – o que o faz é a persistente e corajosa procura crítica da verdade”.

[xv] Há diversos entendimentos sobre o conceito de Revolução Científica. Harari (2011, p. 267) adota como sendo o processo histórico que levou a Alamogordo e à Lua, “quando a humanidade conquistou poderes novos e enormes de investir recursos em pesquisa científica”.

[xvi] A outra estratégia, segundo o autor, foi adotada pelos humanistas liberais, e consistia em simplesmente esconder a verdade.

[xvii] Jürgen Habermas (apud MERQUIOR, 2018, p. 212) concordava com o movimento de contracultura de maio de 1968 (iniciado em Paris), cujo lema era “mudar a vida”. Mas quebrar tabus e contrariar as normas, para Habermas, não deveria se dar pela violência, mas por uma mudança na estrutura do sistema geral de educação (um procedimento soft, ao estilo do progressismo germânico ou, se preferirem, ao estilo de Gramsci, que era destruir sorrateiramente por dentro. A tática foi denominada por Rathenau e Mário Ferreira dos Santos (2019, p. 13) como invasão vertical dos bárbaros, e consiste na “tomada de posse e corrupção da cultura de um povo”, como explica Luiz Felipe Pondé no prefácio da obra.

[xviii] Eufemismo do racismo. Os nazistas usaram práticas eugênicas (ou higienistas) contra judeus, ciganos e outras etnias que consideravam “raças inferiores”, frente à supremacia da raça alemã.

[xix] In BERNARDIN, 2015, p. 456. Em 1990, 32 cientistas de diversas universidades e instituições governamentais norte-americanas e de outros países,  incluindo três membros da Academia de Ciências Soviética, endereçaram uma carta aberta à comunidade religiosa, cujos termos comprovam a conexão maléfica entre políticos e cientistas, a que nos dispomos neste paper a examinar: […] Carta Aberta da Comunidade Científica à Comunidade Religiosa (janeiro de 1990) […] Hoje, de repente e sem aviso, o número de homens tornou-se considerável e nossa tecnologia adquiriu poderes imensos e, por vezes, terrificantes […]. A humanidade se inflige os seguintes meles: destruição da camada de ozônio, aquecimento global sem precedentes desde os últimos 150 milênios; destruição de meio hectare de floresta a cada segundo; extinções rápidas de espécies; e a perspectiva de uma guerra atômica global que ameaçaria a maior parte da população mundial […]. Não estamos longe de cometer – e muitos argumentam que já cometemos – isso que às vezes chamamos, na linguagem religiosa, de ‘crimes contra a criação’. Os problemas desta importância, cujas soluções exigem perspectivas bastante amplas, devem ser reconhecidos como tendo uma dimensão religiosa, para além de sua dimensão científica […]. Mas outas abordagens, mais eficazes, de longo alcance e integração de longo prazo, chocar-se-ão com uma inércia generalizada, com rejeições e resistências. Entre essas abordagens, incluem-se a passagem dos combustíveis fósseis às fontes de energia não-poluentes, o cessar da corrida aos armamentos nucleares e a interrupção voluntária do crescimento da população mundial, sem os quais outros numerosos esforços para preservar o meio ambiente estão condenados ao fracasso […]. Como cientistas, muitos de nós temos sentido profundos sentimentos de temor e veneração diante do universo. Aquilo que é considerado sagrado, mais provavelmente será tratado com respeito. Nossa morada planetária assim deveria ser percebida. Os esforços para salvaguardar nosso meio ambiente devem ser animados por uma visão do sagrado […]. Assinado: Carl Sagan, Universidade de Cornell, NY; M. I. Budyko, Instituto Nacional de Hidrologia, Leningrado; Paul J. Crutzen, Instituto de Química Max Plank, Alemanha Ocidental; Stephen Jau Gould, Universidade de Harvard, MA; James E. Hansen, Instituto Goddard de Estudos Espaciais, NASA, NY; Roger Ravelle, Universidade da Califórnia; Walter H. Schneider, Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica, Boulder, CO; O. B. Toon, Centro e Pesquisas Ames, NASA; Richard P. Turco, Universidade da Califórnia, dentre muitos, todos protagonistas das teorias do aquecimento global, do buraco negro, do inverno nuclear e outras questões mundialistas que se constituem em verdadeiros cavalos de Tróia para a civilização ocidental.

[xx] Um exame sobre os efeitos da pandemia do vírus de Wuhan e os contornos da estratégia político-científica de controle social demandaria a elaboração de outro paper.

[xxi] Esse paradigma amplia, conforme documento da UNESCO, a consciência pessoal para uma consciência planetária, cósmica, de natureza transpessoal, transssocial e transplanetária. Esta concepção de consciência permite a reconstrução da consciência humana através de técnicas psicológicas, a ponto de nela incutir uma religião da natureza.

[xxii] Yuval Noah Harari (2011, p. 270) anotou em Sapiens que a ciência, durante o império do cristão, tinha de se contentar com seu papel irrelevante na sociedade. O cristianismo não proibia ninguém de estudar, mas eventuais descobertas sobre borboletas, aranhas ou tentilhões de Galápagos, não alteravam as verdades fundamentais da sociedade, da política e da economia. Isso pode explicar, digo eu, a debandada dos cientistas para o lado da condicionalidade e do relativismo, arrastando as universidades e os outros grupos de interesse na instalação da dúvida, do medo ou do caos.

[xxiii] José Guilherme Merquior (2017, p. 37), ao discutir sobre a agressividade na cultura contemporânea em A arte e sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamim: ensaio crítico sobre a Escola de Neo-hegeliana de Frankfurt, demonstra a preocupação de Freud com a sociedade contemporânea, no que se refere à sua tendência à redução da autonomia do ego e o retorno à horda primitiva, baseada na obediência irracional ao Führer (ou, dizemos nós, em qualquer outro representante de uma religião estatizada). A sociedade contemporânea (quem disse foi Marcuse) se dirige para uma modalidade de controle impessoal não mediatizado pelos superegos individuais. Mas o que estaria destruindo a individualidade, perguntamos nós? Merquior aponta a publicidade moderna como um dos fatores para a substituição de um líder por uma tendência coletiva, para a construção de uma sociedade sem pai, “onde a imposição direta do princípio da realidade (representado pelo sistema de produção) ao ego enfraquecido acarretaria a debilitação decisiva do instinto vital, em decorrência de um aumento incalculável de agressão. O feroz maniqueísmo da situação política internacional já seria sintoma de destruição”. Uma das formas de agressividade que mais se sobressai seria a agressividade tecnológica (executada de forma automática, através de algoritmos, por exemplo), muito mais possante, segundo Marcuse, que o indivíduo. Essa onda de agressividade leva à frustração e sua habitualidade (que se transforma em uma coisa normal e socialmente aprovada), institucionaliza a violência. A institucionalização da violência, a banalização do crime (o criminoso, não raramente, é colocado como vítima) reduz o sentimento de culpa e contribui para a reincidência. O ponto que mais nos interessa nesta discussão é a conclusão a que chegou Freud, segundo Merquior: a repetição compulsiva é uma característica comum à agressão mediatizada. “Freud associou o processo de repetição compulsiva à nostalgia regressiva do ventre materno e a tendência ao autoaniquilamento do eu”. A civilização contemporânea tecnológica “prefigura a sociedade sem pai”. Ela é altamente repressiva. Dominada pelo culto da performance (inclusive a performance científica, apontamos nós), da eficácia, ela tende a transformar a realidade. “A ciência busca o possível além do real”, conclui Merquior.

[xxiv] Paulo Menezes (2002, p. 13) define a religião em Hegel como sendo a “consciência da essência absoluta em geral”, esclarecendo que para ele existiam dois sentidos de religião: i) “só do ponto de visa da consciência que é consciente da essência absoluta” e ii) a consciência que o Espírito absoluto toma de si mesmo, a consciência-de-si do Espírito. A religião em Hegel é o ponto mais alto do itinerário do espírito antes de chegar ao Saber absoluto ou à “verdade última que os fenômenos do Espírito encontram, antes do Saber absoluto. Na Fenomenologia, ele analisa a religião natural (essência absoluta tomando consciência de si mesma na natureza), a religião da arte (forma das consciências-de-si humanas) e, por fim, a religião revelada (a própria essência absoluta que se manifesta como humanidade).

[xxv] Boaventura de Sousa Santos (2008, p. 88) alertou: “[…] o fundamento do estatuto privilegiado da racionalidade científica não é em si mesmo científico. Sabemos hoje que a ciência moderna nos ensina pouco sobre a nossa maneira de estar no mundo e que esse pouco, por mais que se amplie, será sempre exíguo porque a exiguidade está inscrita na forma de conhecimento que ele constitui. A ciência moderna produz conhecimentos e desconhecimentos. Se faz do cientista um ignorante especializado faz do cidadão comum um ignorante generalizado. […] a ciência pós-moderna sabe que nenhuma forma de conhecimento é, em si mesma, racional”.

[xxvi] Ion Mihai Pacepa serviu como chefe do serviço de espionagem do regime comunista da Romênia, tendo sido o principal conselheiro do ditador Nicolae Ceausescu. Em 1978, Pacepa (2015, p. 69), então tenente-general do exército romeno, desertou para os Estados Unidos, onde passou a revelar as atividades do serviço de inteligência da polícia secreta romena. Em uma das passagens de seu livro (escrito a quatro mãos com Ronald J. Rychlak, Consultor da ONU, professor de direito constitucional da Universidade do Mississipi e advogado norte-americano), Pacepa descreve a técnica da desinformação (dezinformatsiya) como sendo uma ferramenta secreta de inteligência utilizada pelo KGB e suas agências satélites (a agência romena Securitate era uma delas) para fabricar mentiras. Não se trata de informar mal. A desinformação é uma fábrica de mentiras e de documentos falsos.

[xxvii] No Brasil, o debate atual se converteu num drama bernesco, cujo elenco, integrado por personalidades da política e da ciência, digladia-se nos auditórios do Congresso Nacional e nos gabinetes de Brasília a respeito de procedimentos e tratamentos para a doença causada pelo vírus de Wuhan. O que temos visto daquele cenário não é a intenção dos parlamentares de buscar uma resposta de cura, mas apenas uma marcha insensata de disputa do poder, atrelada ao cientificismo, à violência da mídia, à desinformação e à tentativa de se impor um controle sanitário.

[xxviii] Jana Bacevic é pesquisadora na Universidade de Durham, do Reino Unido, e especialista em políticas públicas e filosofia da ciência.

*Rogério Torres é advogado e diretor de Cursos e Eventos do Instituto Liberal da Alta Noroeste (ILAN).

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