As regulações econômicas e a competitividade entre os países

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“A regulação nem sempre busca o bem comum, mas frequentemente serve aos interesses de grupos de pressão que podem influenciar os governos.”
George J. Stigler (Prêmio Nobel de Economia, 1982)
The Theory of Economic Regulation, 1971.

O laureado Prêmio Nobel de Economia e, em vida, professor da Universidade de Chicago George J. Stigler deixou no âmbito das políticas regulatórias uma grande influência, pois poucos artigos tiveram o impacto de “The Theory of Economic Regulation”, publicado em 1971 pelo citado economista. Não obstante, essa influência não tem estado isenta de fortes críticas nos debates teóricos e empíricos sobre os efeitos das regulações econômicas no campo das políticas econômicas e públicas das nações.

No entanto, esse trabalho acadêmico foi pioneiro, no momento de sua publicação, na análise das relações entre as empresas e os governos, o que hoje o torna relevante ao analisar o atual cenário mundial de crescentes intervenções e regulações estatais que se desenvolvem em decorrência dos conflitos geopolíticos e geoeconômicos liderados principalmente por China e Estados Unidos, ao se compreender uma de suas vertentes mais importantes: a intervenção do Estado em certos setores econômicos, não em função do interesse geral da população e do livre desempenho das forças de mercado, mas sim em função de setores e empresas muito particulares.

Dentro desse âmbito de enfrentamentos geopolíticos e geoeconômicos, acompanhado de um forte ressurgimento de um mercantilismo econômico vigoroso, é importante destacar a acertada afirmação realizada por Stigler ao alegar que a regulação é mais um produto, como qualquer outro produto do mercado, ressaltando que a diferença entre a regulação e os demais produtos do mercado reside no próprio processo político que concretiza a estrutura do mercado da regulação. Segundo Stigler, as regulações incentivam interesses privados muito particulares, fruto da forma como as instituições políticas geram incentivos para que os líderes políticos enfatizem os interesses de certos setores econômicos e industriais acima dos interesses do bem-estar público geral.

Nesse mesmo sentido, o citado autor criticou a visão idealista segundo a qual as regulações promovem os interesses públicos gerais — perspectiva que tinha grande influência sobre muitos economistas, formuladores de políticas públicas e acadêmicos naquele momento.

É importante esclarecer que esse enfoque pode explicar alguns — não todos — dos fatores motivacionais que têm estado por trás de certas políticas regulatórias e intervencionistas no atual cenário de guerras comerciais lideradas principalmente por China e Estados Unidos, nas quais algumas políticas tarifárias foram tomadas com o objetivo de proteger certos setores industriais frente à concorrência estrangeira.

O conceito de regulação e sua justificação

A regulação, do ponto de vista jurídico, pode ser definida como a ação e o efeito de regular (pôr em ordem algo, ou regulamentar o funcionamento de um sistema de caráter econômico, social ou político, por meio da implementação de normas).

É importante esclarecer que não existe um conceito unívoco e amplamente aceito do que se entende, em termos gerais, por regulação econômica e político-administrativa, pois as concepções variam de um país a outro conforme a cultura jurídica e política.

Segundo os professores Christel Koop e Martin Lodge — ambos acadêmicos do Departamento de Economia Política do King’s College de Londres e do Departamento de Governo & Centro para a Análise do Risco e da Regulação da London School of Economics and Political Science, de Londres, Reino Unido, respectivamente — apresentam, em seu trabalho intitulado What is regulation? An interdisciplinary concept analysis, um interessante debate sobre as diferentes acepções existentes em torno do termo regulação.

A esse respeito, sustentam “que o conceito principal no campo — regulação — ainda está sobre a mesa. Alguns sugeriram que existe um acordo em discordar. Por exemplo, Baldwin et al. argumentam que existem três concepções principais: (i) a regulação como ‘a promulgação de um conjunto autorizado de regras, acompanhadas de algum mecanismo (…) para monitorar e promover o cumprimento dessas regras’; (ii) a regulação como ‘todos os esforços das agências estatais para dirigir a economia’; e (iii) a regulação como ‘todos os mecanismos de controle social — incluídos os processos não intencionais e não estatais’ (Baldwin et al., 1998, pp. 3-4; Jordana & Levi-Faur, 2004, pp. 2-4; Baldwin et al., 2012, Cap. 1). A variação é atribuída às diferenças nos interesses disciplinares, com juristas, cientistas políticos e economistas construindo-se principalmente sobre as duas primeiras concepções, enquanto os acadêmicos sociojurídicos enfatizam a terceira (Baldwin et al., 1998, p. 4; Levi-Faur, 2011, p. 3).”

Outros autores, como Stephen G. Breyer, definem a regulação econômica “como os esforços governamentais para controlar ou afetar as decisões das empresas a respeito do preço, quantidade ofertada, qualidade do produto ou os processos de produção.”

Seguindo essa mesma linha de ideias, Carlos Alza Barco sustenta que “a regulação econômica busca, principalmente, alinhar os objetivos de produtores e consumidores, maximizando o bem-estar social, ou seja, alcançando a melhor combinação de excedentes do produtor e do consumidor.”

Alguns desses conceitos referentes à regulação econômica têm pontos em comum, como a busca pela maximização do bem-estar geral por meio dos mecanismos de livre oferta e demanda do mercado de bens e serviços.

Não obstante, para Stigler, que faz referência à visão idealista do interesse público geral, isso não passou de uma utopia ou manipulação política em função de interesses muito particulares em detrimento do interesse público geral.

Teoria do crescimento endógeno e a competitividade econômica dos países

O custo acumulativo das regulações nos níveis de competitividade das nações tem sido objeto de amplos debates e estudos tanto teóricos quanto empíricos. Os efeitos dessas regulações sobre as decisões de investimento e as perturbações que causam na inovação derivada do investimento em criação de conhecimento acabam gerando um efeito cumulativo e prejudicial sobre o crescimento econômico e, portanto, principalmente, sobre os níveis de competitividade dos setores privados dos países.

A teoria do crescimento endógeno sustenta que o crescimento econômico depende principalmente das decisões tomadas pelos atores da economia (empresas e indivíduos) mais do que de fatores externos.

Com relação a esse modelo, é importante destacar o estudo publicado pelo Instituto Mercatus Center da George Mason University no ano de 2016. Segundo esse trabalho ao qual fazemos referência,

“O crescimento econômico depende do investimento. O crescimento econômico em uma indústria específica é determinado pelo investimento na criação de conhecimento, como a pesquisa e o desenvolvimento, e pela forma como esse investimento gera inovação e aumentos de produtividade. Isso significa que as intervenções regulatórias que afetam as decisões de investimento têm um impacto maior na economia do que a simples soma dos custos estáticos associados ao cumprimento normativo.”
Regulação (26 de abril de 2016), Instituto Mercatus Center, Universidade George Mason, Documentos de trabalho, p. 3.

Outro aspecto importante ao qual o mencionado documento de trabalho faz referência é o referente aos efeitos cumulativos das regulações, ao sustentar que:

“As regulações têm efeitos cumulativos. Uma ideia-chave dos modelos de crescimento endógeno em geral é que o efeito da intervenção governamental sobre o crescimento econômico não é simplesmente a soma dos custos estáticos associados às intervenções individuais, mas tem implicações dinâmicas. A acumulação de regulação ao longo do tempo gera uma distorção cada vez maior das opções de investimento. Além disso, as decisões de investimento de anos anteriores afetam o crescimento em anos futuros, já que o conhecimento que não se cria não pode ser implementado no ano seguinte nem nos anos posteriores para ser mais produtivo.”
Regulação (26 de abril de 2016), Instituto Mercatus Center, Universidade George Mason, Documentos de trabalho, p. 3.

Ambas as citações não deixam dúvidas quanto ao impacto negativo que muitas regulações econômicas geram nos níveis de competitividade econômica dos agentes privados de qualquer nação, afetando, do curto ao longo prazo, a competitividade destas ao alterar seus padrões de vantagens competitivas.

As regulações comerciais

Outro dos âmbitos sobre os quais as regulações econômicas têm tido um efeito adverso tem sido o das regulações comerciais. Estas têm sido o modelo mais comum do domínio governamental sobre a concorrência, e onde a teoria de George J. Stigler talvez tenha tido muita corroboração empírica, devido ao fato de que algumas dessas regulações obedeceram aos interesses de grupos privados em detrimento das grandes massas de consumidores: ao restringirem o acesso aos mercados estrangeiros, ou seja, limitando o comércio bilateral ou multilateral, conforme o caso, aumentando a pressão fiscal sobre o comércio internacional, com a consequente redução da concorrência comercial e a perda de competitividade dos competidores internacionais nos mercados globais frente a seus pares ao estabelecer barreiras de entrada que reduzem a concorrência, aumentam os preços e desestimulam a inovação, entre outros efeitos adversos.

Alguns casos internacionais

Somente a título de referência, mencionaremos alguns estudos realizados por centros de pesquisa econômica internacionais e alguns Think Tanks sobre as incidências negativas que as regulações têm tido em certos setores econômicos no que se refere à competitividade.

Entre alguns estudos que mencionaremos de forma referencial, encontra-se The EU Banking Regulatory Framework and its Impact on Banks and the Economy. Reference Study (January 2023). Essa interessante publicação demonstra a perda de competitividade econômica do setor financeiro da União Europeia em relação à sua contraparte norte-americana, publicação que evidencia como, em alguns indicadores financeiros, os bancos europeus obtêm menores níveis de rendimentos devido ao excesso de regulações que o citado bloco impõe a esse setor.

Outro estudo relevante, com ampla evidência empírica e de data recente, é a publicação intitulada La Curva de Laffer Regulatoria (17/09/2023), sob o patrocínio do Think Tank Foro de Regulación Inteligente. Nesse estudo, demonstra-se como a Espanha vem perdendo competitividade frente a seus pares europeus, principalmente pelo excesso de regulações econômicas, destacando-se nele a relação entre o crescimento do PIB das nações e a complexidade regulatória, pondo em evidência, empiricamente, como o PIB dos países é afetado pelo excesso de regulações como um fator de influência institucional negativa.

Conclusões

A competitividade de um país é computada primordialmente por meio de sua eficiência na oferta produtiva, na qual são essenciais: a eficiência da administração pública, o custo da mão de obra e sua produtividade, a estabilidade política e os baixos níveis de criminalidade, a tributação, o mercado de bens, o mercado financeiro e um marco institucional voltado a garantir as regras do livre mercado, principalmente.

Tudo isso transforma esses fatores em uma cadeia de valor multifatorial altamente sensível às regulações econômicas e administrativas dos respectivos governos sobre cada um desses setores econômicos em questão.

Quando as regulações são excessivas, uma menor concorrência entre agentes econômicos diminui principalmente a eficiência de um ou de alguns dos pontos do sistema da cadeia de valor competitivo das nações, ou seja, afeta-se imediatamente a oferta produtiva e, consequentemente, a competitividade do país – e, por extensão, o bem-estar da população, com o agravamento da saúde dos consumidores.

Como reflexão final, além da falta de consenso sobre o que se entende por regulação do ponto de vista teórico, há suficiente evidência empírica na literatura acadêmica que irrefutavelmente demonstrou a grande influência das regulações no desempenho econômico dos países, sendo a magnitude desse fator de caráter institucional tão decisiva que tem determinado, em grande parte, o sucesso ou o fracasso da competitividade econômica de muitos países em escala global.

Bibliografia

Carlos Alza Barco (2011), ¿Qué se entiende por Regulación? ¿Enfoques y equivocidad? Pontifícia Universidade Católica do Peru, Revista de Derecho Administrativo, Nº 10, Tomo 2, p. 319.

Christel Koop & Martin Lodge (2017), What is regulation? An interdisciplinary concept analysis, em Regulation & Governance, pp. 95–108, Wiley Online Library.

Regulación (26 de abril de 2016), Instituto Mercatus Center, Universidade George Mason, Documentos de trabalho, p. 3.

The EU Banking Regulatory Framework and its Impact on Banks and the Economy. Reference Study (January 2023).

La Curva de Laffer Regulatoria (17 de setembro de 2023). Foro de Regulación Inteligente.

*George Youkhadar é advogado e cientista político, com menção em Relações Internacionais pela (UCV), possui pós-graduações em Negociações Econômicas Internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Diplomáticos Pedro Gual e é MBA e Mestre em Finanças pela Universidade do Chile.

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