Como STF, Executivo e Legislativo restringem a liberdade em nome “democracia”

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“Eu amo a democracia. Amo a República.”
— Chanceler Palpatine, momentos antes de instaurar o Império Galáctico

Em Star Wars, o senador Palpatine não tomou o poder à força. Foi aclamado. Com voz serena, retórica precisa e o apelo constante à estabilidade institucional, concentrou poderes, desativou resistências e destruiu a República sob aplausos entusiasmados. Seu golpe não foi violento, mas legalista; não foi imediato, mas paulatino; não foi declarado, mas incorporado ao funcionamento ordinário das instituições. Tudo se passou sob a aparência de normalidade, e exatamente por isso foi mais perigoso. A célebre frase “Eu amo a democracia”, pronunciada pelo próprio ditador ao anunciar o nascimento do Império, é o retrato do cinismo político que recobre tiranias em trajes de legalidade. A ficção galáctica tornou-se, tragicamente, um espelho distorcido (e cada vez mais preciso) da realidade institucional brasileira.

Nos últimos anos, um consórcio silencioso se formou entre ministros do Supremo Tribunal Federal, setores do Executivo e parcelas do Congresso Nacional. Esse consórcio se apresenta como defensor da democracia, mas, na prática, mina seus pilares essenciais. A retórica da proteção institucional tem servido como disfarce para a centralização do poder, a supressão do dissenso e a imposição de uma hegemonia narrativa. Sob a justificativa de garantir a ordem democrática, instala-se um regime que limita liberdades, criminaliza opiniões e transforma interpretações jurídicas em instrumentos políticos. Não se trata de excessos eventuais ou falhas técnicas, mas de um método articulado, sustentado por conveniência e blindado pelo medo.

Os exemplos são numerosos e ilustrativos. O jornalista Allan dos Santos teve suas contas bloqueadas, seus meios de sustento destruídos e passou a ser tratado como foragido internacional, sem o devido processo legal e sem direito ao contraditório efetivo. O deputado federal Daniel Silveira foi condenado à prisão, perda de mandato e cassação de direitos políticos por declarações feitas em vídeo, por mais ofensivas que fossem. A penalidade foi completamente desproporcional e sem base constitucional explícita, posteriormente tensionada pelo indulto presidencial. O ex-procurador Deltan Dallagnol, por sua vez, foi cassado com base em uma interpretação subjetiva de atos administrativos que sequer resultaram em condenação judicial, anulando-se, de forma monocrática, mais de 340 mil votos soberanamente depositados nas urnas. Em todos esses casos, os elementos se repetem: o processo é excepcional, a motivação é política e a sanção é travestida de tecnicalidade, sempre em nome da ordem democrática.

É precisamente nesse ponto que se deve refletir sobre o que, de fato, constitui uma democracia liberal funcional. O conceito não se esgota na realização periódica de eleições. Democracias verdadeiras se sustentam sobre quatro fundamentos inegociáveis: separação e equilíbrio entre os Poderes; liberdade de expressão irrestrita (inclusive contra o próprio Estado); legalidade com devido processo, punições proporcionais e previamente tipificadas; e pluralismo político com respeito à soberania popular. No Brasil atual, nenhum desses fundamentos está plenamente preservado. A separação de poderes foi substituída por um pacto de conveniência. O STF concentra funções legislativas, investigativas, judiciais e censórias, extrapolando de forma rotineira os limites constitucionais. A liberdade de expressão tornou-se condicional, sujeita à filtragem institucional. O devido processo foi corroído por inquéritos de ofício, decisões monocráticas e censura prévia. O pluralismo político, por sua vez, foi minado por exclusões judiciais e perseguições administrativas, dando lugar a um simulacro de representação.

Enquanto isso, o Congresso Nacional deixou de funcionar como contrapeso. Vota medidas que restringem a liberdade de expressão parlamentar, ignora arbitrariedades e se comporta como instância homologadora de decisões já tomadas pelo STF ou pelo Executivo. Deputados evitam se manifestar, conscientes de que uma fala considerada inadequada pode motivar processo, censura ou devassa. A prudência institucional foi convertida em submissão. O Executivo, por sua vez, investe cada vez mais em instrumentos de controle narrativo. Propõe regulamentações da mídia e das redes sociais que, sob o pretexto de combater a desinformação, instituem censura preventiva, sufocam vozes independentes e ameaçam a livre circulação de ideias. O Estado volta a agir como editor da opinião pública, agora com ferramentas digitais e retóricas democráticas.

Essa distorção progressiva é legitimada, em larga medida, pelo medo – o medo do caos, da desordem, do extremismo. Mas é exatamente esse medo que pavimenta o caminho da servidão. Como advertia Hayek, quanto maior o poder concentrado, maior a tentação de usá-lo para suprimir liberdades. Quando os Poderes da República deixam de se conter mutuamente e passam a operar em sincronia, não se forma uma democracia fortalecida, mas uma hegemonia estatal. O risco, portanto, não é o de ruptura institucional súbita, mas o de erosão gradual, administrada e celebrada.

A tragédia das democracias em crise não é que seus algozes cheguem pela força. É que muitas vezes eles chegam aclamados. Como Palpatine, não impõem o império com tanques, mas com votos. Votos simbólicos. Votos parlamentares. Vêm em nome da paz, da estabilidade, da segurança. É por isso que a liberdade, nesses cenários, não morre sob gritos e sim sob aplausos. O cidadão, crendo-se protegido, entrega a última linha de defesa da sua própria autonomia: a liberdade de falar, de votar, de divergir.

Diante desse cenário, o Brasil se encontra numa encruzilhada histórica: ou segue pela trilha da centralização silenciosa, embalada por slogans institucionais, ou decide, enquanto ainda há tempo, restaurar os princípios basilares de uma sociedade livre. Isso não é uma causa liberal, conservadora ou progressista. É uma exigência mínima de qualquer povo que deseje viver sob um Estado que funcione para garantir a liberdade e não para gerenciá-la. Defender o direito ao dissenso, o equilíbrio entre os poderes, a imunidade parlamentar, a transparência institucional e a existência de ideias concorrentes não é radicalismo. É o único antídoto contra a normalização do autoritarismo. Porque tudo pode continuar funcionando — o Judiciário, o Congresso, os inquéritos, os algoritmos, as urnas — e, ainda assim, a liberdade já pode estar morta.

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João Loyola

João Loyola

Formado em administração pela PUC Minas e em Gestão de Seguros pela ENS, Pós-Graduado em Gestão Estratégia de Seguros pela ENS, é sócio sucessor da Atualiza Seguros, trabalha no programa Minas Livre para Crescer na Secretaria de Desenvolvimento Econômico de MG e é associado do IFL-BH.

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