A vulgarização do ódio

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Há anos, estamos sendo bombardeados por teorias identitárias, já tomadas como um fato dado por grande parte do establishment composto por imprensa, setor artístico, burocratas estatais e até mesmo empresas privadas. Há anos, vemos nossa liberdade de expressão ser atacada com o argumento de que é preciso combater a desinformação e o ódio. O carro-chefe dessa narrativa woke tem sido o termo “discurso de ódio”. A penetração institucional da expressão é tamanha que já virou rotina ouvir na boca das mais diversas autoridades, em especial, no contexto atual, na de ministros da suprema corte. Sempre que se busca uma desculpa para censurar um discurso, tira-se da manga o “isso é discurso de ódio”. Contudo, ninguém define o que diabos seria o tal discurso de ódio. Como outras criações dos identitários, aquilo com o que se pretende dizer tudo não diz nada.

Já alertei em outras ocasiões sobre o risco de se banalizarem coisas como racismo, machismo, transfobia etc. O exemplo do racismo é clássico. Com a disseminação de teses “chiques”, mas extremamente reducionistas, como o racismo estrutural, a militância identitária passou a enxergar racismo em tudo. Para além das implicações óbvias, isso também é deletério para as verdadeiras vítimas de racismo, que podem ter sua experiência apequenada, talvez até desacreditada, já que o público se torna “anestesiado”, até mesmo cansado de ouvir a banalização do termo. O mesmo vale para outras ocorrências: se tudo é machismo, nada é machismo; se tudo é homofobia, nada é homofobia etc. Com o “ódio”, parece estar ocorrendo o mesmo fenômeno.

O termo “discurso de ódio” já surge sendo identificado na narrativa identitária como aquilo que é supostamente incômodo a uma dita minoria, ainda que não necessariamente seja um discurso hostil ou uma incitação à violência contra um grupo. Qualquer pessoa sensata veria na defesa aberta e clara do extermínio de um grupo (judeus, no caso do nazismo, por exemplo) um exemplo razoável de discurso de ódio. Ocorre que, dentro da cultura woke, a coisa vai muito além. Você acha que mulheres-trans não deveriam participar de esportes femininos? Você é transfóbico e dissemina discurso de ódio contra as pessoas trans. Você se recusa a usar linguagem neutra e pensa que os professores não têm o direito de ensinar isso para as crianças? Discurso de ódio. Você é contra a existência de cotas identitárias de qualquer natureza? Discurso de ódio. Se inicialmente voltado para a suposta proteção das minorias, a cartada do discurso de ódio pode ser adaptada a “n” situações. Faz críticas ácidas à altas autoridades da República? Discurso de ódio. Acredita que as pessoas devem poder discutir livremente se as urnas eletrônicas são ou não seguras? Discurso de ódio. Pensa que as pessoas devem ser livres para defender alterações na legislação que aumentem o escopo da liberdade de expressão no Brasil? Discurso de ódio.

O resultado dessa vulgarização do ódio já produz seus efeitos. Assistimos estarrecidos a militantes e personalidades públicas de esquerda, tanto no Brasil quanto nos EUA, reagindo com aberta alegria ao assassinato do ativista conservador americano Charlie Kirk. Sem pudor em mostrar sua face nefasta, eles comemoram um assassinato político. No caso mais asqueroso por aqui, o jornalista Eduardo Bueno, conhecido como Peninha e como um suposto historiador, chegou a afirmar que os filhos de Charlie Kirk (um menino de um ano de idade e uma menina de três) estariam melhor sem o pai. Outros tantos argumentam que Kirk mereceu seu assassínio, pois, vejam só, disseminaria ódio: nessa hipótese, ele estaria apenas colhendo o que plantou. Para justificar tal absurdo, militantes de esquerda tomam mão de um expediente que sempre conheceram muito bem, apesar de atribuírem integralmente à direita: fake news. Até mesmo o célebre escritor Stephen King (demonstrando que a inteligência criativa pode muito bem vir desacompanhada de inteligência nas demais áreas) propagou a falsa informação de que Kirk teria, pasmem, defendido o apedrejamento de gays.

Quem já está habituado às narrativas dos elementos mais radicalizados da esquerda identitária não vai se chocar com o desfile de monstruosidades que temos lido nas redes nos últimos dias. O que é verdadeiramente chocante é o fato de que mesmo pessoas comuns, sem aparente atividade política, sejam capazes de propagar esse tipo de retórica.

Concorde com as ideias por ele defendidas ou não, simpatize com sua pessoa ou não, o fato é que Charlie Kirk expunha seus pontos de vista democraticamente e se dispunha a debater, de forma bastante respeitosa e elegante, mesmo com quem o acusava das piores coisas. Quando, de um lado, há um homem que se propunha a sentar e debater pacificamente com estudantes e, do outro, um extremista disposto a matar alguém por suas ideias, não deveria ser difícil estabelecer um juízo de valor. Contudo, há quem tenha se tornado tão inflamado pela retórica que não percebe a clara contradição ao relativizar um crime de intolerância.

De tanto falar em discurso de ódio, de tanto usá-lo como desculpa para a censura, de tanto enxergá-lo nas coisas mais insignificantes, de tanto banalizá-lo, muitas pessoas terminaram por se tornarem dormentes para o ódio de fato, a ponto de não só não o reconhecerem quando o veem, como não o perceberem em si mesmos. Muitos se tornaram genuinamente convencidos de que expressar opiniões que contrariem a agenda woke, por exemplo, é discurso de ódio, e que, portanto, aqueles que esposam tais opiniões são dignos de serem exterminados. Não por acaso, a esquerda também costuma vulgarizar termos como fascista e nazista: uma tentativa de desumanizar o inimigo para torná-lo menos digno da compaixão humana.

Hoje, uma parcela, certamente minoritária, mas ainda significativa da sociedade, posto que também composta por gente com certa influência, pensa que o assassinato por nada mais nada menos do que divergência de opiniões é justificável. Isso nos compele a reconhecer que a esquerda identitária parece ter obtido sucesso, ao menos com uma parcela da população, no seu intento de instrumentalizar o ódio. Quando pessoas comuns realmente pensam que alguém emitir uma opinião incômoda, mas que nada tem a ver com defesa de extermínio de grupos minoritários ou coisa que o valha, é discurso de ódio, o resultado não é menos, mas mais ódio na sociedade. Contudo, se esse diagnóstico pode soar pessimista e parece conceder uma vitória às hostes identitárias, lembremos que o assassinato de Charlie Kirk também serviu para mostrar que as vozes sensatas ainda são a maioria e que a sociedade demonstra querer resistir ao ódio, ao ódio de fato, ao ódio real, ao ódio que desumaniza, ao ódio que mata. Para que consigamos fazer isso como sociedade, devemos nos livrar da dormência diante do ódio e parar de colaborar para sua vulgarização. Devemos começar por entender que aqueles que concorreram para essa vulgarização nada têm a nos ensinar sobre o ódio, exceto com exemplos do que não devemos fazer e do que não queremos ser.

Fontes:

https://abcnews.go.com/News/charlie-kirk-wife-erika-two-kids/story?id=125460687

https://www.estadao.com.br/cultura/literatura/stephen-king-pede-desculpas-apos-dizer-que-charlie-kirk-pregava-o-apedrejamento-de-gays-nprec/

 

 

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Gabriel Wilhelms

Gabriel Wilhelms

Graduado em Música e Economia, atua como articulista político nas horas vagas. Atuou como colunista do Jornal em Foco de 2017 a meados de 2019. Colunista do Instituto Liberal desde agosto de 2019.

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