Cúmplices voluntários da mentira

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O grande perigo do nosso tempo não é apenas a maldade, mas a estupidez. Não aquela ingênua, fruto da ignorância absoluta, mas a que nasce da abdicação consciente do pensamento crítico, sufocada pela pressão social e pelo desejo de pertencimento. Adam Smith, ao falar do “espectador imparcial”, lembrava-nos do árbitro moral interno, capaz de julgar nossas ações com justiça e sustentar a virtude mesmo quando ninguém observa. Hoje, esse árbitro parece silencioso. A moralidade tornou-se rara, e a verdade, muitas vezes, secundária à conveniência.

Pessoas inteligentes se tornam cúmplices voluntários da mentira. A dissonância cognitiva explica esse fenômeno. Ponto. Tudo aquilo que reforça nossas crenças é aceito com conforto, enquanto qualquer evidência contrária seja ignorada ou descartada. Não importa a ideologia — extrema-esquerda ou extrema-direita —, o que prevalece é o prazer de se sentir parte do grupo, de validar emoções ao invés de confrontar fatos.

Freud, em seu Psicologia das Massas, advertia que, em multidões, indivíduos perdem parte da autonomia crítica. O raciocínio pessoal se dissolve no impulso coletivo, e a massa assume poder sobre o juízo individual. É assim que slogans, hashtags e líderes carismáticos substituem a reflexão analítica. Interessante notar que Kahneman complementa Freud nesse ponto: ao distinguir o Sistema 1 e o Sistema 2, ele mostra que nossa mente tende a operar de forma automática, emocional e intuitiva, cedendo à pressão social. Apenas o Sistema 2, deliberativo e reflexivo, permite que o indivíduo resista, analise fatos e evidências e preserve a lucidez diante do engodo coletivo.

A solução começa em casa. A família deve ensinar os filhos a pensar por eles mesmos, a questionar e a exercitar o pensamento crítico desde cedo. É preciso mostrar que seguir a manada é fácil e agradável, mas sustentar a verdade exige coragem. O exercício contínuo do Sistema 2 é a única forma de preservar a autonomia intelectual e moral.

A estupidez coletiva prospera porque muitos cedem ao conforto imediato, mas cada indivíduo que ousa pensar, questionar e defender a verdade cumpre o papel do que Smith denominou como espectador imparcial. Se o espectador imparcial fosse reativado, o indivíduo resistiria à pressão da massa, defenderia a razão e manteria viva a chama da liberdade intelectual. É esse compromisso ético e cognitivo que distingue os cúmplices voluntários da mentira daqueles capazes de sustentar a dignidade da mente humana.

Em um tempo em que a mentira se torna conveniência e a emoção domina a razão, pensar é ato de coragem. Persistir na busca da verdade, mesmo quando é mais difícil que ceder ao prazer do pertencimento, é o que separa aqueles que aceitam passivamente a estupidez coletiva daqueles que, com coragem e reflexão, permanecem guardiões da verdade e da autonomia intelectual. A lucidez é o último refúgio da liberdade.

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Alex Pipkin

Alex Pipkin

Doutor em Administração - Marketing pelo PPGA/UFRGS. Mestre em Administração - Marketing pelo PPGA/UFRGS Pós-graduado em Comércio Internacional pela FGV/RJ; em Marketing pela ESPM/SP; e em Gestão Empresarial pela PUC/RS. Bacharel em Comércio Exterior e Adm. de Empresas pela Unisinos/RS. Professor em nível de Graduação e Pós-Graduação em diversas universidades. Foi Gerente de Supply Chain da Dana para América do Sul. Foi Diretor de Supply Chain do Grupo Vipal. Conselheiro do Concex, Conselho de Comércio Exterior da FIERGS. Foi Vice-Presidente da FEDERASUL/RS. É sócio da AP Consultores Associados e atua como consultor de empresas. Autor de livros e artigos na área de gestão e negócios.

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